Zona Curva

fake news eleições

Eleições: por que vencem as mentiras (fake news)?

As novas tecnologias têm sido denunciadas como um grande entrave para a democracia e, em muitos casos, são apontadas como responsáveis pela eleição de alguém, como foi no Brasil, ou pelo rechaço de algo, como foi no Chile. As correntes no uatizapi, a enxurrada de mentiras nas redes sociais, a manipulação nas plataformas, a alienação em outras. Bom, isso pode ser a aparência da coisa, mas seguramente não é a essência. Como já apontou Álvaro Vieira Pinto, todas as épocas são tecnológicas e não são as tecnologias que mudam o mundo. O que move o mundo são as pessoas. A tecnologia potencializa uma ou outra coisa, mas é o sistema organizativo da sociedade, e sua ação concreta na realidade, que orienta rumos. Portanto, culpar a internet pelo resultado da vida política não tem qualquer sentido. A menos que se queira esconder os reais motivos que fazem uma sociedade caminhar para aqui ou ali. Quando, em 2018, o candidato Jair Bolsonaro começou a “bombar” nas redes, usando o artifício da mentira, grande parte da esquerda brasileira ficou surpreendida. Como pode uma pessoa acreditar na existência de uma mamadeira de piroca nas escolas? Por que acreditam que o filho do Lula é dono da Friboi ou de mansões? Como puderam cair no conto da Lava Jato? Então, no estupor do momento, a culpa foi direcionada para o fato de que as novas tecnologias agora permitirem a comunicação sem mediação. Grupos de família se comunicando, grupos de amigos, redes democráticas. Ora, é certo que essas redes potencializaram a mentira, mas seriam elas as responsáveis pela ascensão da mentira como elemento central da política? Obviamente que não. No Brasil, assim como em grande parte dos países da América Latina, já faz muito tempo que a formação da população saiu de pauta nas organizações partidárias. De uma maneira geral, os partidos de esquerda ou progressistas não trabalham mais – ou trabalham pouco – na organização de base. Isso ficou por conta dos movimentos sociais que, em função de suas pautas particulares, muitas vezes não conseguem trabalhar com a totalidade da realidade. Isso lentamente foi reduzindo a capacidade de compreensão do todo. Da mesma forma, dentro dessas organizações, não há a formação de vanguardas capacitadas para disseminar o conhecimento na base. Não é à toa que os partidos perderam credibilidade. Além disso, no campo da educação formal, a população também foi perdendo ferramentas de compreensão crítica a cada nova reforma, sempre trabalhada no sentido de barrar a apreensão da totalidade. Ensino técnico, retirada das humanidades, educação bancária. E isso não foi coisa que aconteceu do nada. Não. Teve planejamento. É a classe dominante determinando o caminho. A luta pelo socialismo é um caminho generoso que aponta uma sociedade nova, capaz de emancipar o humano em todas as suas dimensões: a mulher, o indígena, o negro, o sem-casa, o sem-teto, o ecologista e assim por diante. O particular não é negligenciado, mas o universal é o foco. E o socialismo é uma organização que está absolutamente voltada para a maioria das pessoas, ou seja, os trabalhadores, aqueles que efetivamente constroem a riqueza de um país e do mundo todo. É por isso que o socialismo e o comunismo causam tanto medo àquele 1% da população que hoje detém o controle da riqueza e dos meios de produção. Porque se vier essa sociedade, eles terão de se submeter aos que hoje eles dominam. Então, como o que vivemos é uma guerra de classes, eles – os que conformam o 1% – armam armadilhas o tempo todo visando desorganizar e desestruturar a luta pelo socialismo. Cabe aos trabalhadores conhecer o sistema e identificar as armadilhas. Sobre como nasce e como se organiza o sistema capitalista, o alemão Karl Marx já deu a dica. Ler seu livro luminoso chamado “O Capital” já abre uma infinidade de portas para a compreensão da realidade bem como para a necessidade de mudar a totalidade do processo que nos domina. Não há “empoderamento” da mulher, do indígena, do negro, do sem-terra ou qualquer outro dentro do capitalismo, sem a destruição das estruturas todas. Não há. O machismo não se acaba com decreto. A compreensão sobre o indígena também não. Muito menos o racismo. E distribuir uma terrinha aqui ou acolá também não muda a estrutura fundiária de um país. É preciso que tudo seja derrubado. Tudo ao mesmo tempo, agora. Obviamente que as demandas particulares precisam ser organizadas e lutas devem ser travadas visando as mudanças. Por isso, os movimentos sociais são fundamentais. Mas, precisa ter o horizonte da transformação geral, a revolução de tudo. Senão, não há poder. A realidade material da maioria da população é a que precisa ser o centro da atenção. Comida na mesa, para viver saudável. Educação de qualidade para compreender criticamente a realidade. Saúde preventiva e acessível a toda gente, economia do país voltada aos interesses da maioria, patrimônio público nacional e riquezas servindo aos trabalhadores. Segurança para viver feliz e em paz. Cada pessoa no Brasil ou em qualquer canto do mundo quer isso. Esses são os temas que mexem com a cabeça e o corpo. São temas que exigem radicalidade, no sentido de ir à raiz das coisas. Quando uma população vive sem saúde, sem comida na mesa, sem escola para os filhos, sem posto de saúde para suas dores, sem proteção da violência, é certo que fica vulnerável à mentira. Como um trabalhador vai estudar e compreender a realidade se ele precisa matar 300 leões para garantir um mínimo de pão? A sociedade capitalista, com sua pedagogia da sedução – se tu te esforçares, consegue – embota o sentido, engana, coopta. Ela é danada. E para combatê-la é preciso garantir aos trabalhadores instrumentos para ver a realidade. Formação, organização e um objetivo que alcance toda a gente. O poder para os trabalhadores. Feito isso, as particularidades começam a ser resolvidas e, aí sim, vem o empoderamento. Porque a palavra já diz tudo: poder. E quem tem poder é quem define o caminho. Isso não

O jornalismo no salve-se quem puder da desinformação em escala planetária

por Carlos Castilho A sensação de incerteza e desorientação que nos contamina a cada grande acontecimento midiático, se tornou, agora, um fenômeno permanente no jornalismo da era digital. Isto porque cresce a tendência ao uso das ferramentas de desinformação para obter prestígio e seguidores num mercado informativo onde a visibilidade pública é condição básica para a sobrevivência profissional e pessoal. Governantes, políticos, empresários e personalidades públicas são os principais usuários das técnicas de formatação de dados visando destacar os aspectos que mais lhes interessam ou beneficiam na hora de divulgar uma notícia, dado ou evento. Mas as pessoas comuns também fazem a mesma coisa, a maioria de forma inconsciente, porque as omissões, distorções e descontextualização de notícias já foram incorporadas ao nosso cotidiano. Mas depois do surgimento da internet, o fluxo de informações cresceu tanto que as consequências da desinformação começaram a se tornar potencialmente catastróficas, especialmente depois do fenômeno das notícias falsas (fake news). A generalização do recurso às chamadas meias verdades complicou extraordinariamente o processamento de produção de notícias pelos jornalistas, que, em teoria, têm como obrigação profissional separar o joio do trigo na complicada arena da informação. Quando a imprensa percebeu que a desconfiança crescente de leitores, telespectadores e internautas poderia minar o negócio da venda de notícias, ela reagiu de duas maneiras: apostando em sistemas eletrônicos de verificação de credibilidade e autenticidade das informações, ao mesmo tempo que intensificou o lobby a favor da regulamentação da internet, por meio de normas para preservar o controle das empresas sobre as notícias que circulam nas redes sociais. A grande imprensa elegeu a rede Facebook como o principal alvo em seu esforço para levar os leitores, ouvintes, telespectadores e internautas a acreditarem que é possível acabar com as fake news. Nada menos que 150 projetos de checagem de informações (fact checking) foram criados em 53 países diferentes financiados por grandes fundações, organizações não governamentais e entidades ligadas aos conglomerados jornalísticos privados. Todos os grandes jornais do mundo têm algum tipo de software ou grupo de profissionais para fazer a checagem de dados, fatos e eventos. No início de fevereiro, o Institute of Law and High Technology, da Universidade Santa Clara, na Califórnia, Estados Unidos, reuniu especialistas acadêmicos em ética, direito e computação, dirigentes de sete grandes empresas de tecnologia, jornalistas dos principais jornais norte-americanos, pesquisadores autônomos e congressistas dos Estados Unidos, com o propósito de tentar, por todos os meios, chegar a propostas mínimas para enfrentar a desinformação em escala planetária. A síndrome da indiferença informativa Mas apesar do esforço em difundir a ideia de que é possível controlar a disseminação de fake news, os especialistas em segurança informativa garantem que se pode reduzir a incidência de notícias falsas, mas que é impossível eliminá-las totalmente. A possibilidade de que tenhamos de conviver com a insegurança informativa por um longo tempo gerou exasperação entre os estudiosos da mídia, como a inglesa Emily Bell, fundadora e diretora do Tow Center for Digital Journalism, da Universidade Columbia, de Nova Iorque. Ela escreveu um artigo onde expressava sua angústia já no título: “Como poderemos regular o selvagem mercado de mensagens instantâneas?” O público, que precisa de informações para sobreviver nesta selva informativa, não tem a quem recorrer e começa a apelar para a apatia noticiosa. Mas ninguém assume a responsabilidade de dizer às pessoas que não há inocentes e nem ingênuos no vale-tudo diário pelo acesso aos corações e mentes das audiências. Os que não aderiram ao niilismo noticioso tentam se proteger da incômoda sensação de vulnerabilidade refugiando-se em guetos informativos onde acabam contagiados pela xenofobia, radicalismo e extremismos. No meio de tudo isto, ressurge o velho recurso à regulamentação da atividade informativa na internet, em especial nas redes sociais. No Congresso Nacional, em Brasília, há pelos menos 20 projetos prevendo leis mais draconianas e punições mais duras para quem for considerado autor e disseminador de notícias falsas, distorcidas ou intencionalmente descontextualizadas. Propor e votar a favor é fácil em comparação aos problemas que surgirão na aplicação de uma eventual regulamentação. A complexidade das notícias online vai exigir uma não menos complexa interpretação legal, sem falar que provavelmente haverá uma avalanche de processos, tendo em vista o volume de informações digitalizadas diariamente. Para dar um exemplo das dimensões do problema da desinformação, minutos após o tiroteio numa escola da cidade de Parkland, na Florida, que deixou 17 alunos e professores mortos, as redes sociais já estavam atulhadas de mensagens com notícias falsas ou distorcidas sobre o massacre. E não eram só pessoas revoltadas. As “fábricas” de fake news localizadas em países do Leste europeu exploraram o caso para aumentar a polarização entre políticos e eleitores norte-americanos usando a polêmica questão da livre compra de armas pesadas nos Estados Unidos. Quase todos os protagonistas do jogo da desinformação têm seus interesses próprios e tratam de defendê-los a todo custo, nem que seja recorrendo à mesma desinformação. O grande órfão em tudo isto é o público que teoricamente, deveria ter a imprensa e a universidade como parceiros. Acontece que nem um e nem o outro assumiram, até agora, a espinhosa missão de dizer a leitores, telespectadores e internautas que não há saída fácil para o problema e que a solução só virá quando cada cidadão se encarregar de verificar os dados e notícias que repassa para seus amigos, parceiros e parentes. Para ler outros textos de Carlos Castilho, clique aqui. Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre