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Reconstrução se faz com mobilização

A vi­tória elei­toral de Lula si­na­liza a der­rota das forças des­tru­tivas que se apo­de­raram da ad­mi­nis­tração fe­deral nos úl­timos quatro anos. Não sei se o lema do novo go­verno – “União e Re­cons­trução” – se trans­for­mará em fato. União na­ci­onal não é ta­refa fácil. A cul­tura bol­so­na­rista, im­preg­nada de ódio, con­ta­minou inú­meras pes­soas que se so­maram aos 58 mi­lhões de votos re­ce­bidos por Bol­so­naro no se­gundo turno. E não há pos­si­bi­li­dade de união na­ci­onal nessa so­ci­e­dade in­jus­ta­mente mar­cada por gri­tante de­si­gual­dade so­cial. Con­tudo, re­cons­trução é viável. Lula tem plena cons­ci­ência do que pre­cisa ser feito. Seus dis­cursos de posse ex­pressam o ca­ráter deste ter­ceiro man­dato, onde se des­tacam três pri­o­ri­dades: com­bater a fome e a in­se­gu­rança ali­mentar; re­duzir a de­si­gual­dade so­cial; pro­teger nossos bi­omas e for­ta­lecer as po­lí­ticas so­ci­o­am­bi­en­tais. Lula está atento ao que de­veria ter sido feito em seus pri­meiros man­datos e, por força da con­jun­tura, não acon­teceu. Sabe que, agora, é talvez sua úl­tima opor­tu­ni­dade de go­vernar o Brasil. Na con­versa pri­vada que ti­vemos no Ita­ma­raty, na noite de 1º de ja­neiro, eu disse a ele que este é o início de seu pe­núl­timo man­dato. Ele sorriu. Estou con­ven­cido de que será can­di­dato à re­e­leição em 2026, aos 81 anos. A quem alega a idade avan­çada, lembro do car­deal Ron­calli, eleito papa João XXIII com 77 anos, em 1958, e com 80 pro­moveu uma re­vo­lução na Igreja Ca­tó­lica ao con­vocar o Con­cílio Va­ti­cano II. Nos man­datos an­te­ri­ores, Lula as­se­gurou sua go­ver­na­bi­li­dade pelo mo­delo “saci-pe­rerê”, apoiada em uma só perna: o Con­gresso Na­ci­onal. Agora sabe que a perna mais im­por­tante é a da mo­bi­li­zação po­pular. Es­pero que mi­nis­tros e mi­nis­tras se deem conta de que apoio po­pular não se con­funde com os 60 mi­lhões de votos re­ce­bidos por Lula. De­pende de in­tenso tra­balho pe­da­gó­gico. Não brota do es­pon­ta­neísmo nem re­sulta au­to­ma­ti­ca­mente das po­lí­ticas de in­clusão so­cial. Feijão não muda au­to­ma­ti­ca­mente a razão. Par­ti­ci­pação ci­dadã advém de cons­ci­ência crí­tica, or­ga­ni­zação e mo­bi­li­zação. E o go­verno fe­deral dispõe de am­plos re­cursos para pro­movê-las, desde po­de­roso sis­tema de co­mu­ni­cação à se­leção de li­vros di­dá­ticos. So­bre­tudo va­lo­rizar a ca­pa­ci­tação po­lí­tica de seus re­pre­sen­tantes em con­tato di­reto com a po­pu­lação, como os 400 mil agentes co­mu­ni­tá­rios de saúde. Sem povão não há so­lução! Brasil avermelhou Meus votos a presidente Slogan do governo Lula será “União e Reconstrução”; veja      

O histórico Ministério dos Povos Originários

A posse de Sônia Guajajara como ministra do Ministério dos Povos Originários foi recheada de emoção e simbolismo. Não por acaso, feita junto com a posse de Anielle Franco no Ministério da Igualdade racial. Por isso mesmo, reuniu negros, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e toda essa gente que sempre esteve fora dos círculos de mando no país. Foi bonito de ver. No caso dos povos originários é importante lembrar que o Brasil tem o maior número de etnias. São 305 etnias e 274 diferentes línguas. Segundo os últimos números do IBGE são quase um milhão de indígenas que ocupam 13% das terras brasileiras. Observando a população geral, o número parece pequeno, mas há que observar a importância destas comunidades na proteção do ambiente. Os povos originários carregam na sua cosmovivência a ideia de que não há separação entre o homem e a natureza, daí o cuidado que têm com o espaço geográfico no qual habitam. E esta é uma prática que favorece toda a população. Foram os povos originários os primeiros a serem atingidos pelo governo de Jair Bolsonaro quando assumiu o mando em 2019. Sua proposta era acabar com a proteção das comunidades e integrar os indígenas ao mundo do trabalho, expulsando-os de suas terras e jogando-os nas cidades para engrossar o cordão de misérias. E desde o primeiro dia os povos originários lutaram contra isso, sofrendo as mais duras violências. A prática da invasão de terras por grileiros, fazendeiros, madeireiros e mineradores, incentivada pelo governo, garantiu mortes, estupros e outras violências de todo o tipo. Foram suspensas as demarcações de terras indígenas e começou uma campanha para anular as que já haviam sido feitas. Uma luta sem trégua foi travada e por isso mesmo foi extremamente simbólico ver toda aquela festa no centro do poder político. Além do Ministério dos Povos Originários dirigido por Sônia Guajajara, a Funai – desmantelada durante o último governo – também será comandada por uma indígena, a deputada Joênia Wapichana, e a partir de agora passará a se chamar Fundação Nacional dos Povos Originários, saindo do Ministério da Justiça e integrando-se ao dos Povos Originários. É a primeira vez na história que os povos indígenas formularão eles mesmos as políticas para suas comunidades. Este é um desafio importante para os povos originários que precisarão dar contas de seus dramas e problemas cotidianos – tais como as demarcações de terra, saúde, educação e outros – bem como da necessária compreensão de que o grande inimigo é o sistema capitalista de produção. É fato que foi o homem branco que aqui pisou em 1500, trazendo a violência e a opressão, mas também é fato que este invasor foi a ponta de lança para a instalação das bases do capital nas terras de Pindorama. E, hoje, é o capital aquele que avança sobre as terras, buscando mais e mais acumulação. A unidade dos povos originários com os trabalhadores que lutam por outra maneira de organizar a vida é fundamental para construir esse novo Brasil, do qual falou Sônia na sua posse. “Nunca mais o Brasil sem a gente”, ressaltou, mas também reverenciou pessoas não-indígenas, como o jornalista Dom Phillips e Bruno Pereira, assassinados na Amazônia, por fazerem parte desse grupo que luta junto com os povos originários, atentos às suas particularidades, mas sem perder a relação com o todo. Anielle Franco, irmã da vereadora Marielle Franco, assassinada por milicianos no Rio de Janeiro, que assumiu o Ministério da Igualdade Racial também fez um discurso forte sobre a situação da população negra no Brasil, sempre excluída e massacrada desde a chamada abolição, e como Sônia também convidou os não-negros a caminharem juntos na construção de um país sem racismo e bom de viver. Uma caminhada de trabalhadores e trabalhadoras capazes de mudar o sistema, e não de apenas amansá-lo. Porque o capitalismo tem seus hábitos alimentares inamovíveis, o que inclui destruir a vida daqueles que têm apenas o seu corpo e a sua força de trabalho para vender, e dos que ainda conseguem viver de maneira solidária e cooperativa. São hábitos que não mudam, ainda que o discurso pareça domesticado. Não dá para se enganar. Não há “inclusão boa” no capitalismo. Não dá para negar que esse é um momento importantíssimo para os indígenas e para os negros, historicamente apartados do centro das decisões, e é preciso celebrar. Mas, não pode ser unicamente um espetáculo cheio de emoções. Ele é um momento tático de uma estratégia maior, que é a construção do chamado mundo novo, e por isso precisa ser também o fortalecimento de uma aliança inquebrantável do povo trabalhador, dos pequenos camponeses, quilombolas, ribeirinhos, indígenas, ciganos e toda a gente que enfrenta a sanha do capital avançando sobre suas terras e sobre suas vidas. O inimigo é o capital. E é tempo de destruí-lo. O Ministério dos Povos Originários Os trabalhadores e os indígenas Terras indígenas são estratégicas contra mudanças climáticas, defende deputada Joenia Wapichana

O ecossistema informativo nacional no governo Lula

O governo brasileiro que assumiu há poucos dias terá pela frente um desafio inédito na política nacional, porque seu sucesso dependerá mais da forma pela qual vai se comunicar com a população do que pela realização de projetos e obras. Parece um absurdo, uma incongruência, mas é uma realidade nova que reflete as mudanças em curso no modo como a informação e a comunicação passaram a ser preponderantes na política brasileira e mundial. A principal mudança na gestão do país parece ser a de que os chefes de poderes executivos nacionais, estaduais e municipais terão que se comunicar mais com a população do que assinar papéis e negociar com políticos e empresários. É que na era digital, a sustentabilidade política de um governo passou a depender, fundamentalmente, da forma como um presidente é percebido por milhões de pessoas que frequentam as redes sociais. A percepção política integra o que os especialistas em comunicação chamam de ecossistema informativo, ou seja, o conjunto de fatores sociais, econômicos, políticos, culturais e tecnológicos que condicionam a maneira como as pessoas desenvolvem o seu conhecimento do mundo em que vivem. Até agora as percepções envolviam dois tipos de conhecimento sobre fatos, dados e eventos noticiados pela imprensa: o conhecimento de alguma coisa e o conhecimento sobre algo. No primeiro caso, temos o puro registro de uma novidade, como por exemplo, quando lemos uma manchete de jornal. Sabemos o que aconteceu, mas ignoramos porque, como, os antecedentes e as consequências de uma notícia. A opinião pública na era digital não é mais formada a partir da lógica, causalidade e reflexão. O volume, diversidade e a velocidade com que as informações são jogadas no meio social impedem as pessoas de raciocinar como antes. Estamos na era do impacto informativo, onde as percepções são formadas a partir do acúmulo de notícias, dados, fatos e eventos, ou seja, através do bombardeio informativo nas redes sociais e em veículos convencionais como os canais noticiosos em redes fechadas de TV. A estratégia informativa do impacto é a responsável pelo fato de tantas pessoas acabarem ignorando a lógica e o chamado bom senso. Bolsonaro usou esta técnica para criar percepções distorcidas em suas lives das quintas-feiras, cujo conteúdo era depois reforçado pela reprodução em massa da mesma mensagem, numa operação coordenada pelo chamado gabinete do ódio, instalado no Palacio do Planalto. Ferramenta obrigatória O uso, durante a última campanha eleitoral, da técnica de acumulação de postagens impactantes através das redes sociais, conseguiu inclusive compensar as resistências da grande imprensa nacional à campanha de reeleição do presidente Bolsonaro. No passado, o apoio de grandes jornais e redes de televisão era um elemento decisivo para a viabilidade eleitoral de candidatos e para a sustentabilidade política de presidentes, governadores e prefeitos. Agora, a grande imprensa dedica boa parte de sua agenda noticiosa a repercutir postagens impactantes, boa parte delas fake news, produzidas nas redes sociais. A comunicação com a massa de usuários de redes sociais transformou-se numa ferramenta obrigatória para quem está no poder ou aspira a ele. O presidente eleito terá que adotar uma comunicação permanente com a população para buscar apoio para seus projetos, especialmente na primeira fase do seu governo, por conta da trágica herança financeira e administrativa deixada pelo seu antecessor. Lula não terá dinheiro suficiente para cumprir várias promessas eleitorais e precisará convencer seus seguidores a serem pacientes até que os problemas mais graves sejam resolvidos. O apoio da opinião pública é a única opção disponível para o novo chefe de governo, já que ele não conta com maioria efetiva no congresso nacional, dispõe apenas de uma temporária simpatia da grande imprensa, enfrenta resistências nas Forças Armadas e no setor empresarial privado. Esta conjuntura política e as novas condições criadas pelos impactos informativos na formação da opinião pública nacional aumentaram a importância que as estratégias de comunicação passam a ter nas prioridades governamentais. As armadilhas políticas das fake news Nós, jornalistas, temos uma dívida com Bruno e Dom Jornalismo e imprensa não são sinônimos

Por que tanto esforço para incriminar Lula?

por Guilherme Scalzilli A resposta simplificada: porque é, desde já, o candidato mais forte na eleição de 2018. Seus governos são imbatíveis comparativamente. Não há estatística do período 2003-2010 que perca para outra similar no recorte histórico disponível. Isso ocorre tanto para os índices abrangentes da macroeconomia quanto para minúcias setorizadas e regionais, passando pelo acesso a bens de consumo, à cultura, à educação, à cidadania. E, acima de tudo, pela redução de desigualdade. O lulismo é, de longe, a maior força isolada no cenário político nacional, exatamente porque não exige simpatia programática pelo PT. O voto antipetista se divide, à esquerda e à direita, em afinidades partidárias e pessoais amiúde incompatíveis no jogo de alianças. O lulismo agrega filiações diversas. Moro e o MPF comprovam a força de Lula Nenhuma liderança chegará à próxima disputa com a vantagem inicial de Lula. É bobagem omitir esse fato nas análises conjunturais, pois ele se manifesta em dados precisos e aferíveis. Ignorá-los não revela prudência ou isenção do observador, mas uma tendência infantil para o auto-engano. É atitude típica dos comentaristas de direita, que sempre subestimaram as chances do PT nas eleições presidenciais e sempre erraram. Mas existem grupos no campo oposicionista que não se satisfazem com narrativas confortáveis. Eles aprenderam a respeitar a dimensão político-eleitoral de Lula e vêm lutando arduamente para tirá-lo do páreo. Não se trata mais de abalar sua imagem pública. O fracasso eleitoreiro do julgamento do “mensalão” mostrou que o prestígio de Lula sobrevive mesmo sob implacável campanha negativa. A própria estratégia golpista refluiu, entre outros motivos, por causa da incerteza quanto aos efeitos negativos sobre o ex-presidente. A questão, portanto, é impedir a candidatura de Lula, suspendendo seus direitos políticos no TSE ou no STF, sob os convenientes auspícios da Ficha Limpa. Matar o projeto no estado embrionário, com o torniquete inapelável da legalidade. Eis o motivo da afoiteza com que procuradores e juízes tratam as “suspeitas” contra Lula e sua família. A rapidez garante que um eventual processo transcorra, ou pelo menos seja iniciado, antes que a Lava Jato se desmoralize de vez. E assim chegamos a uma resposta mais abrangente para a questão do título: a ofensiva contra Lula ocorre porque o Judiciário brasileiro se transformou num mecanismo capaz de atropelar a democracia para satisfazer interesses político-partidários. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli.