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A TV pode ter sido decisiva no fracasso do golpe bolsonarista dia 8

O golpe de estado de extrema direita previsto para o domingo dia 8 de janeiro pode ter sido abortado por algo que não estava nos cálculos dos conspiradores: o papel das redes de televisão com a transmissão ao vivo a invasão da Praça dos Três Poderes e a posterior depredação da sede do Supremo Tribunal Federal, do Congresso e do Palácio do Planalto. Tudo indica que o ataque aos três prédios públicos mais importantes do país visava criar o caos político e com isto justificar uma intervenção militar a pretexto de restabelecer a ordem. Mas o objetivo acabou frustrado quando milhões de brasileiros testemunharam ao vivo, pela TV, a irracionalidade da ação dos bolsonaristas de extrema direita, que rapidamente perderam eventuais simpatias de quem assistia tudo à distância. A participação da televisão no desfecho dos acontecimentos ainda é um tema que merece maior detalhamento para identificar se foi algo pensado politicamente ou foi fruto do entusiasmo jornalístico em testemunhar cenas que a maioria das pessoas achavam improváveis de acontecer. O fato é que a TV Globo, por exemplo, ao interromper sua programação normal no canal aberto tomou uma decisão que além de política tinha também desdobramentos comerciais, porque os espaços publicitários foram adiados por várias horas. Outra decisão crucial foi a de formar uma rede entre o canal aberto e o fechado (Globo News) para aumentar a audiência. A emissora também convocou quase todos os seus jornalistas especializados em política para incorporar-se à cobertura, contactando fontes nos diversos níveis do aparato governamental, para explicar e complementar o que estava sendo mostrado ao vivo. Simbolismos políticos A TV Globo também tomou uma decisão carregada de simbolismo político de instruir repórteres, apresentadores e comentaristas para que eles tratassem como terroristas, golpistas e vândalos os participantes da invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília. Este é o tipo de classificação que só pode ter sido decidida nos mais altos escalões da empresa pois as redações nunca tiveram a autonomia suficiente para acrescentar adjetivos à protagonistas de eventos políticos. Outras emissoras também adotaram o mesmo enfoque dos participantes da tentativa de golpe de estado com gradações e adjetivos diferentes, como foi o caso da CNN e da Bandeirantes. As exceções foram a SBT, Record e Jovem Pan que mantiveram sua orientação bolsonarista e rotularam a depredação como um protesto e seus autores como manifestantes, seguidores do ex-presidente, derrotado nas eleições presidenciais de outubro do ano passado. Caso estudos mais aprofundados venham a comprovar esta hipótese sobre a influência da transmissão ao vivo pela TV e do posicionamento das emissoras no tratamento dos participantes do ataque a prédios públicos em Brasília, no dia 8, estaremos diante de um caso inédito em que a comunicação e o jornalismo podem ter evitado um golpe de estado usando a informação visual como arma principal. O possível papel estratégico do audiovisual sinaliza uma mudança nos comportamentos políticos uma vez que a imagem, em tempo real, apela mais às emoções do que à reflexão. Até agora a imprensa escrita tinha um papel predominante porque os principais atores políticos priorizavam a racionalidade e a lógica nas ações de grande envergadura. Já se sabia que uma imagem apela mais para o emocional do que para o racional, mais para os impactos informativos do que para a reflexão analítica. Mas o que a cobertura televisiva dos eventos de domingo, 8 de janeiro, pode estar nos mostrando é a importância de entender como imagens impactantes sobre questões complexas podem acabar gerando mudanças de percepções individuais e coletivas em tempo curtíssima, sem o recurso a reflexão analítica. As armadilhas políticas das fake news O ecossistema informativo nacional no governo Lula Resumo da ópera golpista no Brasil

