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governo joão goulart 1961 1964

Jango no comício que mudou o destino do país

JANGO – Em 13 de março de 1964, o presidente João Goulart reuniu 150 mil pessoas no Comício da Central do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em prol das chamadas reformas de base de seu governo. Carlos Lacerda, governador da Guanabara e um dos principais opositores de Jango, teve a ideia de decretar feriado no dia 13 de março acreditando que, com isso, os trabalhadores não iriam ao comício. A tentativa não deu resultado. Organizado por uma comissão de líderes sindicais, o comício mostrou aos opositores o apoio popular às reformas propostas pelo governo, que pretendiam modernizar a estrutura do país em vários setores como o agrário, bancário, administrativo e eleitoral. João Goulart discursou por cerca de uma hora. No início, atacou os “democratas” e sua “democracia anti-povo e anti-reforma”. Jango os acusou de defender “uma democracia dos monopólios nacionais e internacionais”. Mais adiante, ele propôs a revisão da Constituição de 1946, “que legaliza uma estrutura socioeconômica já superada” e a necessidade de “colocar fim aos privilégios de uma minoria”. Jango defendeu também a extensão do direito de voto aos analfabetos, soldados, marinheiros e cabos, assim como a elegibilidade para todos os eleitores. Escute trecho do discurso de Jango: Leia também texto sobre a busca da causa da morte de Jango Quinze oradores precederam o presidente da República. O mais aplaudido foi Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul e deputado federal pelo PTB carioca, que exortou o presidente a “abandonar a política de conciliação” e instalar “uma Assembleia Constituinte com vistas à criação de um Congresso popular, composto de camponeses, operários, sargentos, oficiais nacionalistas e homens autenticamente populares”. As propostas que levaram a elite brasileira ao desespero As propostas de Jango mexiam em interesses poderosos e arraigados há séculos no país. Entre elas, o presidente pretendia desapropriar terras com mais de 600 hectares, além de áreas que ladeavam rodovias e ferrovias nacionais. Para realizar uma reforma educacional, o governo utilizaria 15% da receita tributária brasileira. Entre os projetos nessa área, constava uma ampla reforma de erradicação do analfabetismo, baseada nas experiências pioneiras do educador Paulo Freire. Na economia, Jango propunha um controle da remessa de lucros das empresas multinacionais para o exterior e o imposto de renda seria proporcional ao lucro pessoal. Com relação à Petrobrás, afirmou que assinara pouco antes o decreto de encampação de todas as refinarias particulares, que passavam a pertencer ao patrimônio nacional.  ” A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver. Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças , porque não têm dinheiro para comprar… (A reforma agrária) interessa, por isso, também a todos os industriais e comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim à nossa vida social e econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria e no bem-estar do seu povo”. (trecho do discurso de Jango) O livro Jango, a vida e a morte no exílio, do professor Juremir Machado da Silva, descreve a entrega pessoal de Jango ao comício: “Sai exausto. Quase desmaia no carro, para desespero de Maria Thereza. Ao chegar ao palácio, amassado e sem os botões da camisa, o velho Braguinha pergunta: — Que foi que aconteceu, presidente, o senhor parece que está vindo de uma guerra. Está mesmo. Chega vitorioso. Acaba de travar a sua mais franca batalha, de peito aberto, corpo exposto aos inimigos. Essa vitória terá o seu preço. A conta chegará logo”. Pelo que já se sabe, a ofensiva dos setores conservadores do país não demorou a acontecer. Em 19 de março, dia de São José, considerado o padroeiro da família, milhares de paulistanos saíram às ruas na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. O pânico incutido por quase toda a mídia (a exceção mais conhecida era o Última Hora, jornal de Samuel Wainer) na classe média contra a “ameaça vermelha” levou, duas semanas depois, ao golpe militar. Leia a matéria da Folha  (dica da jornalista e blogueira @cynaramenezes) claramente favorável  sobre a marcha conservadora em São Paulo. Fontes: livro Jango, a vida e a morte no exílio de Juremir Machado da Silva, CPDOC-FGV e Folha de São Paulo. O renascimento do Jango antropofágico https://urutaurpg.com.br/siteluis/como-ministro-de-getulio-jango-revelou-entranhas-brasil/

A busca pelo fim do mistério sobre a morte de Jango

Morte de Jango – Ontem, dia 1º de dezembro de 2014, a equipe de peritos coordenada pela Polícia Federal informou que não encontrou veneno na perícia nos restos mortais de João Goulart. Porém, a análise que durou cerca de um ano pode ser considerada inconclusiva já que a passagem do tempo pode ter apagado os vestígios de um possível envenenamento. A família de Jango não está satisfeita com o resultado e diz que continua na busca pelos motivos da morte do ex-presidente. Jango morreu em 6 de dezembro de 1976 e, há 38 anos, não há resposta conclusiva para uma das perguntas mais intrigantes da recente história brasileira: o ex-presidente João Goulart foi envenenado por agentes da ditadura brasileira? Jango morreu na cidade de Mercedes, na Argentina, no exílio. Desde 2007, a família de Jango pedia a exumação do corpo, já que não houve autópsia na ocasião da morte e sua certidão de óbito indica como causa: enfermidad. Em novembro do ano passado, os restos mortais do ex-presidente foram exumados e transportados pela Força Aérea Brasileira (FAB) para Brasília no dia 14 de novembro, quando foi realizada uma cerimônia com honras de chefe de Estado. Após os exames necessários, o corpo de Jango voltou para sua cidade natal em 6 de dezembro. O documentário Dossiê Jango (lançado em julho de 2013), de Paulo Henrique Fontenelle, conta como a presença de Goulart incomodava a ditadura argentina e investiga a teoria de envenenamento do presidente deposto em operação dos governos do Brasil e da Argentina, com o auxílio da CIA. O filme reconstrói a história do golpe de 64, que completa 50 anos. O documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, também abordou o golpe civil-militar de 64. Leia texto sobre o filme. O filme de Fontenelle tenta esclarecer outra dúvida histórica: por que Jango não resistiu ao golpe militar? O ex-governador baiano Waldir Pires, que ocupou o cargo de consultor-geral no governo Jango, afirma que “Jango temia muito uma divisão do Brasil como aconteceu na Coréia e Vietnã”. O filho de Jango, João Vicente, faz coro, orgulhoso da sensatez paterna: “meu pai evitou uma guerra civil no Brasil”. João Vicente protagoniza o clímax de Dossiê Jango quando, sob o disfarce de repórter da TV Senado, revela sua real identidade ao ex-agente uruguaio da Operação Condor (ação conjunta dos governos militares do Cone Sul na caça aos opositores), Mario Barreiro Neira. O último afirma que participou da espionagem e do cerco a Jango na Argentina e revela que Jango foi envenenado por ordem direta do presidente militar Ernesto Geisel. Neira atualmente está preso no Brasil por roubo e contrabando de armas. O envenenamento de Jango teria sido feito por meio da troca de medicamentos que Jango tomava por sofrer de problemas cardíacos. O filme mostra a terrível coincidência da morte de 16 pessoas que, de alguma forma, tiveram conexão com o assassinato. O filme ainda aborda a improvável coincidência das mortes consecutivas de Lacerda, Juscelino e Jango em circunstâncias suspeitas.   E se Jango foi assassinado? Em exercício de futurologia, imaginemos o que ocorrerá caso as suspeitas revelem-se verdadeiras. No mínimo, outras perguntas ficarão no ar: quem são os culpados pelo envenenamento? eles serão punidos? quem foi o responsável pela ordem de assassinar o presidente deposto? Uma coisa é certa: no mínimo, existirá a necessidade de reimpressão dos livros de História. A exumação de Jango acontece em momento curioso. A um ano da eleição presidencial, os ânimos entre direitistas e esquerdistas transformaram a web e, em particular o twitter, em ambiente conflagrado. A investigação da morte de Jango deve acirrar ainda mais as opiniões contrárias. O diretor Silvio Tendler, autor do documentário Jango, de 1984, foi vítima de um episódio que demonstra o retorno de uma certa truculência no debate político. Em março do ano passado, houve um tumulto entre policiais e manifestantes no protesto contra a ‘celebração’ do aniversário do golpe no Clube Militar do Rio de Janeiro. Tendler foi intimado a prestar depoimento na delegacia em queixa-crime movida pelo Clube Militar. O surreal do episódio é que Tendler não estava presente no protesto, estava em casa recuperando-se de uma cirurgia. Há quase um ano, o diretor está em uma cadeira de rodas. A única atitude do documentarista relacionada ao protesto foi a gravação de um vídeo de apoio ao ato.   Jango, por Tendler O documentário Jango, de Tendler, mostra em quase duas horas uma verdadeira biografia cinematográfica de João Goulart. Tendler já abordou em seus documentários figuras ímpares como Glauber Rocha (Glauber, o filme – Labirinto do Brasil, de 2003) e Juscelino Kubitschek (Os anos JK, de 1980). Em entrevista à jornalista Eleonora Lucena, o diretor lembra como surgiu a ideia de realizar seu filme. “Li no jornal que o Raul Ryff, que tinha sido secretário de imprensa do Jango, estava com umas cópias de filmes de visitas do Jango a China e a URSS. Telefonei para ele – eu não o conhecia – e pedi para vê-las … Ele me convidou para jantar e atacou de bate-pronto: ‘Por que não fazes um filme sobre o Jango?’” O filme lotou as salas durante o período das Diretas Já e chegou a um milhão de espectadores. Inclusive a música “Coração de Estudante”, que acompanha o final  do documentário, foi a música que simbolizou a luta pelas eleições diretas para Presidente. Assista ao filme na íntegra: [su_youtube_advanced url=”https://youtu.be/1O4SZQZ-ikk”]   (texto atualizado em 2 de dezembro de 2014) No enterro de Jango, o começo de uma caminhada