Zona Curva

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Segundamente

por Marceu Vieira Desde a descoberta do fogo, a História do mundo mostra que há acontecimentos impossíveis de se evitar. Aqui, no Brasil, um foi a Independência – por mais fajuta que tenha sido. A Proclamação da República, golpe inaugural dos militares, foi outra. A Abolição da Escravatura, mais uma. Houve ainda a Revolução de 1930, o Estado Novo, a volta de Getúlio Vargas, a construção de Brasília por Juscelino Kubitschek, a provação brasileira com o governo Sarney, a Constituinte de 1988, tanta coisa. O golpe de 1964 também entra nessa lista. A elite empresarial estava inteiramente contrária a Jango. O pensamento conservador detinha a hegemonia da informação. As Forças Armadas, ali bem fortes, só precisaram dar o último empurrão no Brasil pra dentro do buraco sem luz da ditadura. Mundo afora, também houve acontecimentos assim, impossíveis de ser contidos. A Queda da Bastilha. A Primeira e a Segunda Grandes Guerras. A Revolução Bolchevique de 1917, na Rússia. A Queda do Muro de Berlim. O desmanche da finada União Soviética. Até a eleição do Lula, em 2002, foi acontecimento inevitável – e o fim daquele ciclo, com a derrubada da Dilma num golpe parlamentar imoral, nem aquilo foi viável deter. Quando os portugueses enforcaram Tiradentes, em 21 de abril de 1792, não supunham que o transformariam em herói da pátria. Mas era certo que acontecesse. Nas relações pessoais, nos contenciosos de trabalho, no dia a dia, na História, e até na ficção, em tudo é assim. Há fatos incontroláveis no seu desenrolar. Na tragédia de Shakespeare, não foi possível evitar a morte de Romeu e Julieta, um sem saber que o outro sobreviveria. No calvário de Jesus, nem Pôncio Pilatos pôde evitar sua crucificação. O goleiro Júlio César tentou evitar cada gol dos sete que a Alemanha impôs à seleção brasileira na tragédia do Mineirão, em 2014. Não conseguiu. Nesta quarta-feira, 24 de maio de 2017, a sensação é a de que mais um desses momentos inevitáveis se apresentou ao país miscigenado fundado por Caramuru e Paraguaçu. Nem no tiro no peito dado por Getúlio, nem nos piores dias da presidente Dilma, quando tudo conspirava contra a permanência dela no Planalto, nem nas manifestação de 2013, enfim, desde que a República é República, nem nunca o Brasil viu atos tão contundentes como esses desta quarta-feira em Brasília contra o Temer e o seu governo de araque. Não é sensato que ainda se acredite na viabilidade da continuação dele. Não haveria poesia bastante pra amenizar o que se viu neste 24 de maio em plena Esplanada dos Ministérios. A única saída honrosa que resta ao Temer e à sua gente, agarrada no poder desde 1985, é bater em retirada. Chega deles. Só o Insondável saberá que novo presidente poderia emergir de uma eleição direta convocada agora. Mas o Brasil precisa viver esse risco. Não há credibilidade sequer pro Congresso escolher um novo presidente numa eleição indireta. Pelo Michelzinho, pelos bebês que o Temer ainda pode ter com a Marcela, pelos filhos dos atuais ministros dessa administração falsificada e sem alicerce crível, pelos netos do Lula e da Dilma e da gente, por todas as crianças do Brasil – as que dormem sob viadutos e as aninhadas em camas de pelúcia nas mansões do Lago Sul -, por todos nós, degredados filhos de Eva, só a renúncia abreviaria o sofrimento coletivo de um povo que não sabe mais pra onde vai a nação desgovernada, com seus índices de desemprego sem parâmetro na nossa História. Não foi também possível evitar o Temer depois do impeachment da Dilma. Então, segundamente, que ele peça o boné e o Congresso apresse a votação de um Projeto de Emenda Constitucional pra convocar – já – uma nova eleição presidencial. Os partidos hegemônicos estão todos desmantelados. Com certeza, surgirá um Bolsonaro ou um genérico dele pra tentar a sorte. Dane-se, que seja enfrentado, então – mas no voto direto. O voto do povo pôs esses personagens abjetos todos onde estão hoje. Até ser cassado e preso, Eduardo Cunha, por exemplo, existiu no Congresso Nacional pra bagunçar o Brasil pela vontade de 232.708 eleitores do Rio de Janeiro. Bem feito pra nós. No mesmo Rio, Sérgio Cabral foi reeleito governador com 5.217.972 votos. Aécio Neves enganou 51.041.155 brasileiros em 2016. Quase se elegeu presidente da República. Agora é hora de deixar o povão decidir de novo. Inclusive quem bateu panelas. Inclusive quem não bateu. Texto publicado originalmente no Blog do Marceu Vieira. Brasil e o enredo da miséria política

