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futebol ditadura militar

Zico foi excluído da seleção pela ditadura

ZICO – Todos nós já sabíamos do uso, para efeito de propaganda política, da seleção brasileira de futebol. Sabíamos também da sua interferência até na escalação de jogadores, quando Médici impôs Dario ao time da Copa. E a consequente demissão do grande João Saldanha. Mas não sabíamos disto, com provas vivas, de excluir e perseguir geniais jogadores por motivo ideológico. O jornalista e escritor Paulo Verlaine, que considero um clássico vivo do jornalismo brasileiro, foi quem me  presenteou o livro “Futebol e Ditadura”, quando fui lançar em Fortaleza o romance “A mais longa duração da juventude”. É das páginas do Futebol e Ditadura, com prefácio  de Paulo Verlaine, que destaco este escândalo. Fala Nando, atleta e jogador de talento,  sobre a perseguição a seu irmão Zico: “Eu ainda estava jogando no Gil Vicente, em Portugal, quando soube que o Zico, titular absoluto da seleção olímpica, que iria para Munique em 1972 – o Brasil tinha se classificado em Bogotá vencendo a Argentina por 1 X 0, com gol de Zico em 1971 – pois bem: meu irmão foi absurdamente deixado de fora da lista de convocados pelo treinador Antoninho. Olhem só: Antoninho tinha sido inclusive treinador do Antunes (outro craque, meu irmão) no Fluminense, e conhecia muito bem a nossa família, que sem falsa modéstia é sempre considerada como um exemplo a ser seguido, o que nos dá muito orgulho… Esse treinador, antes de falecer, confirmou que recebeu ordens de não convocar o Zico, porque um dos irmãos tinha sido preso. (O irmão preso fui eu, Nando.) Isso nos machucou muito, e o Zico pensou até em parar de jogar futebol, tal foi a sua decepção. Foi um episódio lamentável e de perversidade única com um jovem de apenas 18 anos, a idade de Zico quando foi cortado. Um jovem cheio de sonhos, porque todos sabíamos do seu potencial e de sua força de vontade”. A razão do corte de Zico se deu bem antes, mas acompanhou para tentar matar o futebol, ou pelo menos sufocar o talento da maior família futebolística do Brasil, dos craques irmãos Edu, Zico e Nando: “Em 1963 minha irmã Zezé, Maria José Antunes Coimbra, cursava a Faculdade de Filosofia, e me inscreveu no concurso para professor do PNA (Plano Nacional de Alfabetização), criado pelo grande Paulo Freire. Fomos ambos aprovados, ela para coordenadora, eu para professor. Entre o treinamento para a função e o trabalho propriamente dito ficamos poucos meses no PNA. Assim que teve início a famigerada ditadura, o PNA foi encerrado e todos que atuavam nele passaram a ser perseguidos”. Um gol inesquecível contra Pinochet A partir daí, a “mancha” de ter querido alfabetizar brasileiros não largou mais a vida de Fernando Antunes Coimbra, mais conhecido por Nando no futebol. Ele foi perseguiu do modo mais desonesto até em Portugal, como  conta: “Quando eu estava para assinar o contrato que se arrastava sem acordo (o Belenenses não queria me pagar o prometido quando me chamou no Brasil), fui surpreendido um dia no hotel. Era outono, início de 1968, e duas pessoas bateram à minha porta. Como estavam de terno, pensei que fossem repórteres e atendi de pronto, mas logo depois se identificaram como da PIDE, a polícia política do ditador Salazar. Logo começaram a me interrogar. E para meu espanto, eles sabiam que eu tnha sido educador do PNA. Tinham minha ficha completa… No dia seguinte após o treino, o diretor de futebol do Belenenses me chamou para uma conversa particular. E debochadamente deu a entender que sabia da visita que eu tinha recebido no hotel, e foi mais longe: caso eu não assinasse o contrato como eles queriam, me fez ver que eu era filho de português, então eles poderiam me mandar para a “guerra nas áfricas’, que era como eles se referiam a Angola e outras colônias”. Como sempre, Nando evitou falar, comentar a perseguição da ditadura com os irmãos em casa, porque Edu, o outro craque da família, já fazia sucesso como jogador. Mas em vão. Os ditadores não dormiam: “O Edu foi o artilheiro do campeonato brasileiro em 1968 (se chamava Taça Brasil) e já havia sido convocado para a Seleção Brasileira que disputou a Copa Roca, na Argentina, e a Taça Atlântico, no Uruguai. Então a gente já dava como certo ele ser convocado para a seleção de 1970. Para nossa pior surpresa e frustração, Edu não foi convocado. O João Saldanha, quando foi demitido da seleção (era comunista e não escondia), comentou que não convocara o Edu porque havia por parte do regime militar restrições à família Antunes”. Pouco depois da Copa do Mundo de 1970, Nando foi preso no DOI-CODI do Rio de Janeiro. Nas palavras do seu relato: “Nos meados de agosto de 1970, fomos surpreendidos com a prisão de nossa prima Cecília Maria Bouças Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais, e seu marido José Novaes…. Um dos primos me ligou para dizer que a tia Maria, mãe deles, estava passando mal com a prisão da filha. Corri à casa de um colega que era médico e muito nosso amigo e partimos para a Rua Dias da Cruz, no Méier, onde eles moravam. Na ocasião, fomos surpreendidos por diversos agentes do DOPS que invadiram o apartamento com armas pesadas e nos levaram presos para o DOI-CODI. Passamos uma noite de horror, em pé, com a cara na parede e as mãos na cabeça até de manhã. Saímos várias vezes, encapuzados para interrogatórios, onde ouvíamos as coisas mais absurdas…”. E conclui ao fim do seu verdadeiro e necessário depoimento: “De nada me arrependo na minha vida e esta é a minha história. Igual à de muitos brasileiros que sofreram muito mais que eu e foram o alicerce para que as novas gerações pudessem viver numa democracia…. xô ditadores!!!” Esse depoimento tão revelador é necessário para bem ilustrar o mundo absoluto da ditadura, que não respeitava nem os limites do esporte. Além de assassinatos de presos desarmados, chegou a impedir a convocação de jogadores geniais do