Resumo da ópera golpista no Brasil

Golpe Brasil – Nunca uma ação terrorista foi tão anunciada como a que aconteceu neste domingo em Brasília. Desde há semanas, as redes bolsonaristas mostravam a organização da marcha até a capital federal com o intuito de tomar o Congresso, o STF e o Planalto. Vídeos, material de propaganda, lives, tudo circulando sem qualquer pejo. Os acampamentos em frente aos quartéis serviram como incubadoras de todo o furdúncio. Foi uma grande ingenuidade pensar que ali estavam apenas os velhos e as tias do uatizapi. Quem acompanha as redes sabe que desde o resultado das eleições, a extrema direita está organizando esse povo e preparando a estrada do golpe. Não é um movimento espontâneo. Tudo muito bem articulado e financiado. Mais de 100 ônibus chegaram à Brasília em tempo recorde. Milhares de pessoas uniformizadas com a camisa da seleção foram organizadas e conduzidas pela Polícia Militar de Brasília para a Esplanada dos Ministérios no que eles chamaram de “Greve Geral”. Apesar do pedido de reforço da segurança do Congresso e do STF, que pressentiu o perigo, o governo do Distrito Federal não mobilizou as tropas para a proteção do patrimônio público e, apesar dos bolsonaristas não serem muito numerosos, em pouco tempo, eles tomaram os três principais pontos da capital numa ação rápida e sem qualquer bloqueio. Havia pouquíssimos policiais acompanhando a caminhada e as seguranças locais não tiveram como segurar a turba que quebrou as vidraças, entrou nos locais e promoveu uma destruição insana. Gente defecou sobre as mesas, obras de arte foram danificadas e até portas foram arrancadas. A invasão durou horas, sem que o governador do DF tomasse qualquer atitude, portanto, ficou absolutamente claro que a ação foi permitida. Basta lembrar que, em outros momentos da história, com muito mais gente na Esplanada, o contingente de segurança sempre foi grande e a repressão duríssima. Desta vez, não. Os bolsonaristas chegaram a atacar policiais e jogaram dentro do espelho de água os carros da segurança do Congresso. Uma festa. Bolsonaro e o Secretário de Segurança do DF acompanharam tudo de Orlando, juntos. É importante ressaltar que não houve incompetência. Foi uma inação deliberada, preparada, planejada. Por outro lado, o governo federal também foi incompetente em não definir um plano de defesa para esse dia. Deixar na mão do inimigo foi um erro. Havia quer tido um plano B. Depois de toda a destruição feita, a polícia chegou e foi dispersando os bolsonaristas. Até agora 300 pessoas foram presas. Há informes de que os financiadores do ônibus já foram identificados, mas nenhum foi preso. Há focos de atos terroristas em frente a algumas refinarias no Paraná e em outros lugares do país há trancamento de vias, inclusive a Marginal Tietê, uma das principais vias de São Paulo, sem que a polícia tome qualquer atitude. Há também um chamamento para os caminhoneiros pararem o país. A organização segue firme e sistemática, sem que os incitadores do golpe sejam cerceados. Divulgadores de mentiras e incitadores do caos seguem transmitindo sem problemas. O ministro Alexandre de Moraes ordenou o desmonte dos acampamentos bolsonaristas em todo o país. Em Brasília, os acampados estão saindo tranquilamente com suas malas e travesseiros, dando risada e sem qualquer intimidação. Os mesmos que ontem destruíram o Congresso, o STF e o Planalto. A Polícia apenas acompanha, quando não interage de maneira simpática. Algo impensável numa manifestação de trabalhadores, por exemplo. Também o Exército, em Brasília, protege os acampados com carros blindados. Agora, no rescaldo da ação terrorista é que vai ser possível ver de que material é feito o governo eleito. Vai atuar com energia contra os terroristas? Vai atacar os peixes graúdos? Sim, porque essa turba está sendo financiada e organizada por gente grande. A mão da justiça chegará neles? O que fará com relação as Forças Armadas? Continuará deixando o caso nas mãos do STF? O que aconteceu neste domingo é um entre tantos eventos que vem se repetindo desde o golpe contra a Dilma em 2016. Como Lula vai enfrentar o núcleo desta trama que são as Forças Armadas? Este é o ponto central, como alerta o professor Nildo Ouriques. Segundo ele, há que colocar na reserva todos os generais que conspiram, à luz do dia, contra o país. Movimentos sociais e partidos de esquerda foram às ruas ontem (segunda-feira) em todo o país em defesa da democracia.   O universo paralelo do fanatismo bolsonarista   A TV pode ter sido decisiva no fracasso do golpe bolsonarista dia 8   Vamos falar de golpe?    

Ainda falta o terceiro turno

A campanha bolsonarista foi abertamente criminosa. Perdeu, mas ficou impune. E seguiu naturalizando esse privilégio, nos posteriores deboches à norma constitucional. Como previsto, a sucessão de golpes que pariu o governo Bolsonaro tornou-o tão ilegítimo que o deslocou para fora do regime da legalidade. Assim termina o mandato. Talvez (ainda) não haja muito a fazer na seara governamental, pois o Congresso aliou-se ao banditismo. Individualmente, porém, a história é bem outra. O caminhoneiro que expõe crianças, o policial prevaricador, o líder dos piquetes, o jurista mentiroso, a deputada pistoleira, todos podem e devem ter punição imediata. Não há controvérsias, brechas legais ou direitos a preservar. São criminosos notórios, em atividades documentadas, de ampla repercussão pública. Assim como os hábitos ilícitos durante a Campanha de Bolsonaro e todo seu governo, o vandalismo fascista aproveita a cumplicidade e a omissão das cúpulas judiciárias. A anistia é um projeto institucional. Ou acreditamos realmente que nossos heróis togados não conseguem identificar os organizadores dos ataques? Que não têm prerrogativa para meter nazistas na cadeia? Um ano atrás alertei que as autoridades atiçavam o golpismo fingindo combatê-lo. Agora fingem surpresa diante dos ataques mais previsíveis do universo. Não basta liberar estradas, recolher pistolas, abrir sindicâncias, bloquear contas digitais. Não estamos lidando com ameaças ou tentativas, e sim com delitos flagrantes. Perdoar delinquentes é o exato oposto da pacificação. É um desatino incendiário que alimenta a instabilidade social e convida o golpismo a alargar seus limites. Enquanto nos contentamos em tirar bodes da sala, os facínoras ganham adeptos e melhoram sua organização. Hoje voltam para casa. Amanhã saem armados. E depois? Sem uma ação imediata e rigorosa do Judiciário, a posse de Lula ocorrerá no meio de batalhas campais. E ele presidirá um país à beira da guerra civil. A esquerda otimista ri dos patetas, mas continua com medo de sair à rua usando roupa vermelha. Sonha com a Bolívia de Arce e periga despertar no Chile de Allende. O que falta é pressão de democratas corajosos. Menos chororô perplexo e mais atitude efetiva. As instituições precisam responder para quem, afinal, estão funcionando. Vai ter golpe? Pós-democracia La vai o Brasil descendo a ladeira

Bolsonaro contra o Brasil

A Human Rights Watch publicou um relatório sobre os principais acontecimentos do governo Bolsonaro em 2021, entre eles, figuram a má gestão do Brasil na pandemia e os ataques aos jornalistas e à liberdade de expressão Desde o início do governo Bolsonaro, temos enfrentado diversos problemas, e o maior deles é justamente quem deveria liderar a nação e agir contra as mazelas brasileiras. Além dos absurdos recorrentes do presidente como o apoio à ditadura militar e o constante ataque às minorias, o genocídio de milhares de brasileiros pelo governo federal, que deliberadamente trabalhou a favor do coronavírus, coloca Bolsonaro e seus asseclas como réus de crime histórico. Mais do que nunca, o país precisou e precisa de um líder que lute ao lado dos brasileiros contra a pandemia, o presidente relativizou a vida de todos, inclusive de seus apoiadores. Em março de 2020, no início dos casos de Covid-19 no Brasil, Bolsonaro participou e apoiou um ato pró-governo e contra o STF, que conduz investigações contra ele, inclusive sobre interferências  em nomeações na Polícia Federal, segundo relatório da Human Rights Watch Depois do árduo ano de 2020, o relatório da ONG aponta que quando o medo e a instabilidade financeira pairaram sobre a casa de quase todos os brasileiros, surge a esperança de uma vacinação ampla, que pudesse fazer jus ao reconhecimento internacional do Brasil no quesito imunização. Mas também foi o que não aconteceu, além do país iniciar a campanha de vacinação depois de diversas outras nações do mundo, ainda foi descoberto que o presidente não respondeu a dezenas de e-mails da Pfizer, uma das principais produtoras dos imunizantes contra a Covid 19. O epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (RS), afirma à BBC News Brasil que 95 mil vidas poderiam ter sido salvas caso Bolsonaro tivesse respondido aos e-mails da Pfizer.  O descaso e a negligência com a vida dos brasileiros se tornou mais nítida do que nunca, e então o vírus que assolava o mundo ganhou um aliado no presidente brasileiro, situação completamente absurda. Além disso, ainda informa o relatório, Bolsonaro ameaçou pilares importantes da democracia brasileira. Atacou e tentou intimidar o Supremo Tribunal Federal, chegou a pedir o impeachment de um dos ministros do STF, Alexandre de Moraes, e alegou que não acataria as ordens do judiciário. O presidente ainda desacreditou do sistema eleitoral e acusou de forma deletéria fraudes nas urnas eletrônicas das eleições de 2018, mesmo sem nenhuma evidência, e ainda sugeriu que poderia cancelar as eleições de 2022, caso não aceitassem o que ele defendia.  A Human Rights Watch alerta também que a liberdade de expressão esteve em xeque durante 2021, quando foram iniciadas 17 investigações contra críticos ao governo, utilizando inclusive a Lei de Segurança Nacional, oriunda da ditadura militar. O relatório explica que, apesar de muitos casos terem sido arquivados, essas ações sugerem que criticar o presidente pode resultar em perseguição. Jornalistas foram igualmente atacados por Bolsonaro, segundo a ONG “Repórteres Sem Fronteiras” só no primeiro semestre de 2021 a imprensa foi ofendida 87 vezes pelo presidente. Ademais, em setembro do mesmo ano, o presidente impediu redes sociais e plataformas de excluírem postagens com informações falsas e prejudiciais. Informações retiradas do relatório da Human Rights Watch. No Brasil das maravilhas Brasil não está quebrado – é a austeridade que sufoca a economia Norte e Nordeste voltam a ser esquecidos no faminto Brasil de Bolsonaro   O rabo que abana o cão  

