Zona Curva

fake news conceito

As armadilhas políticas das fake news

A decisão do governo federal de ingressar no combate à proliferação de notícias falsas (fake news) na imprensa e nas redes sociais esconde armadilhas políticas que podem causar sérios embaraços ao presidente Lula, porque é um tema complexo sobre o qual é difícil estabelecer um controle absoluto. Na verdade, o combate às fake news está mais na esfera da comunicação social e menos no âmbito do poder executivo, já que é muito arriscado criar regras rígidas para neutralizar um problema que ganhou grandes dimensões justamente porque se aproveitou da escassa experiência de nossa sociedade com o manejo da informação digitalizada. O fenômeno das notícias falsas, incompletas, distorcidas ou descontextualizadas já é bastante antigo. Convivemos com ele há mais de um século, período em que se manifestava através de jornais, revistas, noticiários radiofônicos e telejornais. As fake news passavam, no entanto, quase desapercebidas porque a comunicação jornalística pré-internet era controlada por um reduzido grupo de grandes empresas, na maioria privadas. Com a chegada das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), no final do século XX, surgiram as redes sociais virtuais que passaram a concorrer com a imprensa convencional na produção de fluxos informativos oferecidos à população. A concorrência se transformou em batalha pela sobrevivência com a migração de anunciantes para o espaço virtual, especialmente depois que a telefonia celular facilitou o acesso às grandes redes virtuais como Facebook e Google. É neste contexto que surge a polêmica sobre o combate às fake news, basicamente um argumento manobrado pela imprensa convencional para tentar construir uma imagem de credibilidade em meio ao caos informativo criado por grupos políticos extremistas no fluxo de notícias na internet. Se a imprensa estivesse eticamente comprometida com a veracidade das informações publicadas até a chegada da internet, ela já teria feito um mea culpa de todas as notícias distorcidas, enviesadas e meias verdades veiculadas no passado como parte do jogo corporativo de interesses políticos e empresariais. A ofensiva político-publicitária contra as redes sociais ganha características de uma manobra dos grandes conglomerados midiáticos interessadas em usar a bandeira do combate às fake news como arma contra a acelerada expansão financeira de impérios tecnológicos como Facebook e Google. É uma guerra de “cachorro grande” e quem se meter nela precisa ter muito claro que se o compromisso com a confiabilidade das notícias for levado até as últimas consequências pode acabar tendo que enfrentar tanto as redes como grupos empresariais como Globo, Folha e Estadão. As redes sociais virtuais estão muito longe de serem modelos de conduta em matéria de compromisso com a veracidade. Muito pelo contrário. O fato de reunirem audiências infinitamente maiores que as da imprensa convencional, de se aproveitarem da onipresença dos telefones celulares e permitirem a instantaneidade na transmissão simultânea de milhares de mensagens, fez com que Facebook, Youtube, Twitter, Instagram e Whatsapp se tornassem as plataformas preferenciais dos terroristas e extremistas online. Casos como o da Lava Jato, bem como as campanhas eleitorais de Jair Bolsonaro e Donald Trump, acabaram se tornando paradigmas do uso de notícias falsas com fins político-eleitorais. Discurso sofisticado O esforço para combater as fake news é urgente e necessário mas ele precisa levar em conta o contexto social-econômico-político em que estamos inseridos, as especificidades tecnológicas dos fluxos virtuais de notícias e os recursos de que dispomos para alcançar o objetivo. A primeira constatação contextual é a inviabilidade de combater problemas digitais com ferramentas analógicas. Não vai funcionar ou servirá apenas para enganar a opinião pública. No espaço físico dos jornais, rádio e TVs há responsáveis, endereços e condutas localizados e identificáveis. No chamado ciberespaço, tudo isto é muito difuso, mutável e complexo. Levamos décadas para produzir leis, códigos, regulamentos e normas tentando disciplinar a atividade noticiosa da imprensa, sem eliminar completamente a incidência de notícias falsas ou distorcidas na imprensa convencional. As empresas construíram um sofisticado discurso para adequar o jornalismo ao ambiente comercial na produção e veiculação de informações. Mais do que isto, as mídias formataram audiências que, sem juízo crítico, incorporaram vários itens deste discurso aos seus valores individuais no trato com a informação. De repente, tudo isto muda com a avalanche informativa gerada pela internet e por inovações tecnológicas como telefones celulares, computadores, bancos de dados e, mais recentemente, com a robotização e inteligência artificial. Criou-se um espaço sem regras e sem valores consolidados. O lento e complexo sistema de produção de leis e regulamentos não consegue acompanhar o ritmo frenético das inovações tecnológicas. Muitas leis se tornaram obsoletas e ineficazes antes mesmo de serem aprovadas. E mais do que tudo, começa a ficar claro que a criação de normas vai depender mais das pessoas do que dos tribunais, parlamentos ou governos. Isto fica claro quando se analisa o trabalho das centenas de projetos de checagem de informações, um louvável esforço para tentar limitar a proliferação das fake news por meio da sua desconstrução. É humanamente impossível checar todas os dados e fatos publicados numa edição normal de jornais impressos. É viável detectar as mentiras mais grosseiras, mas o enviesamento, descontextualização e as meias verdades exigem muito mais tempo e conhecimento para serem identificadas. Além disso, a experiência tem mostrado que o espaço editorial dedicado à publicação do resultado de checagens é muito inferior ao dedicado à publicação de notícias gerais. O resultado é que a checagem de fatos e dados, também conhecida pelo jargão inglês fact checking, acaba servindo mais para marketing do jornal ou revista do que para tranquilizar ou orientar o leitor. Assim, o ingresso do governo no combate às fake news precisa levar em conta todo este arsenal de dificuldades capazes de criar decepções, contrariedades e acusações numa questão que, no final das contas, tem mais chances de ser resolvida pelas pessoas e comunidades do que por decretos e leis. Em vez de buscar a normatização do problema, o governo talvez tenha mais possibilidades de êxito se apostar em campanhas públicas de formação de consciências e de incentivo ao surgimento de novos valores e comportamentos no trato da notícia. Lidar com a informação e a notícia não é algo que você prática baseado em manuais ou regras. Cada informação ou notícia está relacionada

O jornalismo no salve-se quem puder da desinformação em escala planetária

por Carlos Castilho A sensação de incerteza e desorientação que nos contamina a cada grande acontecimento midiático, se tornou, agora, um fenômeno permanente no jornalismo da era digital. Isto porque cresce a tendência ao uso das ferramentas de desinformação para obter prestígio e seguidores num mercado informativo onde a visibilidade pública é condição básica para a sobrevivência profissional e pessoal. Governantes, políticos, empresários e personalidades públicas são os principais usuários das técnicas de formatação de dados visando destacar os aspectos que mais lhes interessam ou beneficiam na hora de divulgar uma notícia, dado ou evento. Mas as pessoas comuns também fazem a mesma coisa, a maioria de forma inconsciente, porque as omissões, distorções e descontextualização de notícias já foram incorporadas ao nosso cotidiano. Mas depois do surgimento da internet, o fluxo de informações cresceu tanto que as consequências da desinformação começaram a se tornar potencialmente catastróficas, especialmente depois do fenômeno das notícias falsas (fake news). A generalização do recurso às chamadas meias verdades complicou extraordinariamente o processamento de produção de notícias pelos jornalistas, que, em teoria, têm como obrigação profissional separar o joio do trigo na complicada arena da informação. Quando a imprensa percebeu que a desconfiança crescente de leitores, telespectadores e internautas poderia minar o negócio da venda de notícias, ela reagiu de duas maneiras: apostando em sistemas eletrônicos de verificação de credibilidade e autenticidade das informações, ao mesmo tempo que intensificou o lobby a favor da regulamentação da internet, por meio de normas para preservar o controle das empresas sobre as notícias que circulam nas redes sociais. A grande imprensa elegeu a rede Facebook como o principal alvo em seu esforço para levar os leitores, ouvintes, telespectadores e internautas a acreditarem que é possível acabar com as fake news. Nada menos que 150 projetos de checagem de informações (fact checking) foram criados em 53 países diferentes financiados por grandes fundações, organizações não governamentais e entidades ligadas aos conglomerados jornalísticos privados. Todos os grandes jornais do mundo têm algum tipo de software ou grupo de profissionais para fazer a checagem de dados, fatos e eventos. No início de fevereiro, o Institute of Law and High Technology, da Universidade Santa Clara, na Califórnia, Estados Unidos, reuniu especialistas acadêmicos em ética, direito e computação, dirigentes de sete grandes empresas de tecnologia, jornalistas dos principais jornais norte-americanos, pesquisadores autônomos e congressistas dos Estados Unidos, com o propósito de tentar, por todos os meios, chegar a propostas mínimas para enfrentar a desinformação em escala planetária. A síndrome da indiferença informativa Mas apesar do esforço em difundir a ideia de que é possível controlar a disseminação de fake news, os especialistas em segurança informativa garantem que se pode reduzir a incidência de notícias falsas, mas que é impossível eliminá-las totalmente. A possibilidade de que tenhamos de conviver com a insegurança informativa por um longo tempo gerou exasperação entre os estudiosos da mídia, como a inglesa Emily Bell, fundadora e diretora do Tow Center for Digital Journalism, da Universidade Columbia, de Nova Iorque. Ela escreveu um artigo onde expressava sua angústia já no título: “Como poderemos regular o selvagem mercado de mensagens instantâneas?” O público, que precisa de informações para sobreviver nesta selva informativa, não tem a quem recorrer e começa a apelar para a apatia noticiosa. Mas ninguém assume a responsabilidade de dizer às pessoas que não há inocentes e nem ingênuos no vale-tudo diário pelo acesso aos corações e mentes das audiências. Os que não aderiram ao niilismo noticioso tentam se proteger da incômoda sensação de vulnerabilidade refugiando-se em guetos informativos onde acabam contagiados pela xenofobia, radicalismo e extremismos. No meio de tudo isto, ressurge o velho recurso à regulamentação da atividade informativa na internet, em especial nas redes sociais. No Congresso Nacional, em Brasília, há pelos menos 20 projetos prevendo leis mais draconianas e punições mais duras para quem for considerado autor e disseminador de notícias falsas, distorcidas ou intencionalmente descontextualizadas. Propor e votar a favor é fácil em comparação aos problemas que surgirão na aplicação de uma eventual regulamentação. A complexidade das notícias online vai exigir uma não menos complexa interpretação legal, sem falar que provavelmente haverá uma avalanche de processos, tendo em vista o volume de informações digitalizadas diariamente. Para dar um exemplo das dimensões do problema da desinformação, minutos após o tiroteio numa escola da cidade de Parkland, na Florida, que deixou 17 alunos e professores mortos, as redes sociais já estavam atulhadas de mensagens com notícias falsas ou distorcidas sobre o massacre. E não eram só pessoas revoltadas. As “fábricas” de fake news localizadas em países do Leste europeu exploraram o caso para aumentar a polarização entre políticos e eleitores norte-americanos usando a polêmica questão da livre compra de armas pesadas nos Estados Unidos. Quase todos os protagonistas do jogo da desinformação têm seus interesses próprios e tratam de defendê-los a todo custo, nem que seja recorrendo à mesma desinformação. O grande órfão em tudo isto é o público que teoricamente, deveria ter a imprensa e a universidade como parceiros. Acontece que nem um e nem o outro assumiram, até agora, a espinhosa missão de dizer a leitores, telespectadores e internautas que não há saída fácil para o problema e que a solução só virá quando cada cidadão se encarregar de verificar os dados e notícias que repassa para seus amigos, parceiros e parentes. Para ler outros textos de Carlos Castilho, clique aqui. Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre

O apocalipse informativo

por Carlos Castilho Se depender do pesquisador Aviv Ovadya, famoso mundialmente por ter previsto em 2016 o surgimento do fenômeno das fake news (notícias falsas), nós estamos caminhando rapidamente para uma situação que ele descreve como um “apocalipse informativo”, cuja principal consequência prática seria uma “apatia noticiosa”. Aviv, formado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) estuda há quase uma década o fluxo de informações na internet, especialmente nas redes sociais virtuais, e suas conclusões são preocupantes. Segundo ele, uma aliança informal de políticos, economistas, publicitários e engenheiros eletrônicos promove o crescimento acelerado da chamada economia da informação, sem qualquer preocupação crítica com relação aos efeitos que ela pode acarretar para o cidadão comum. A economia da informação cresce a partir dos milionários interesses financeiros gerados pela indústria eletrônica, que geram dividendos monetários para os publicitários e enquanto os políticos passam ao largo do tema por ignorância e/ou interesses eleitorais. O resultado é que, apesar dos alertas de pesquisadores acadêmicos, ativistas cibernéticos e alguns poucos legisladores, a insegurança informativa da população cresce alimentada pelo fluxo constante de fake news produzidas por políticos, empresários e governantes. Caso o ritmo de circulação das notícias falsas continue se intensificando, Aviv Ovadya prevê que as pessoas adotarão o que chamou de “apatia informativa” porque simplesmente não conseguirão mais separar desinformação e as fake news dos conteúdos confiáveis. O prognóstico de Aviv faz todo sentido porque o chamado “autismo informativo” é uma reação defensiva já perceptível em muitas pessoas que lidam com grande volume de informações publicadas em jornais, revistas, telejornais, redes virtuais e programas jornalísticos radiofônicos. A dinâmica da economia da informação, alimentada por lucros milionários, acabou criando uma bolha englobando profissionais da tecnologia, dos mercados financeiros e nas consultorias políticas, onde os participantes se retroalimentam em matéria de notícias, sem levar em conta a base social sobre a qual atuam. Estamos entrando numa espécie de “niilismo informativo” onde o descrédito passa a ser uma regra de sobrevivência individual num ambiente noticiosamente caótico por conta da incerteza nos dados, fatos e eventos publicados nos meios de comunicação. Quando passamos a receber mensagens publicitarias inidôneas (spam ou pishing) formatadas exatamente da mesma forma que uma notícia de jornal, perdemos a confiança em nossos referenciais tradicionais e aí o jeito é descrer em tudo. Os paradoxos da era digital Quem mais sai perdendo no apocalipse informativo é a imprensa, por motivos óbvios. A posição dos veículos tradicionais de informação é complicada porque o setor paga o preço por dois processos que antecedem à chegada da internet e da avalanche noticiosa: o fato da imprensa ter se identificado como a porta-voz da verdade, criando a ilusão de que ela teria condições de separar o joio do trigo em matéria de notícias, o que hoje se sabe ser concretamente impossível; e a transformação das empresas de comunicação em instituições participantes do jogo político formal, graças ao controle exercido sobre o fluxo de mensagens entre tomadores de decisões e a grande massa dos cidadãos. Trata-se de uma posição estratégica cuja relevância e poder de influência acabou levando a imprensa a deixar em segundo plano a preocupação com a imparcialidade informativa. A real possibilidade de uma apatia noticiosa generalizada se constitui num dos grandes paradoxos da era digital. Apesar das expectativas de um avanço histórico na liberdade de informação, por conta da internet, acabamos contaminados por dúvidas e inseguranças sobre o mundo que nos cerca. Não há como voltar atrás. Inevitavelmente passaremos por um período de incertezas até que haja uma re-acomodação nos costumes, regras e valores associados à atividade informativa, com base no interesse público e não mais apenas no lucro. A imprensa, de maneira geral, ainda tenta estratégias paliativas para a crise no seu modelo de negócios, dando mais importância a recuperação de sua lucratividade passada do que à preocupação pública com a incerteza informativa entre seus leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Surpreendentemente, a rede Facebook, apontada como uma mega central distribuidora de fake news, resolveu mergulhar de cabeça na tentativa de “desinfetar” o fluxo de informações entre seus dois bilhões de usuários. O “garotão” Mark Zuckerberg parece ter vislumbrado um desastre empresarial que muitos outros, bem mais experientes, ainda não conseguiram detectar. É pouco provável que a iniciativa da rede Facebook dê resultados rápidos e espetaculares, porque as notícias falsas não são só o resultado de erros técnicos e de uma delinquência informativa, passível de punições exemplares. Elas são um subproduto estrutural surgido pela sobrevivência de velhos comportamentos num ambiente digital novo que nós ainda estamos começando a conhecer. Leia outros textos de Carlos Castilhos no Medium. O jornalismo no salve-se quem puder da desinformação em escala planetária Facebook: uma autocracia encurralada Quanto mais informação, mais dúvidas Taxação das plataformas digitais já! O binômio fake news/redes sociais nos impõe novos comportamentos políticos O lado retrógrado da avalancha informativa digital A nova função da notícia na guerra por corações e mentes Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre Era da pós-civilidade Bem-vindo à era da telemática   A Internet não pode ser um jardim murado