Já passou da hora de José Maria Marin pendurar as chuteiras

Quando José Maria Marin desceu do ônibus da seleção com uma reluzente gravata amarela no fatídico dia 8 de julho, antes da homérica surra de 7 a 1 para a Alemanha, foi impossível não sentir engulhos. Como pode alguém com a história política de Marin presidir a CBF, entidade que administra uma de nossas maiores paixões? Péssimo de voto e sem carisma, Marin é o arquétipo do político que vive nas sombras para proteger interesses inconfessáveis. Companheiro de todas as horas de Paulo Maluf, na última eleição que participou em 2002, Marin tentou uma vaga no Senado pelo PSC (o mesmo do deputado Marco Feliciano) e conseguiu 0,2% dos votos, ficando em 17º lugar. Em 1975, Marin era deputado pela ARENA, partido do governo militar, e pediu um aparte ao discurso do deputado do mesmo partido, Wadih Helu, futuro presidente do Corinthians, na Assembleia Legislativa de São Paulo e exigiu “providências aos órgãos competentes em relação ao que está acontecendo no canal 2 [TV Cultura…]”, que, segundo ele “sofria infiltração de elementos comunistas”. Na noite de 24 de outubro, 15 dias depois do discurso na Assembleia, os policiais chegaram à TV Cultura para levar o jornalista Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da rede. Colegas de Vlado intervieram e ele foi liberado para passar a noite em casa com a condição de se apresentar à polícia no dia seguinte. Após se apresentar no DOI-CODI no dia 25 de outubro, Vladimir Herzog foi preso e assassinado em tortura. Em texto publicado na Folha de São Paulo, Marin defendeu-se: “é uma calúnia e difamação declararem que fui responsável pela tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog. Segundo o texto, ele só queria “chamar a atenção sobre o jornalismo parcial da TV Cultura”. Um ano depois da morte de Vladimir Herzog, em outubro de 1976, Marin voltou à carga e discursou a favor do infame delegado Sérgio Fleury, um dos mais perversos assassinos do regime militar: “Queremos prestar nossos melhores cumprimentos a um homem que, de há muito, vem prestando relevantes serviços à coletividade, embora nem sempre tenha sido feita justiça ao trabalho (…) Queremos trazer nossos cumprimentos e dizer do nosso orgulho em contar na polícia de São Paulo com o delegado Sérgio Paranhos Fleury” A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos Carreira política dantesca Marin elegeu-se vereador pelo PRP, partido do fascista Plínio Salgado, em 1963 na cidade de São Paulo. Em 1971, foi eleito deputado estadual pela Arena, partido que deu suporte ao regime militar. Em 1978, foi indicado vice-governador biônico ao lado de seu amigo, Paulo Maluf, pelos delegados da Arena. O perdedor da convenção, Laudo Natel, acusou Marin e Maluf de fraude na contagem dos votos, mas o governo do presidente Geisel impediu a investigação. Em 1985, Marin coordenou a campanha de Jânio Quadros para prefeito de São Paulo, infelizmente vitoriosa. Ele candidatou-se a senador em 1986 pelo PFL e ficou em quarto lugar. Em 2000, candidatou-se à prefeitura de São Paulo pelo PSC (o mesmo de Feliciano), e ficou em 9º lugar, dois anos depois, obteve o 17º lugar na eleição para o Senado. O político também jogou futebol como atacante e chegou a vestir a camisa do São Paulo Futebol Clube entre 1950 e 1952. Marin também foi presidente da Federação Paulista de Futebol entre 1982 e 1986, chefe da Delegação Brasileira na Copa do Mundo de 1986 e vice-presidente da CBF para a região Sudeste. Marin ainda foi protagonista de outro episódio surreal. Na final da Copa São Paulo de Juniores em 2012, ele simplesmente embolsou uma medalha. Assista na íntegra a entrevista de Ivo Herzog, filho de Vlado, que chegou a entregar abaixo-assinado com 53 mil assinaturas contra Marin aos 20 clubes da série A e todas as federações estaduais de futebol:   A Copa do Mundo e suas perplexidades    

Na Copa de 78, o ‘conselho’ do ditador Geisel ao artilheiro Reinaldo

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. ASSISTA:       Reinaldo – O ídolo do Atlético Mineiro, Reinaldo, sempre comemorava os gols reproduzindo o gesto do movimento Panteras Negras que lutava contra o racismo nos Estados Unidos: o artilheiro erguia o braço e cerrava o punho. Convocado para a Copa de 78, em reunião antes do embarque para a Copa na Argentina, o ditador Geisel, incomodado com o misto de protesto e comemoração de Reinaldo, o ameaçou no Palácio Piratini em Porto Alegre: “quem cuida da política é a gente, você cuida de jogar futebol, deixa a política pra gente”. O treinador Cláudio Coutinho convocou Reinaldo, de apenas 20 anos, para a seleção em 1977. A comissão técnica da Copa de 78 era composta de militares e o almirante Heleno Nunes (presidente da Confederação Brasileira de Desportos) e André Richer (chefe da delegação brasileira na Copa) diziam para Reinaldo não vibrar de tal forma e evitar comentários sobre política. Richer dizia que não era bom fazer o gesto, pois ele era “meio revolucionário”. Para piorar, a Copa foi realizada durante o assassino governo do general Jorge Videla. A ditadura militar argentina assassinou 30 mil opositores. No primeiro jogo da Copa contra a Suécia, Reinaldo marcou o gol brasileiro (o jogo terminou em 1 a 1) e não se intimidou com as ameaças: BRAÇO EM RISTE na comemoração. Mesmo tendo marcado, Reinaldo foi substituído por Roberto Dinamite nas partidas seguintes. Além dos problemas políticos, Reinaldo também não estava 100% fisicamente. O Brasil terminou a Copa em terceiro lugar, ficando fora da final pelo saldo de gols. Essa foi a única participação do jogador em uma Copa do Mundo. Assista ao gol e a comemoração de Reinaldo contra a Suécia em 78: LEIA TAMBÉM “Um gol inesquecível contra Pinochet”  Anos mais tarde, Reinaldo confessou que recebeu durante a Copa um envelope com informações sobre a Operação Condor (aliança entre ditaduras sul-americanas para oprimir opositores). O envolvimento político do jogador trouxe consequências. Em entrevista à Revista Placar em 2012, Reinaldo desabafou: “o corpo fascista do país começou a me minar. Não só moralmente, mas com assédio de todo o tipo. Falavam que eu era cachaceiro, maconheiro, viado. Inventaram que eu era gay por causa da amizade com o radialista Tutti Maravilha [radialista e produtor musical]. Linchamento moral. Eu não tinha partido, sindicato, nada. Fui massacrado sozinho”. Além disso, as lesões prejudicaram o jogador. Perseguido de forma impiedosa pelos zagueiros, Reinaldo sofreu muitas lesões, principalmente no joelho. Depois que parou de jogar, ele enfrentou problemas com a cocaína semelhante a outro ídolo rebelde dos gramados, Maradona. Na mesma entrevista, o jogador afirmou que não dava um tiro há mais de 15 anos e que não iria mais falar em drogas já que elas não faziam mais parte de sua vida. Outro craque que envolveu-se em assuntos políticos e também comemorava seus gols evocando a mensagem dos Panteras Negras, Sócrates popularizou ainda mais o gesto nos gramados. É assim que os torcedores lembram do Magrão, que morreu em dezembro de 2011. Fonte usada: Revista Placar Zico foi excluído da seleção pela ditadura A Copa do Mundo e suas perplexidades