Brasil não está quebrado – é a austeridade que sufoca a economia

Austeridade – A falsa alegação de que o “país está quebrado” usada por Bolsonaro faz parte do terrorismo fiscal semeado pela mídia há anos para naturalizar cortes no orçamento e precarizar o serviço público. Entretanto, a pandemia deixou claro que a austeridade não passa de uma cloroquina econômica liberal. “O Brasil está quebrado, chefe. Eu não consigo fazer nada.” A declaração de Bolsonaro tem raízes profundas no discurso econômico construído nos últimos anos.  Diariamente entram nos lares brasileiros análises econômicas que apelam para o lugar comum. Economistas, usualmente homens brancos, nos dizem que o governo deve colocar ordem na casa e que, assim como uma família, deve apertar o cinto nos momentos de crise. Análises que carregam uma carga moral para exaltar o comportamento associado ao rigor, à disciplina, aos sacrifícios, à parcimônia, à prudência, à sobriedade e reprimir comportamentos dispendiosos, insaciáveis, pródigos, perdulários. Discursos que não apenas simplificam o funcionamento da economia, mas falsificam: trata-se da retórica da austeridade que transpõe, sem adequadas mediações, supostas virtudes do indivíduo para o plano público, personificando, atribuindo características humanas ao governo.   Austeridade é mantra político, insistência ideológica, base de um discurso que busca interditar o debate econômico com afirmações do tipo “se não fizer a reforma tal, o Brasil vai quebrar”, “se flexibilizar o teto de gastos teremos depressão econômica” e “se aumentar o gasto público voltaremos à hiperinflação”, dentre outras. Trata-se de terrorismo econômico, ameaças que criam um clima de medo para coagir a aceitação de uma determinada agenda econômica pela opinião pública. No Brasil, a austeridade fiscal foi vendida como uma fábula da cigarra e da formiga. O argumento moral aponta que os excessos devem ser remediados com abstinência e sacrifícios. Esses excessos têm várias faces – aumentos de salário mínimo, gastos sociais, intervencionismo estatal e até a Constituição de 1988 – e o remédio tem nome: austeridade. E o país vem se tratando com esse remédio que não tem eficácia comprovada e apresenta efeitos colaterais, como uma cloroquina da economia. Argumenta-se que os cortes de gastos vão recuperar a confiança e assim o crescimento e que as reformas econômicas que reduzem o papel do Estado encurtam esse caminho. Mas as reformas são realizadas e a crise continua e, não obstante, realimenta o discurso: enquanto houver crise haverá uma reforma adicional que supostamente vai gerar crescimento. Pandemia fragiliza os dogmas Durante a pandemia, a ideia de austeridade fiscal entrou de quarentena, vários mitos caíram por terra e dogmas foram deixados de lado diante de uma realidade impositiva. Em poucas semanas, o gasto público passou do grande problema do Brasil para a principal solução. Na retórica de alguns, o Estado que estava quebrado ficou solvente e o dinheiro, que tinha acabado, reapareceu. Assim, durante a pandemia, a crise postergou o debate sobre as reformas e criou um quase consenso entre os economistas de que é preciso gastar com saúde, assistência social e apoio às empresas e trabalhadores. No entanto, o aumento da dívida pública resultante da atuação pública na pandemia é o pretexto perfeito para a intensificação do discurso da austeridade a partir de uma ideia que dialoga com o senso comum: teremos que pagar a conta da pandemia. Um momento propício para o que Naomi Klein chamou de “doutrina do choque”, uma filosofia de poder que sustenta que a melhor oportunidade para impor as ideias radicais é no período subsequente ao de um grande choque social. Mais uma vez, o apelo ao senso comum é uma falsificação da realidade: não existe uma conta da pandemia a ser paga. A dívida pública não precisa ser reduzida. Papéis serão pagos, outros serão emitidos. Esse é o padrão do comportamento das dívidas soberanas: dívida pública não se paga, se rola. Isso vale para as experiências históricas de grande endividamento público, como na Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, quando a dívida pública chegou a 250% do PIB. Essa dívida foi rolada e se reduziu ao longo do tempo em relação ao PIB em um ambiente de alto crescimento e juros baixos. E essa redução não passou por nenhum plano de austeridade, pelo contrário, no pós-guerra o país realizou uma ampla expansão dos gastos públicos que construiu o Estado de bem-estar social, o que também ocorreu em outros países que saíram endividados da guerra. Governo não são famílias O Brasil precisa desbravar o seu caminho para a reconstrução e sair do atoleiro da crise, do desemprego estrutural e da piora sistemática dos indicadores sociais. Nessa direção, a austeridade é contramão. E a tentativa de forçar uma redução da dívida pública por meio de cortes de gastos será tão inconsequente socialmente quanto inútil do ponto de vista fiscal. Como mostra Mark Blyth, cientista político e professor de economia política internacional na Universidade de Brown, no livro Austeridade – A Historia de uma Ideia Perigosa, há um problema de composição nesta falácia que vai de encontro ao senso comum: se formos todos austeros ao mesmo tempo a economia desaba para todos. O gasto público é renda do setor privado, a dívida pública é ativo e o déficit público é superávit do setor privado. Ao gastar, o governo aumenta a renda do setor privado e realoca recursos. Ao se endividar, o governo pega dinheiro de quem tem riqueza sobrando e entrega um papel de dívida. Quando a economia opera abaixo de sua capacidade, com desemprego, o gasto público pode melhorar a eficiência do sistema e aumentar os recursos do conjunto da sociedade. O desemprego é um desperdício de recursos sociais, além da violação do direito humano ao trabalho e de um fator de agravamento das desigualdades sociais pré-existentes. Se o mercado não garante o emprego, o Estado deve ajudar por meio da política fiscal. Portanto, a metáfora que compara os orçamentos público e familiar é dissimulada e desvirtua as responsabilidades que a política fiscal tem na economia em suas tarefas de induzir o crescimento e amortecer os impactos de crises e dos ciclos econômicos na vida das pessoas. Mito da austeridade expansionista Como afirma Mark Blyth,

Lula e Boulos

Boulos e Lula – Tenho visto com muita preocupação militantes petistas afirmarem com veemência que não apoiarão a candidatura de Guilherme Boulos ao governo de São Paulo. Será que a esquerda não aprendeu nada com o que aconteceu no Brasil nos últimos anos? Não aprendeu a identificar qual o lado, o compromisso de cada um e a importância de ao menos uma frente ampla? Boulos tem sua trajetória construída ao lado dos sem-teto, um dos segmentos mais excluídos deste país, coibido no direito essencial à moradia. Diversas vezes tive oportunidade de presenciar sua abnegação. Foi viver na periferia e lutar com o povo mais sofrido. É uma liderança com pé no barro, e faz o que prega. A coerência é valor fundamental para todos nós que queremos mudar a sociedade. Boulos esteve ao lado de Lula nos momentos mais difíceis, quando muitos não queriam estar com medo de prejudicar sua imagem frente à opinião pública. Foi às ruas defender Dilma contra o golpe. Esteve em São Bernardo, junto com milhares de sem-teto, para lutar contra a prisão injusta do ex-presidente. Visitou Lula no cárcere de Curitiba. O próprio Lula já me manifestou sua admiração e carinho por Boulos. Na eleição para a prefeitura de São Paulo, Boulos mostrou ser uma grande liderança da nova geração de políticos progressistas críticos ao neoliberalismo. E parece que isso incomodou, em especial setores da esquerda que ainda não se abrem às novas lideranças jovens. A esquerda precisa ter a capacidade de se renovar, de abrir espaço para os que chegam, de mostrar caras novas. E Boulos representa muito bem essa renovação. Na atual e trágica conjuntura em que o Brasil se encontra é triste ver que ainda há quem se apega a diferenças menores e enxerga inimigos onde eles não existem. São os fantasmas de Shakespeare. Guimarães Rosa, pela boca de Riobaldo, em “Grande Sertão, Veredas”, afirma que, ao longo da vida, a pessoa perde aos poucos o medo de viver e de morrer, o medo maior, então, é de “nascer”. Nascer ali significa viver situações inéditas, escolhas diante das encruzilhadas da vida, fatos que simbolizam novos surgimentos esperançosos como a figura política de Boulos. Não há que ter medo desta nova liderança. Tenho absoluta certeza de que Lula é a pessoa mais preparada para derrotar Bolsonaro e tentar reconstruir o país. E ele sempre soube fazer isso valorizando seus aliados. Boulos tem todo o direito de lançar sua candidatura ao governo de São Paulo, principalmente após a bela campanha que fez na capital, ao lado de Luiza Erundina. Considero inclusive a melhor chapa: Lula para presidente e Boulos para governador. Seria um grande sinal de abertura para a renovação. Se o PT tomar outra decisão, paciência, está também em seu direito. Mas acredito que o momento histórico cobra de nós unidade. E caso não haja acordo, o mínimo que se espera é respeito. Ataques e falta de generosidade aos que sempre estiveram do mesmo lado, junto com desconfianças de traição, não é um bom caminho, exceto para a direita, que torce pelo fracasso da esquerda. Em minha trajetória, aprendi a valorizar mais o compromisso social do que a filiação partidária. Essa bússola me permite manter-me firme com os valores que abracei, tendo em vista o sonho de uma sociedade justa e solidária. Espero votar, ano que vem, em Lula e Boulos. E que os partidos da esquerda tenham discernimento para construir um ambiente de respeito e unidade, focando suas críticas naqueles que, de fato, são adversários e inimigos da maioria do povo brasileiro. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Alckmin de vice é autossabotagem Que venha 2022, a última live do ano   Lula ganha no primeiro turno, segundo IPEC   A candidatura do Lula Guilherme Boulos mobiliza a esquerda com lançamento de livro  

A luta da atriz Nicole Puzzi contra os caretas desde os anos 70

Com colaboração de Isabela Gama O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA contou com a presença da atriz e apresentadora Nicole Puzzi no dia 12 de novembro. Em um bate-papo descontraído com o editor Zonacurva Fernando do Valle, a secretária de redação Zonacurva Lilian Dreyfuss e o editor Vishows Luís Lopes, a atriz criticou o retrocesso que o país enfrenta com o atual governo.  Ao comentar sobre sua carreira, Puzzi contou que atuou com diversos nomes de peso no cinema brasileiro como Antônio Fagundes, José Wilker, José de Abreu e Lúcia Veríssimo, mas, segundo ela, apenas ela ficou estigmatizada como a atriz de pornochanchada. Ela explica que o termo pornochanchada foi criado por dois críticos com a intenção de difamar e tirar audiência do cinema nacional. O que posteriormente deu certo, ainda hoje as obras realizadas na região da área central da cidade de São Paulo, que foi apelidada de Boca do Lixo, são tachadas de obras de baixo nível cultural. A vida artística de Nicole foi marcada pelo preconceito e o machismo, principalmente por comentários realizados por outras mulheres, que segundo a atriz, eram os que mais a machucavam. Entretanto, ela ressalta que escolheu a carreira de atriz porque sempre foi apaixonada pela profissão.  Segundo Puzzi, não havia assédio nas gravações dos filmes da chamada Boca do Lixo, mas sim na televisão, em que que situações de importunação sexual eram frequentes. Feminista desde os anos 70, a atriz, que também apresenta o programa Pornolândia no Canal Brasil, ressalta a importância da luta das mulheres da sua época para a conquista de direitos das mulheres atualmente. Ela afirma que a libertação sexual do século 21 começou com o progresso de certos direitos femininos nas décadas de 70 e 80. A pílula anticoncepcional e o ativismo da comunidade LGBTQIA+ e de figuras populares como Cazuza também ajudaram para o avanço da liberdade sexual da mulher.  Mas, Puzzi lembra, que, durante os anos 90, com a ascensão da igreja evangélica se iniciou um certo retrocesso em relação a isso e centenas de pessoas quiseram impor suas crenças sobre essas mulheres. A eleição de Bolsonaro vem nessa toada no sentido de conter o progresso obtido pelas minorias ao longo dos governo Lula e Dilma. Para Puzzi, com a eleição de 2018, a tragédia chegou e todos puderam expor seu pior lado de muito preconceito e ódio, já que agora o próprio chefe de estado representa essas pessoas. A atriz aponta que essa repulsa do governo em relação à comunidade LGBTQIA+ nada mais é do que insegurança sexual. Essa insegurança, segundo ela, leva esses homens reacionários a defenderem com veemência a heteronormatividade e a só confiarem e indicarem homens, em sua grande maioria, para os cargos públicos, colocando a mulher em papel secundário. Mário Frias, atual ministro da cultura, também foi alvo de críticas da atriz. Segundo ela, Frias é um péssimo ator e tinha pouca visibilidade no ramo artístico. O ressentimento do ator se mostrou na hora que virou secretário da Cultura e se tornou responsável pelo desmonte do apoio do governo federal ao setor. “Ele retirou as leis de incentivo à cultura”, afirma. Atualmente, a atriz faz parte do grupo de teatro Satyros e estreia a peça “Aurora” ainda esse mês, no dia 25, e tem filmado com jovens diretores. Além disso, Puzzi prossegue com seu programa Pornolândia no Canal Brasil e se diz em momento de extrema felicidade em sua carreira.  O filme que o Brasil não podia ver  

Norte e Nordeste voltam a ser esquecidos no faminto Brasil de Bolsonaro

    Fome – A intensificação da crise econômica durante o governo Bolsonaro fez o Brasil retornar aos patamares de insegurança alimentar obtidos em 2004, ano em que o programa “Fome Zero” começou a vigorar. A segurança alimentar apresenta níveis caóticos em todo o país e as desigualdades regionais intensificam ainda mais a situação da fome. Segundo o Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), as regiões Norte e Nordeste apresentaram queda de 40% e 30% respectivamente, na segurança alimentar das famílias, isso ocorre quando a família tem alimentos garantidos para suas refeições. Já a insegurança alimentar grave, a fome propriamente dita, cresceu 18,1% na região Norte e 13,8% no Nordeste. Juntamente a esses números, a inflação, a crise sanitária e um governo relapso em políticas públicas contribuem para a intensificação da fome no Brasil. Jair Bolsonaro ignora os 19 milhões de brasileiros que passam por essa situação quando declara aos seus fiéis eleitores do cercadinho  que “a esquerda fala que a gente não come arma, come feijão, quando alguém invadir a tua casa, você dá tiro de feijão nele”.   Enquanto sua gestão extingue ferramentas importantes para o combate à fome no Brasil como o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) e o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, ela sugere a compra de armas de guerra para uma população onde cerca de 14% dos domicílios vivem com uma renda per capita de até meio salário mínimo, o equivalente a 596 reais por pessoa.  Segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas ,itens básicos para o dia a dia como o arroz e o feijão, alimento principal no prato dos brasileiros, tiveram alta de mais de 60%, até mesmo o café, que foi o carro chefe da exportação durante décadas, está mais caro. A desigualdade social é um mal que assola o Brasil desde sua colonização, mas a fome e a extrema pobreza eram assuntos prioritários das políticas governamentais até o final do primeiro governo Dilma em 2014, ano em que o país deixou o Mapa da Fome da ONU.  A ascensão da extrema direita e seu descaso com os pobres deixaram pautas importantes para o Brasil como o combate à fome e a desigualdade social em alguma gaveta perdida do Ministério da Economia, Por outro lado, houve crescimento dos bilionários no país, conforme pode ser lido no texto abaixo. Governo Bolsonaro agrava o fosso da desigualdade A disparidade regional, que vinha sendo combatida com programas como o Bolsa Família e a transposição do rio São Francisco, se intensificou desde então. O acesso restrito à água e a densidade domiciliar auxiliaram na transmissão da Covid-19 nas regiões mais carentes do país. De acordo com o relatório da Rede Penssan, o fornecimento irregular de água ou a falta de água potável atinge cerca de 40% dos domicílios da região norte. Além disso, o mesmo percentual de moradias na região conta com um cômodo per capita, o que dificulta o isolamento social. O desemprego também é maior nessas mesmas localidades. Na região norte, 20% dos entrevistados pelo estudo tiveram um membro do lar dispensado de suas ocupações, e cerca de 55,3% tiveram que realizar cortes em despesas essenciais. Quando olhamos para a região nordeste, os dados são mais assustadores, apesar do número de desempregados ser quase o mesmo (20,4%), 61,4% dos entrevistados pelo estudo tiveram que reduzir gastos vitais. Em meio ao caos em que vivem milhões de brasileiros por incompetência do governo federal, coube à sociedade civil se organizar para combater a fome. O Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) construiu 16 cozinhas solidárias em 10 estados, incluindo Alagoas, Sergipe, Ceará, Rondônia e Sergipe, com o objetivo de servir ao menos uma refeição gratuita por dia. Já o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) doou mais de 5 mil toneladas de alimento para as populações mais carentes, além de um milhão de marmitas. Fonte: Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional   Fome per capita do Brasil e Jonathan Swift Fome, outra pandemia Desigualdade social: Ricos ganham 36 vezes mais que os pobres no Brasil, segundo IBGE