O Rio Grande, os trabalhadores e o capital

por Elaine Tavares O que aconteceu anteontem no Rio Grande do Sul é uma prévia do que virá em todos os estados da Federação. Deputados votando leis que retiram direitos, trabalhadores agredidos pelas polícias militares, governadores impassíveis e insensíveis às dores das gentes. O argumento para a barbárie contra os trabalhadores é o de que o estado está endividado e há que cortar na carne para equilibrar as contas. Só que esse cortar na carne, não se refere a qualquer carne. É a carne de quem produz a riqueza: o trabalhador. A carne de quem se apropria do lucro gerado por esse trabalho não sofrerá sequer um risquinho. Não bastasse isso, as pessoas que sofrem os ataques sequer sabem como a dívida foi contraída, em que bases e para onde foi o dinheiro. Isso não é nenhuma novidade para quem estuda o modo de ser do capitalismo. Nesse sistema, que Mészáros considera “incontrolável”, o Estado existe justamente para proteger os meios de produção (que são de propriedade dos capitalistas) e a propriedade privada. Tudo é feito para garantir a expansão do capital e a maior extração do trabalho excedente. Logo, quando há uma crise mais profunda, como agora, cabe ao Estado proteger as condições gerais da extração da mais valia do trabalho excedente. O que isso significa? Que novas normas e leis são criadas para garantir que a taxa de lucro dos capitalistas não caia. Logo, a outra face dessa verdade é o chicote no lombo dos trabalhadores. Assim, cortam-se direitos e diminui-se a intervenção do Estado na vida das gentes, com cortes nos setores públicos. O que acontece hoje no Rio Grande do Sul é a expressão do que já começou a acontecer em nível nacional com a aprovação da PEC 55. Nesse sistema, que Mészáros chama de “sistema metabólico do capital”, o tripé Capital x Trabalho x Estado é como uma entidade única de três cabeças, sendo que a cabeça Trabalho é a que vive sob a subordinação. E ela está sob o tacão da força porque, sem ela, as outras duas cabeças deixariam de existir. Ainda assim, mesmo dependendo da força dos trabalhadores para se fazer real, o capital não faz qualquer concessão. Diante de qualquer possibilidade de perder lucro, o sistema se reorganiza sem levar em conta, no mais mínimo, os interesses das pessoas. Todas as decisões são tomadas para manter rodando a roda viva da produção do lucro. É o “sistema” que precisa se manter. Danem-se os trabalhadores. Existem tantos no mundo que o capital pode permitir que muitos deles venham a perecer diante das medidas de austeridade tomadas. Assim que não há qualquer eficácia em apelar para os “bons sentimentos” dos governantes. Eles não estão subordinados a qualquer compaixão. Sua subordinação é a um sistema que se configura incontrolável, exigindo sempre mais. Uma espécie de deus sanguinário. Quanto mais sangue se lhe é sacrificado, mais ele quer. Mészáros diz que o capital tem um controle sem sujeitos. E o que quer dizer com isso? Que não há no quadro de mando do sistema alguém que possa olhar para o sofrimento dos trabalhadores e se compadecer. Não. O sistema exige mais e mais e os seus supostos controladores – na verdade controlados pelo sistema – só o que podem fazer é aplicar receitas que permitam a insaciável expansão do capital. Por isso que o governador Ivo Sartori pode ser visto dando risadas no aeroporto enquanto sua polícia desce o cacete nas gentes em frente à Assembleia Legislativa. Aquele que comanda o estado sabe que sua função ali será a de garantir o controle de qualquer rebelião que venha a ameaçar o perfeito rotacionar do sistema. Por isso ele está em paz. Não é comandado pela moral. Na cabeça dele, a função para a qual foi eleito está sendo cumprida à risca. Não enxerga pessoas. Vê pequenos cânceres que com sua ação rebelde querem pôr fim ao sistema metabólico do capital. O mesmo acontece com aqueles que, enquanto os trabalhadores apanhavam em frente ao Congresso nacional, se coqueteavam com champanhe e salgadinhos. O quadro que se desenrolava lá fora era só um borrão, tapado pela fumaça das bombas. A única visão possível era a dos policias, bem armados, protegendo a “bastilha”. E só. Diante dessa constatação não cabe aos trabalhadores clamar por piedade ou misericórdia. O único que lhes cabe é a luta. A luta renhida. Mas não pode ser uma luta pontual, para resolver a questão da previdência ou a da dívida, como se solucionado esses pequenos pontos, a vida pudesse seguir seu curso em direção ao paraíso. Isso não vai acontecer. Ainda que o sistema – em temos de crescimento – possa conceder um ou outro ganho aos trabalhadores, seus hábitos alimentares não mudam. Segue se alimentando da mais valia dos trabalhadores. Não pode viver sem isso. É como o vampiro que diante da moça assustada, dá um suspiro de pena, mas imediatamente finca-lhe os dentes. Não pode existir se sentir compaixão. Cabe, portanto, desmontar esse “sistema metabólico do capital”. Avançar para uma forma de organizar a sociedade na qual as aspirações legítimas das pessoas por vida plena, digna e de riquezas repartidas conforme as necessidades, sejam levas em consideração em vez dos imperativos fetichistas da ordem. Enquanto existir o modo capitalista de produção, essas aspirações não terão lugar. Logo, é tempo de decidir. Não que as lutas pontuais não devam ser travadas. Isso não só é justo como necessário. Mas, elas precisam avançar para a destruição desse sistema que nos suga todo o sangue e a alegria de viver. Ninguém entre nós que tenha começado a trabalhar aos quatro, cinco anos, cortando cana, carregando pedra, amassando massa quer trabalhar até os 100 anos. Esses desejos só sentem aqueles que não produzem riquezas, os que se refestelam em salas acarpetadas com ar-condicionado. https://urutaurpg.com.br/siteluis/ate-a-onu-alertou-mas-a-pec-do-fim-do-mundo-foi-aprovada/