Zona Curva

fome no brasil

Fome per capita do Brasil e Jonathan Swift

Mas a média per capita jamais explicará por que se temos dois frangos para dois homens, portanto, a média de 1 para cada homem, um deles pode comer dois frangos, enquanto o outro apenas saliva Fome Brasil – O estímulo para esta coluna veio da notícia da Folha de São Paulo: “Produção de comida per capita sobe no país, mas fome avança mesmo na fartura”. Parece mais um dos paradoxos sociais que a matemática não explica. Ora, se temos mais comida no país, o natural seria menos fome para o povo. Mas a média per capita jamais explicará por que se temos dois frangos para dois homens, portanto, a média de 1 para cada homem, um deles pode comer dois frangos, enquanto o outro apenas saliva. Assim é no mundo capitalista. Mas os economistas ao modo de Guedes, ou os fascistas à moda Bolsonaro, fazem de conta que de nada sabem. E gargalham. Podem até dizer, “lá vêm esses comunistas com mania de distribuição de riqueza…”. E depois, quem sabe se os necessitados de comida não ganhem uma imunidade de rebanho, isto é, depois de multidões morrerem, os sobreviventes se acostumem ao regime de ossos e lixo. Claro, até onde houver carniça para todos miseráveis. Em segundo lugar, o título acima gera outro paradoxo: para haver divisão de coisas por cabeça, é preciso que haja um número de coisas para a divisão. E como vamos medir o que não se mede, mas apenas se sente como uma atração animal, primária, fundamental? Ninguém pode falar, “no tempo em que eu tinha fome 90 ou fome 100”. Mas bem podemos falar em números para a fome, quando medimos as desgraças associadas a ela. Falemos, portanto, em desnutrição ou mortalidade infantil. Falemos em números de pelagra, de tuberculose, de raquitismo. Ai teremos tristes números para contar. Ainda assim, que estranho, os economistas não falem em “raquitismo per capita”, ou em destruição de pessoas por cabeça. O que, para os economistas de salão, de Posto Shell, faz sentido. Diabo de falar de miséria da gentalha, rá-rá-rá-rá. Então vamos à razão do nome destas linhas. O Swift lá de cima não é a carne enlatada Swift, apesar da vinculação à carne impossível nos dias de hoje. O título no alto se refere ao imortal escritor Jonathan Swift, que tem sofrido, à semelhança de outros grandes autores satíricos, um amaciamento, uma domesticação póstuma como escritor para crianças. Ele é, para a maioria do mundo, o autor de As Viagens de Gulliver, um livro que se tornou cômico, engraçado, fantasioso, sobre os anõezinhos de Lillipute. Ora, esse livro recontado para crianças e adolescentes (e todo inferno do mundo existe para os clássicos “recontados”, infantilizados) é, em si, no original, uma sátira à sociedade inglesa e a todas as sociedades. O livro fala, por exemplo, da cobrança de impostos sobre os vícios e desvarios, mas recomenda que o bom senso e a boa índole não deveriam ser taxados, porque não valeriam