O rabo que abana o cão

Vivemos uma conjuntura social e política anacrônica onde os acontecimentos se sucedem entre espasmos de hipocrisias, preconceitos, ódios e o fascismo descarado de uma elite – desculpe-me –, de uma burguesia liberal que emoldura e transforma o Estado numa distopia amorfa. Nesse caso, o Estado enquanto entidade ficcional jurídica é a representação de um país totalmente disforme, distorcido de institucionalidade, soberania e à margem dos parâmetros democráticos, lançado ao esgoto infecto da autocracia miliciana, ditatorial, de um pária funesto. Distopia, etimologicamente, é composta pelo prefixo “dis” (doente, anormal, anomalia ou mal funcionamento) mais “topos” (lugar, região). Há certa complacência, um verniz de convívio polido nos alicerces do presente governo autoritário do Brasil com a chamada grande mídia hegemônica, a estrutura judicial de dominação, o grande empresariado e banqueiros de ocupação militar, o parlamento capturado de cooptação, etc., numa gravitação varejeira na defesa de interesses mercantis de desestatização, destruição e entrega do patrimônio público e violência explícita à população e entidades de representação civil. A democracia, para estas forças conservadoras que adularam o golpe iniciado em 2013, passou a ser um valor essencialmente perigoso para o seu projeto liberal-reformista como também descartável para uma elite que, peneirando a luz do sol, se exprime avessa a todo e qualquer tipo de utopia, como se esta fosse essencialmente perigosa e necessariamente descartável. As distopias problematizam os danos prováveis e ameaçadores desses projetos/programas conservadores, contra a massificação cultural, a defesa da liberdade e das pautas de identidade, as lutas indígenas e da terra, buscando impedir o avanço de tendências contrárias ao retrocesso em que estamos imersos. Talvez por isso enfatizem tanto uma narrativa decadente, insubmissa e radicalmente crítica a qualquer mudança nas atuais corporações centralistas de Estado. O recente passeio, vadiação do presidente da República na Itália, apenas serviu como palco e vitrine para o seu discurso e a prática dos métodos do terror neofascista e barbárie antidemocrática. Lembremos que no último relatório publicado em abril/2021 das Variações da Democracia (V-Dem), do instituto de mesmo nome da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, o Brasil é o 4º país que mais se afastou da democracia em 2020 num ranking de 202 países analisados, atrás dos governos autoritários e autocráticos da Polônia, Hungria e Turquia. Segundo os pesquisadores, os processos de Índia, Turquia e Brasil, apesar de estarem em estágios diferentes, seguem um mesmo roteiro: “Primeiro, um ataque à mídia e à sociedade civil, depois o incentivo à polarização da sociedade, desrespeitando os opositores e espalhando informações falsas, para então minar as instituições formais“. A luta em defesa da democracia se impõe de forma irremediável e urgente, ante a iminência de um retrocesso civilizatório de um golpismo intramuscular, do calamitoso dejeto de um desgoverno municiado e armado por uma horda miliciana, ora de fraque, ora de farda, forçando um progressivo fechamento dos espaços de civilidade e o abrupto cerceamento das liberdades e garantias fundamentais. As eleições presidenciais de 2022 já nos reservam lances da barbárie escatológica bolsonarista que se avizinha, com a mesma participação dos agentes paraestatais, ataques cibernéticos sofisticados, a hackerização sob a complacência dos órgãos judiciais, da mesma casta siamesa do lavajatismo, do enxerto midiático das grandes mídias que embalam ou abanam os seus mesmos ícones mercadológicos e as bandeiras da vassalagem e submissão do Estado democrático. Bolsonaro contra o Brasil Extrema direita deseja a tolerância ao intolerável nas redes Vai ter golpe?

Doença mental sob o desgoverno Bolsonaro

Me refiro ao desequilíbrio mental em brasileiros dignos, estudiosos, necessários para o desenvolvimento econômico e cultural em nosso país. Acompanhem, por favor, e vão notar que não exagero No momento em que escrevo, percebo mais uma trágica semelhança entre o golpe militar de 1964 e o fascismo em 2021 da presidência do Brasil. Eu me refiro ao desequilíbrio mental em brasileiros dignos, estudiosos, necessários para o desenvolvimento econômico e cultural em nosso país. De modo mais preciso, há uma relação direta entre Bolsonaro e ditadura militar, entre fascismo e doença mental em pessoas do Brasil. Acompanhem, por favor, e vão notar que não exagero. Em primeiro de abril de 1964, assim encontrei Ivan, amigo de adolescência. Ele era o meu amigo mais velho, e isso quer dizer: ele está sobre a cama, no 1º de abril de 64, agitado, movendo-se de um lado para outro do seu leito de capim seco. E me diz e geme: – Tem umas cobrinhas subindo pelas minhas costas. E bate com as mãos, para retirá-las. E mais se agita: – Eles vêm me pegar. Eles vão me levar. – Eles quem, Ivan? – Eles, eles – e eles se confundem às cobrinhas, que lhe sobem pelas costas. Este Ivan não é mais Ivanovitch Correia da Silva. O Ivan de antes era um jovem de 19 anos, estudante de Química. Passava o dia todo a estudar, todos os dias. Com um método sui generis, como ele gostava de dizer. Entre uma fórmula e outra me recebia na única mesa da sua casa. E se punha a contar anedotas, a contar casos de meninos suburbanos, espertos, anárquicos, galhofeiros. E sorria, e ria, e gargalhava, porque ao contar, ele era público e personagem, e de tanto narrar histórias de meninos moleques deixava na gente a impressão de ser um deles. Como um Chaplin que fosse Carlito. Se na vida da gente houver algo que nos perca, que mergulhe no abismo a natureza que já se acha perdida, ele contava, e contava a rir, a soltar altíssimas gargalhadas o caso que foi a sua perdição: – Na greve dos estudantes da Faculdade de Direito, eu fui lá para prestar solidariedade aos estudantes. Eu estava só no meio da massa, assistindo à manifestação. Aí chegou o fotógrafo da revista O Cruzeiro. Quando ele apontou o flash, eu me joguei na frente dos estudantes. Olha aqui a foto. E mostrava uma página em que ele aparecia de braços abertos, destacado, em queda, como um jogador de futebol em um brilhante jogada, em voo sobre as palavras de ordem “viva Cuba, yankees go home, reforma agrária na lei ou na marra”. Sorrindo em queda livre o meu amigo na página da revista O Cruzeiro. Por isso ele gargalhava antes do golpe, porque saíra em edição nacional da revista. Por isso no primeiro de abril de 1964, ele se diz, esta é a lógica: “Umas cobrinhas atrás de mim… Eles vêm me pegar! As cobrinhas estão subindo em mim. Mãe, me tira essas cobrinhas!” Assim foi. Perdemos Ivanovitch desde primeiro de abril de 1964. Eu pensava que a loucura em um amigo antes era coisa do passado. A gente é assim, tem sempre a esperança ingênua de que o trágico é passado. “Já passou, já passou, não dói mais”, não é? Mas eis que recebo em 28 de outubro de 2021 esta mensagem: “Conversei ontem, pelo telefone, com nosso amigo X. Ele não está nada bem. Ele ficou insistindo o tempo todo que ia ser preso. Que existem pessoas na porta, de tocaia, esperando para arrastá-lo até a prisão. Que vai ser preso, torturado e morto. Eu perguntei que crime ele havia cometido para ser preso. Mas ele me respondeu algo confuso, sem sentido algum. Depois, conversei longamente com a sua companheira. Então ela me disse que ele cria essas histórias fora da realidade. É uma situação desesperadora”. Notam a semelhança entre os dois casos? Com Ivan, os militares viriam buscá-lo. Com o amigo X. os fascistas agora vêm pegá-lo, porque é um homem de opiniões de esquerda. Ele é um mestre, doutor, professor universitário, portanto apto a perseguições dos fascistas. E tais casos de doença mental não são particulares. Especialistas afirmam que a pandemia da covid-19 deu origem a outra pandemia, a dos transtornos e doenças mentais. Mas há uma clara relação entre doença, desgraça e governo fascista, que se espalha até mesmo por territórios antes sagrados dos indígenas brasileiros, segundo relatório do Cimi (Conselho Indigenista Missionário): “Em muitas aldeias, a pandemia levou as vidas de anciões e anciãs que eram verdadeiros guardiões da cultura, da história e dos saberes de seus povos, representando uma perda cultural inestimável. A responsabilidade principal está no âmbito federal, com um presidente que faz discursos dizendo que os indígenas têm que melhorar de vida a qualquer custo, que defende liberar garimpo, exploração econômica”. Pandemias e negacionismo do vírus pela presidência, com seus ataques à ciência e aos direitos humanos, perseguições a mestres e cientistas, muitas vezes acendem o medo, a ansiedade e comportamentos problemáticos. Quando o medo assume o controle, tanto o sistema nervoso quanto a parte emocional do cérebro ficam sobrecarregados, falam especialistas. Se uma pessoa possui doença mental ou histórico de ansiedade e depressão, pode piorar e se intensificar em momentos como este do Brasil de hoje. Agora, compreendem o que pude ver. Ivan em 1964, quando a extrema direita tomava o poder, o amigo X hoje, quando os valores do fascismo voltam, perseguem e destroem. A história não se repete, mas seus pesadelos são semelhantes. A pedra da loucura só está na cabeça do outro?   Governar pelo medo Ricardo Lísias e a catástrofe em curso no Brasil