#ditaduranuncamais -O rapto do embaixador norte-americano Charles Elbrick foi, sem dúvida, a ação mais ousada dos opositores ao regime militar. Entre os muitos atos contra a ditadura, o sequestro do principal representante do país que deu suporte ao golpe surpreendeu os militares e repercutiu em todo o mundo. O sequestro foi executado por integrantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) no dia 4 de setembro de 1969, na cidade do Rio de Janeiro. Em troca, os militantes exigiram a libertação de 15 presos políticos e a leitura de manifesto em rede de TV e rádio contra o governo. O militante Cid Benjamin, que participou do sequestro, recorda, em seu livro recém-lançado Gracias a la vida, memórias de um militante, que a ideia veio por acaso: “eu estava com Franklin Martins [também militante e ex-ministro da Comunicação Social no governo Lula] na rua Marques quando passou o carro do embaixador, devidamente ornamentado com uma bandeirinha dos Estados Unidos de cada lado do capô. A falta de cuidado nos chamou a atenção. Meses antes, o embaixador norte-americano na Guatemala fora metralhado por guerrilheiros urbanos. Ao ver seu colega no Brasil circular de forma tão despreocupada, não passou pela nossa cabeça um atentado contra sua vida, mas capturá-lo como moeda de troca por Vladimir Palmeira [que estava preso há 11 meses]” (trecho do livro de Cid Benjamin). Os movimentos armados contra a ditadura militar atravessavam um momento difícil: a edição do AI-5, em dezembro de 1968, que endureceu a repressão, e uma série de prisões haviam desestruturado a guerrilha contra o regime. As lideranças do MR-8 e alguns dirigentes da ALN (parte da direção não apoiou o sequestro) acreditavam que a libertação dos presos demonstraria à opinião pública a força da oposição. O carro diplomático (um Cadilac preto) que transportava Elbrick foi rendido pelos militantes que usaram uma Kombi na ação. O motorista do embaixador foi deixado nas proximidades e Elbrick foi levado para uma casa no bairro de Santa Teresa. “O cativeiro do embaixador norte-americano foi descoberto ainda durante o sequestro e muitos dos que entravam ou saíam da casa tinham sido fotografados. Como vários de nós éramos fichados na polícia, por termos sido presos no Congresso da UNE de Ibiúna, em outubro de 1968, ou por termos tido papel de destaque nas manifestações estudantis contra a ditadura, não foi difícil nossa identificação” (trecho do livro de Cid Benjamin). Segundo Cid Benjamin, o embaixador falava português pois já tinha servido em Portugal e não era um defensor da política do governo norte-americano, que apoiava ditaduras de direita na América Latina. “Sem que Elbrick percebesse, chegamos a gravar conversas nas quais ele elogiava o trabalho de dom Helder Câmara e se dizia contrário à censura à imprensa e à tortura de presos políticos” (trecho do livro de Cid Benjamin). Exigências atendidas e a reação dos militares linha-dura O sequestro durou quatro dias e entre os presos políticos que foram libertados e embarcaram rumo ao México estavam o lendário comunista Gregório Bezerra (PCB), o líder sindical José Ibrahim, Onofre Pinto da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), os líderes estudantis Luís Travassos e José Dirceu, o jornalista Flávio Tavares, dentre outros. Após sua libertação, Elbrick chegou a declarar ao jornal Última Hora de 8 de setembro, de 1969: “fui muito bem tratado. Eles até me deram charutos e lavaram a minha camisa”. Os militares não gostaram da entrevista do embaixador e ele foi substituído pelos Estados Unidos poucas semanas depois. Flávio Tavares lançou o livro Memórias do Esquecimento em 1999 (uma edição ampliada saiu em 2005 pela Editora Record), em que ele narra o sequestro e sua trajetória de luta contra o regime. Tavares declarou em 2005 ao Estadão: “o livro foi a minha catarse ou minha salvação e libertação interior… só enfrentando a memória pude vencer os fantasmas e viver em paz”. O filho de Flávio, Camilo Tavares, dirigiu o documentário ‘O dia que durou 21 anos’ sobre o golpe militar. Leia texto sobre o filme. No início da década de 60, Tavares trabalhou como comentarista político do jornal Última Hora, de Samuel Wainer, quando cobriu eventos como a Conferência da Organização dos Estados Americanos, em Punta del Leste, Uruguai, em 1961. Lá, ele conheceu Ernesto Che Guevara que era o delegado de Cuba. Sobre essa experiência, Tavares escreveu Meus 13 dias com Che Guevara, lançado no ano passado. Há cerca de um mês, Tavares também lançou O Golpe de 64, em que foca a participação dos Estados Unidos no golpe contra o presidente João Goulart. O jornalista retrata em seu livro Memórias do Esquecimento como, por muito pouco, a troca dos prisioneiros políticos pelo embaixador foi impedida pelos paraquedistas ultradireitistas do Exército: “na tarde de nossa partida, uns 40 oficiais paraquedistas da Brigada Aeroterrestre saíram da Vila Militar, em três caminhões, para impedir que os prisioneiros entrassem na Base Aérea ou, se fosse o caso, para nos retirar de lá à força e, de imediato, executar todo o grupo. Os oficiais planejavam nos raptar, levando-nos ao centro do Rio para nos enforcar de um a um na Cinelândia, defronte ao Theatro Municipal, naquele mesmo sábado. Havia apenas uma dúvida — alguns queriam nos “metralhar”, mas a ideia da forca era dominante”. (trecho do livro de Flávio Tavares) Felizmente, os paraquedistas enfrentaram um congestionamento devido a um jogo no Maracanã que os reteve por mais de meia hora na avenida Brasil. Os militares identificados como de linha-dura (que não aceitavam qualquer negociação com a guerrilha) chegaram à Base Aérea 20 minutos após a decolagem do avião que transportou os presos políticos ao México. A guerrilha contra o regime realizou mais três sequestros de diplomatas estrangeiros em 1970: o cônsul japonês Nobuo Okushi, o embaixador alemão Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben e o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher também foram capturados como método de pressão ao regime militar. O documentário Hércules 56 e a história de Jonas Realizado em 2006 pelo diretor Sílvio Da-Rin, o documentário Hércules 56 relata o sequestro do embaixador. Para isso,