o custo da arrecadação. E agora atingimos o cerne de Swift e da fome do povo brasileiro. O gênio do escritor irlandês possui uma das mais ferozes sátiras contra a degradação e miséria do povo em qualquer parte do mundo. Mas como se falasse somente para os pobres da Irlanda, em “Uma Modesta Proposta” ele sugere, com o ar mais sério, o que seria uma bela fórmula para reduzir a pobreza, O caso não é de vômito, é de verdade crua contra o sistema que mata ou fere a dignidade dos pobres. No texto, fala a santa ira de Swift: “É motivo de melancolia para aqueles que passeiam por esta grande cidade, ou que viajam pelo campo, verem nas ruas, nas estradas, e às portas das barracas, uma multidão de pedintes do sexo feminino, seguidas por três, quatro, ou seis crianças, todas em farrapos, a importunarem cada passante pedindo esmola.   Foi-me garantido por um muito sábio americano do meu conhecimento, em Londres, que uma criança jovem e saudável, bem alimentada, com um ano de idade, é do mais delicioso, o alimento mais nutriente e completo – seja estufada, grelhada, assada, ou cozida. E não tenho qualquer dúvida de que poderá igualmente ser servida de fricassé ou num ragu. Uma criança dará duas doses numa festa de amigos; e se for a família a jantar sozinha, os quartos da frente, ou de trás, proporcionarão um prato razoável. Se temperada com um pouco de sal ou pimenta e cozida, estará ainda bem conservada no quarto dia, especialmente no Inverno. Fiz as contas e, em média, um recém-nascido pesará 12 libras e, se aceitavelmente tratado, durante um ano solar aumentará para 28 libras. Concedo que esta comida venha a ser de certo modo cara e, portanto, estará muito adequada aos senhores – e dado que estes já devoraram a maior parte dos pais, poderão ter direito de preferência sobre os filhos. Também já calculei as despesas para alimentar cada filho dos pedintes (em cuja lista incluo todos os que vivem em barracas, trabalhadores rurais, e quatro-quintos dos lavradores) que será de cerca de dois xelins por ano, trapos incluídos. E creio que não incomodará nenhum cavalheiro pagar dez xelins por uma boa carcaça de criança gorda, a qual, como já disse, dará quatro pratos de carne, excelente e nutritiva, quando tiver apenas um amigo particular ou a sua própria família a jantar consigo. Assim o proprietário rural aprenderá a ser um bom senhor, aumentando a sua popularidade entre os seus rendeiros; a mãe terá uns oito xelins de lucro líquido e estará apta a trabalhar até produzir outra criança. Quanto à nossa cidade de Dublin, podem destinar-se a este propósito as secções mais convenientes, e os talhantes podem ficar descansados que não terão falta de clientela. Embora eu antes recomende que se comprem as crianças vivas, e sejam temperadas ainda quentes da faca, como o fazemos com os porcos. Os procriadores constantes, além do ganho de oito xelins esterlinos por ano pela venda de cada filho, ficarão livres

Governo Bolsonaro agrava o fosso da desigualdade

Desigualdade social – O compromisso do governo federal com o 1% dos brasileiros mais ricos e o desprezo pela vida intensificaram nosso crônico problema da desigualdade social. Levantamento publicado no ano passado pelo banco suíço UBS mostra que o aumento da riqueza acumulada por bilionários foi de 99%, em comparação com 2009. A desigualdade se reflete no prato vazio do brasileiro. Segundo o estudo “Efeitos da Pandemia na Alimentação e na Situação da Segurança Alimentar no Brasil”, coordenado por pesquisadores da Universidade Livre de Berlim e colaboração da Universidade Federal de Minas Gerais e Universidade de Brasília, cerca de 59% da população brasileira vive em situação de insegurança alimentar. Esse termo abrange desde casos de fome extrema até insuficiência nutricional, causadas pelo baixo poder de compra. A extinção do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) e do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, ambos em 2019, demonstra a falta de compromisso do governo Bolsonaro com os mais pobres. Com o aumento dos preços de itens básicos do dia a dia, a população mais carente enfrenta, todos os dias, dificuldade para manter o padrão de vida conquistado no governo Lula. Os gastos com os combustíveis estão pesando ainda mais no bolso do brasileiro durante a pandemia. De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), só em 2021, houve nove aumentos no preço da gasolina, com acúmulo de 27% no preço de janeiro a julho. Em algumas regiões do país, o litro já ultrapassou R$7,00. Em recente live, o presidente Jair Bolsonaro relacionou os aumentos ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), mas, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo), o valor administrado pelos estados se manteve na média dos últimos anos, não contribuindo significativamente para alteração do valor dos combustíveis. Além do preço da comida e da gasolina, outra conta aumentou e tem preocupado grande parte dos brasileiros: a da energia elétrica. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) definiu o novo valor da tarifa extra que será cobrada. A bandeira vermelha, que definia R$9,49 a cada 100KWh, chegará a R$14,20 a partir desse mês. Esse aumento, segundo a Agência, está relacionado à crise hídrica que acomete o país. O vice-presidente Hamilton Mourão declarou que medidas de racionamento estão sendo cogitadas. Um estudo feito pela organização Oxfam Brasil mostrou que, em 2018, a distribuição de renda estacionou pela primeira vez no país desde 2000. A grave crise econômica que estamos mergulhados desde 2015 atinge os brasileiros de diferentes formas, conforme o gênero, a cor e a classe social. Segundo o estudo, entre 2016 e 2017, os brancos mais ricos tiveram ganhos de rendimentos de 17,35%, enquanto os negros obtiveram menos que a metade, apenas 8,1%. De acordo com o pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Pedro Herculano de Souza, a concentração de renda no topo da pirâmide é quase constante, e as pioras mais profundas no grau de desigualdade econômica acontecem em momentos de graves crises. A crise sanitária e a inação do governo federal estão proporcionando o aumento da inflação que não foi acompanhado por um proporcional reajuste no valor do salário-mínimo. Só em julho, por exemplo, o IPCA mostrou que a inflação teve seu maior avanço no mês desde 2002, chegando a 0,96%. Desde o ano passado, mais 67,7 milhões de brasileiros buscam se manter com o auxílio emergencial, enquanto isso, cerca de 42 pessoas lucraram mais que todo o valor destinado à população em maior situação de vulnerabilidade econômica no país durante a pandemia de Covid-19, segundo o relatório “Quem Paga a Conta? – Taxar a Riqueza para Enfrentar a Crise da Covid na América Latina e Caribe”, da Oxfam. Souza identifica três períodos de agravamento da desigualdade do país: o fim da República Velha e o Estado Novo (em primeiro), entre 1926 e 1945, o início da ditadura de 1964, e a crise econômica e política dos anos 1980, período marcado pela hiperinflação. Conforme a análise de Souza, entre 1942 e 1943, o 1% mais rico da população pulou de 20% para 30% da arrecadação de toda a renda nacional. Isso ocorreu principalmente porque a elite pouco se opôs ao governo autoritário de Getúlio Vargas, ampliando seus privilégios durante o regime vigente. Dessa forma, houve maior enriquecimento dos que se encontravam no topo da pirâmide, enquanto a população mais pobre perdia direitos e vivia em condições ainda mais difíceis. Ainda segundo o pesquisador, durante a ditadura militar (1964-1985), foi rompida a tendência de queda na concentração de renda que estava acontecendo nas duas décadas anteriores. Norte e Nordeste voltam a ser esquecidos no faminto Brasil de Bolsonaro Essa evolução na distribuição que estava em curso foi fruto de políticas como a do aumento do salário-mínimo em 100%, proposta pelo então ministro João Goulart, em 1953 (leia mais sobre o mandato de Jango como ministro de Vargas no texto de Fernando do Valle aqui no Zonacurva). Com condições trabalhistas mais favoráveis, os proletários passaram a viver um momento de maior participação econômica, o que diminuiu o déficit em relação aos mais ricos. Já nos primeiros anos da segunda metade da década de 1960, o 1% mais rico da população passou de 17% a 26% no acúmulo de renda nacional. Esse aumento é consequência de uma das medidas econômicas vigentes no período: a redução de 30% no valor do salário mínimo. Essa diminuição deixou a classe trabalhadora em situação desfavorável, deixando-os mais pobres e impedindo a evolução da distribuição de renda. Além disso, a repressão a sindicatos e atividades de mobilização popular impossibilitou a classe mais pobre de reivindicar seus próprios direitos e lutar por melhoria na qualidade de vida. Depois disso, no período de transição democrática dos anos 1980, que ficou conhecido como “década perdida”, 30% da renda nacional ficou concentrada no 1% mais rico do país. Uma pesquisa mostrada no artigo “A history of inequality: Top incomes in Brazil, 1926–2015”, publicada pelo pesquisador Pedro Herculano Souza, compara a concentração de renda do topo da pirâmide socioeconômica,

Fome, outra pandemia

Fome no Brasil – Como frisa o jornalista Luís Nassif, a história ainda haverá de fazer justiça a Paulo Guedes e entronizá-lo como o pior ministro da Economia da história. Ao não impedir a dolarização dos preços de commodities – especialmente, alimentos e combustíveis – isso impactou os preços ao produtor e o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA), que serve de parâmetro para fixar a taxa básica de juros. Ao não atuar sobre o mercado de câmbio, impor taxas de exportação e não obrigar a Petrobras a usar como referencial de preços os custos de prospecção, o preço dos alimentos sobe vertiginosamente e a fome volta aos lares dos mais pobres. Em Cuiabá, a TV mostrou filas para comprar arroz e feijão, quebrados, ingredientes que costumam ser destinados à ração animal, além de filas em um açougue que doava ossos de boi. Algumas pessoas avançavam sobre a oferta e, ali mesmo, levavam à boca muxibas de carne crua. Detalhe: Mato Grosso tem o maior rebanho bovino brasileiro, com 31,7 milhões de cabeças. “Até o ano passado , vinham em busca da doação cerca de 30 a 40 pessoas. Atualmente, às vezes há mais de 200 na porta. O fato é que o número aumentou dessa forma devido à fome. Nós doamos alguns ossinhos, o que não é muita coisa, mas fazem muita diferença no dia-a-dia deles”, disse o açougueiro. O governo Bolsonaro aboliu as políticas públicas de segurança alimentar, desarticulou a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Ao genocídio da pandemia soma-se o do prato vazio. Embora aumentem a inflação, os preços dos itens da cesta básica e, portanto, a fome, o governo só dá atenção ao agronegócio, cujas exportações batem recordes em plena pandemia. De janeiro a abril deste ano, a exportação de soja passou de 33 milhões de toneladas, superando o índice recorde de 31,9 milhões de toneladas registrado no mesmo período de 2020. A exportação de milho teve alta de 1.854% em abril de 2021. O arroz também atingiu os melhores índices de exportação nos últimos dez anos. As empresas do agronegócio faturam bastante nesse período de pandemia. A JBS, dona da Friboi e uma das maiores processadoras de proteína animal do mundo, encerrou o último trimestre de 2020 com lucro líquido de R$ 4 bilhões, o que representa crescimento de 65% em relação ao mesmo período de 2019. A BRF, controladora das marcas Sadia e Perdigão, anunciou lucro líquido anual de R$ 1,4 bilhão, o que significa uma elevação de 14,6% em relação ao ano de 2019. A estadunidense Bunge, com várias operações no território brasileiro, anunciou lucro líquido de 551 milhões de dólares no quarto trimestre de 2020, e triplicou seus ganhos no primeiro trimestre de 2021. Enquanto o governo federal continuar refém do agronegócio, do latifúndio e das mineradoras, os seres humanos estarão tentando obter ração animal para consumo, e veremos ampliadas as filas de distribuição de carcaças de gado. O Brasil é mesmo o país dos contrastes. Nosso povo é conhecido como pacífico e, no entanto, ocorrem 60 mil assassinatos por ano. O país é tido como celeiro do mundo e, no entanto, temos 19 milhões de pessoas com fome crônica e 50 milhões em insegurança alimentar. Figuramos entre as dez maiores economias do mundo, mas 105 milhões ganham menos de um salário mínimo por mês e 40 milhões vivem na miséria (68 milhões de brasileiros recorreram ao auxílio emergencial do governo federal). O Brasil precisaria modificar seu modelo de produção agrícola. Enquanto grandes extensões de terra são reservadas à produção de commodities, o país importa cada vez mais leite, arroz, óleo e outros produtos básicos. E a cana é destinada a fabricar etanol. “Em um dos estados mais ricos do agronegócio, as pessoas formam filas para receber ossos. Em um programa, a dona do açougue se disse que fica escandalizada quando vê algumas pessoas roendo os ossos. E isso em um dos estados mais pujantes, que se orgulha da força da economia que está associada a esse modelo de produção”, disse o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, coordenador-adjunto do Fórum Gaúcho contra os Impactos dos Agrotóxicos. No entanto, segundo a Embrapa, o Brasil alimenta 800 milhões de pessoas em todo o mundo, via exportações, incluída a população de nosso país. Ao lado da China, dos EUA e da Índia, somos o celeiro do mundo. Contudo, suas portas estão fechadas para metade dos 212 milhões de brasileiros, as panelas estão vazias e, nas cidades, as latas de lixo são reviradas por seres humanos em busca de aplacar a fome. E há quem diga que o nosso povo é cristão, generoso e solidário. O nosso povo é reflexo da elite que nos governa, ganancioso, competitivo, racista, indiferente aos excluídos. Até quando? Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Fome per capita do Brasil e Jonathan Swift

Um bilhão de famintos no mundo

por Elaine Tavares Na última semana, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) divulgou os números da fome no mundo. Quase um bilhão de famintos (821 milhões). E isso considerando os países que dispõem de dados, o que significa que o número pode ser maior. Só no continente africano estão 256 milhões de pessoas passando fome.  Na América Latina, aonde os números haviam diminuído, a fome voltou a crescer, afetando 32 milhões de pessoas.  Fazendo as contas é possível perceber que aproximadamente uma em cada nove pessoas no planeta está nesse momento passando fome. E não é aquela fome que dá quando ficamos um período sem comer. É a fome estrutural, a que mata horrivelmente, e mata mais do que qualquer outra enfermidade no mundo. A FAO reconhece que as guerras, os conflitos armados (60% dos famintos estão em zona de guerra) são causas importantes para o drama da fome, assim como também as mudanças climáticas que acabam afetando bem mais os empobrecidos. Mas, também aponta que essas emergências bélicas e climáticas, apesar de influírem no mapa da fome, não são as causas principais.  A fome da maioria dessas pessoas é estrutural, ou seja, são gerações e gerações vivendo sem alimentação adequada ou se alimentando muito pouco. Porque faz parte da organização do modo de produção capitalista que para que poucos tenham muito, a maioria seja despojada de tudo.  Parece irracional que quase um bilhão de pessoas esteja vivenciando o horror da fome num mundo que produz tanta comida, cujas cifras poderiam alimentar quase 13 bilhões de seres humanos tranquilamente (o dobro do número de pessoas que existe). Num mundo onde o desperdício de comida é imenso.  Mas, o que acontece é que como bem apontava Marx, a lógica do capital é manter os trabalhadores num estado limite entre a possibilidade de produzir valor e a morte. Nem ganhando tanto que possam achar que não precisam trabalhar, nem tão pouco que não sobrevivam. É da natureza do capital manter os trabalhadores nesse estado de letargia, típico da fome. Uma olhada sobre o nosso território brasileiro e vamos ver que a produção maior de grãos não é para comer. Serão 232 milhões de toneladas esse ano, a segunda maior produção de toda a história. Mas, é uma produção que serve para exportação e vai alimentar vacas e porcos em outros países.  O jornalista argentino Martín Caparros, autor do livro “A Fome”, escrevendo sobre os números da fome lembra que no seu país, Argentina, a produção atual de alimentos poderia sustentar 300 milhões de pessoas, mas mesmo lá existem dois milhões de famintos com tendência a aumentar esse número. Ele mostra uma conta muito simples: para produzir um quilo de carne são necessários dez quilos de cereais. Então, o produtor de grãos tem duas opções. Ou vende um quilo de cereal para dez famílias ou vende os dez quilos, a um preço bem melhor, para um fazendeiro criador de gado. No geral, a escolha é pelo gado e não pelas gentes. Ele lembra também do caso de Níger, um país africano considerado um dos mais pobres do mundo e com séculos de fome estrutural. Lá, os campos são secos e tudo é pobre, o que pode parecer que não há saída. Mas, esse mesmo país é o segundo produtor mundial de urânio, mineral estratégico e caro. Imaginem o que não seria possível fazer com os recursos do urânio? Mas, se a riqueza entra no país, ela não chega às pessoas em geral. Fica em algum bolso.  Assim que a fome não tem nada a ver com falta de comida, mas sim como o sistema capitalista se organiza. No Brasil, por exemplo, ainda são contabilizadas 7 milhões de pessoas no mapa da fome (IBGE), o mesmo país que desperdiça 14 mil toneladas de alimentos por ano, estando entre os dez mais em desperdício no mundo. Mas, esses terríveis números, divulgados todos os anos pela FAO, caem no vazio. Porque a notícia é dada nos telejornais como uma nota ritualística. Um bilhão de pessoas passam fome no mundo. E ponto. Não dizem por quê. E quem ouve, se impressiona naquele momento, mas logo já esquece, envolvida com outra notícia bombástica, como a separação de uma celebridade, ou outra coisa qualquer. Esse um bilhão de pessoas famintas não tem rosto, não tem nome, não tem CPF nem endereço, não provoca qualquer empatia. Quando muito uma lágrima rápida diante de uma foto impactante de um menino morrendo, e sendo velado por um urubu. Mas, poucos são aqueles que procuram saber os porquês. O que afinal se passa no mundo, se há tanta comida sendo produzida? Que sistema é esse no qual para que poucos vivam à larga, milhões tenham de morrer? A fome no mundo é a falência de nossa espécie. Uma pessoa em cada nove está morrendo agora, essa morte lenta, dolorosa, marcada pelo horror. E para essa gente não basta que doemos o nosso quilo de arroz, em musculação de consciência. Ajudá-las é mudar o sistema. Mudar o modo de organização da vida.  Sem isso, seremos sempre cúmplices dessa dor. Governo Bolsonaro agrava o fosso da desigualdade