Zona Curva

impeachment dilma

“Quem não conhece o esquema do Aécio?”

por Guilherme Scalzilli As gravações de Sérgio Machado enterram de vez o imaginário honroso e republicano do impeachment. Elas fornecem o retrato perfeito do combate à corrupção que mobiliza o antipetismo e da imoralidade que acompanha o processo golpista. Chega a ser divertida a quantidade de flagrantes insinuando negociatas escusas junto ao STF. Como pode haver tantas pessoas, até de facções opostas, com a mesma pretensão? Nesse ritmo, os anais da Lava Jato correm o risco de reunir mais citações constrangedoras à corte do que ao próprio Lula… O episódio não ameniza o viés tendencioso do procurador-geral Rodrigo Janot. Pelo contrário. Ele precisa explicar, no mínimo, por que escondeu até agora a gravação de Romero Jucá, feita em março. Que outras informações continuam guardadas para não prejudicar o avanço do impeachment? Por outro lado, é necessário muito ceticismo diante das conversas. Se tucanos e líderes do governo interino tivessem motivos para recear a Lava Jato, não haveria impeachment em primeiro lugar. Talvez sequer a Lava Jato. As interpelações de Machado têm algo de teatral, que dificilmente passou despercebido pelos veteranos interlocutores. O vazamento não ocorre por acaso, ou num ímpeto qualquer de transparência. O resgate da imagem dos investigadores e o fortalecimento de certas alas peessedebistas da gestão Michel Temer elucidam os interesses envolvidos. Os métodos utilizados também, inclusive na cobertura midiática. Supondo tratar-se de um conluio entre o PSDB serrista e os procuradores, o sacrifício de Aécio Neves parece tão inevitável quanto uma cartada final contra Lula. Aécio é o bode expiatório perfeito para salvar as aparências imparciais da caça ao petista. Que sempre foi, e continua sendo, o grande objetivo desse espetáculo justiceiro. Tudo é imoral nas gravações, e não apenas seu conteúdo. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli.

Novo abalo político no Brasil: é hora da mídia começar a dizer golpe?

Novo abalo político é prova de que a remoção da presidenta era o único meio dos adversários evitarem que sejam responsabilizados por sua própria corrupção   por Glenn Greenwlad, Andrew Fishman e David Miranda, do The Intercept, extraído da Agência Carta Maior O país acordou ontem com a notícia das secretas e chocantes conversas envolvendo um importante ministro do recém-instalado governo brasileiro, que acendem uma luz a respeito dos reais motivos do impeachment da presidente democraticamente eleita, Dilma Rousseff. As transcrições foram publicadas pelo maior jornal do país, a Folha de São Paulo, e revelam conversas privadas que aconteceram em março, apenas semanas antes da votação do impeachment na Câmara. Elas mostram explícita conspiração entre o novo Ministro do Planejamento, Romero Jucá, e o antigo executivo de petróleo Sergio Machado – ambos investigados pela Lava Jato – à medida que concordam que remover Dilma é o único meio para acabar com a investigação sobre a corrupção. As conversas também tratam do importante papel desempenhado pelas mais poderosas instituições nacionais no impeachment de Dilma, incluindo líderes militares do país. As transcrições estão cheias de declarações fortemente incriminadoras sobre os reais objetivos do impeachment e quem está por trás dele. O ponto chave da conspiração é o que Jucá chama de “um pacto nacional” – envolvendo as instituições mais poderosas do Brasil – para empossar Michel Temer como presidente (apesar de seus múltiplos escândalos de corrupção) e terminar com as investigações uma vez que Dilma fosse removida. Segundo a Folha, Jucá diz que o impeachment levaria ao “fim da pressão da imprensa e de outros setores pela continuidade das investigações da Lava Jato”. Não está claro quem é o responsável pela gravação e pelo vazamento da conversa de 75 minutos, mas a Folha reportou que elas estão atualmente nas mãos do Procurador Geral da República. Jucá é líder do PMDB, partido do presidente interino Michel Temer, e um de seus três homens de confiança. Novas revelações serão provavelmente divulgadas nos próximos dias, tornando mais claras as implicações e significados destas transcrições. As transcrições contêm duas revelações extraordinárias que podem levar toda a imprensa a considerar seriamente chamar o que aconteceu no país de “golpe”: um termo que Dilma e seus apoiadores vêm usando por meses. Quando discutia a conspiração para remover Dilma como um meio de finalizar a Lava Jato, Jucá disse que as forças armadas do Brasil apoiam a conspiração: “Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir”. Ele disse ainda que os militares “estão monitorando o MST”, movimento rural de trabalhadores que apoia os esforços do PT pela reforma agrária e redução da desigualdade, e que liderou protestos contra o impeachment. A segunda revelação – e talvez mais significante – é a declaração de Jucá de que assegurou o envolvimento de juízes na Suprema Corte do Brasil, instituição apontada pelos defensores do impeachment como salvaguarda da credibilidade do processo e utilizada para negar a teoria do golpe. Jucá afirmou que “tem poucos caras [no STF]” a quem ele não tem acesso. O único ministro da Suprema Corte que ele alega não ter contato é Teori Zavascki, que foi apontado por Dilma e de quem – notavelmente – seria impossível obter apoio para barrar a investigação (a ironia do impeachment é que Dilma protegeu a investigação da Lava Jato da interferência daqueles que querem impedi-la). As transcrições também mostram Jucá dizendo que “a imprensa quer tirar ela,” e que “essa porra não vai parar nunca” – falando sobre as investigações – até que ela saia. As transcrições fornecem provas para quase todas as suspeitas e acusações expressas há tempos pelos oponentes do impeachment a respeito daqueles que conspiram para remover Dilma do poder. Durante meses, os apoiadores da democracia brasileira defenderam dois argumentos sobre a tentativa de remoção da presidente democraticamente eleita: (1) o propósito principal do impeachment de Dilma não era acabar com a corrupção ou punir os corruptos, mas justamente o oposto: proteger os verdadeiros corruptos dando-lhes poder com a saída de Dilma e, logo, permitindo que terminassem com as investigações da Lava Jato; (2) os defensores do impeachment (liderados pela oligarquia midiática nacional) não têm qualquer interesse em limpar o governo, mas tomar o poder que jamais conquistariam democraticamente, para então impor uma agenda de direita a serviço das oligarquias que a população brasileira não aceitaria. As duas primeiras semanas do recém-instalado governo de Temer mostram grandes evidências para ambos os argumentos. Ele nomeou vários ministros diretamente envolvidos em escândalos de corrupção. Um importante aliado que vai liderar a coalização de seu governo na Câmara dos Deputados – André Moura – é um dos políticos mais corruptos do país, alvo de múltiplas investigações criminais, não só por corrupção, mas também por tentativa de homicídio. O próprio Temer está profundamente implicado em casos de corrupção (ele enfrenta a possibilidade de se tornar inelegível pelos próximos oitos anos), e está correndo para implementar uma série de mudanças de direita orientadas para as oligarquias do país que o Brasil jamais permitiria democraticamente, inclusive medidas, como detalhado pelo Guardian, para “suavizar a definição de escravidão, reverter a demarcação de terras indígenas, cortar programas de construção de casas populares e vender ativos estatais em aeroportos, serviços públicos e os correios”. Mas, ao contrário dos acontecimentos das últimas semanas, essas transcrições não são meras evidências. Elas são provas: provas de que as principais forças por trás da remoção da Presidente entenderam que removê-la era o único meio de se salvarem e de evitarem que sejam responsabilizados por sua própria corrupção; provas de que os militares brasileiros, as principais organizações de mídia, e sua Suprema Corte foram conspiradores ativos na remoção da presidente democraticamente eleita; provas de que os agentes do impeachment viam a presença de Dilma em Brasília como garantia de que as investigações da Lava Jato continuariam; provas de que nada daquilo tinha a ver com a preservação da democracia brasileira, mas com sua destruição. Por sua parte, Jucá admite que essas transcrições são

O governo tucano de Michel Temer

por Guilherme Scalzilli  É absurda a ideia de que entre os governos Dilma Rousseff e Michel Temer há pouca diferença programática. Basta observar o que os golpistas fizeram com as áreas sociais, culturais e diplomáticas do ministério para se ter noção do retrocesso em andamento. Mas há um diferencial ainda mais evidente: o PSDB. José Serra, Fernando Henrique, Geraldo Alckmin, Aécio Neves, todas as lideranças do partido foram agraciadas com cargos nos vários escalões da máquina. Desde 2002 não ocorria algo parecido. Supondo inevitável que o PMDB e os partidos nanicos aderissem a qualquer vitorioso em 2014, o que temos é uma versão próxima de um eventual governo Aécio. O golpe inverteu o resultado das eleições. Sem eleições. Aí percebemos por que é falacioso afirmar que o voto em Dilma dá legitimidade aos atos do seu vice. Temer não apenas traiu o projeto administrativo que o elegeu, mas também abraçou um partido adversário na disputa, rejeitado pelas urnas. Por mais que Dilma tenha recuado em suas plataformas, manter peessedebistas fora do Planalto representou uma fidelidade mínima a compromissos de campanha. Esse detalhe estava claro na polarização do segundo turno e, como vemos, tinha enorme importância para os rumos da gestão federal. No empoderamento do PSDB revela-se a essência antidemocrática do impeachment. A entrega de postos estratégicos ao partido viola princípios básicos de representatividade, impondo ao país uma agenda que ele não debateu e muito menos aprovou. A guinada tucana explica a sanha vergonhosa com que os golpistas tomaram de assalto o poder interino. A consumação rápida e implacável da hegemonia do PSDB é uma forma de nocautear a sociedade brasileira antes que ela perceba o tamanho do prejuízo. Publicado originalmente no Blog Guilherme Scalzilli. Ligado no dois de agosto Temer, o presidente-fantasma Elis, o meu coração e a PEC do Temer  

A longa tradição de golpes ‘brancos’ no Brasil

Engana-se quem pensa que estamos diante de um fenômeno ‘novo’ em nossa história: o que não falta em nossa história são golpes como o de agora. por Flávio Aguiar – de Berlim, publicado na Agência Carta Maior O golpe em curso no Brasil, e que nesta quarta-feira vai atingir um novo momento de clímax com a votação do afastamento da presidenta Dilma Rousseff, consagrou aqui na Alemanha o nome “kalter Putsch” – “golpe frio” – como sua certidão de batismo. Criada, ao que parece, pela revista Der Spiegel, a expressão se espalhou por toda a imprensa alemã. Na nossa tradição o nome consagrado para este tipo de golpe que está sendo dado é “golpe branco”, por oposição a “golpe militar”. Tradição? Sim, porque se engana quem pensa que estamos diante de um fenômeno “novo” em nossa história. Nela abundam “golpes brancos”. Bem, os há de todas as tonalidades, do cinzento ao marrom, por exemplo. “Marrom”? É, “marrom”, porque quase todos os golpes no Brasil, de 1954 para cá, contaram com a participação ativa e conspirativa de nossa “imprensa, hoje “mídia marrom”, impropriamente chamada de “grande imprensa”, como nas campanhas sujas contra Getúlio em 1954 e contra Goulart em 63/64. E agora, mais uma vez, neste golpe de 2016. Um pouco sobre a ética em tempos de cólera Vamos a um rápido levantamento dos golpes brancos em nossa trajetória histórica. Constituição de 1824 A primeira Constituição do Império foi outorgada ao país por D. Pedro I, através de um golpe branco. Este foi precedido por um golpe militar. Em 12 de novembro de 1823, cansado pelas querelas entre as facções irreconciliáveis da Assembleia Constituinte que ele mesmo nomeara, D. Pedro I mandou a tropa cercá-la, prendeu alguns dos deputados e encerrou a questão. No dia seguinte nomeou uma comissão de “notáveis”, de sua escolha, e pediu/ordenou que ela redigisse a Constituição, jurada e outorgada por ele em 25 de março de 1824. Golpe da Maioridade. No começo da década de 1840 o Brasil achava-se tomado por rebeliões regionais de maior ou menor porte, como a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, que já durava cinco anos e ainda duraria mais cinco. Os sucessivos governos do Período Regencial não conseguiam debelá-las, engolfados também pelas dissensões entre as facções políticas da Corte. Por instigação do futuro Partido Liberal, sobretudo, o Senado proclamou a maioridade de D. Pedro II, então com 14 anos e sete meses de idade. O Segundo Império duraria até 1889. Deposição do Gabinete Liberal em 1868 Em 1868 a Guerra do Paraguai se arrastava. Caxias já era o comandante geral não só das tropas brasileiras, mas das aliadas. Entretanto, atritou-se crescentemente com os membros do governo, que pertenciam à chamada Liga Progressista. Pressionou então o Imperador, exigindo que, para continuar no comando, o gabinete fosse substituído. De fato, em 16 de julho de 1868 o Imperador dissolveu o gabinete e chamou os Conservadores ao poder, que eram próximos de Caxias. Eles ficariam no Gabinete até 1878. A República. Em 15 de novembro de 1889 a República foi proclamada num golpe de estado que deveria ser clássico, com a tropa formada e a deposição do governo imperial. O movimento era algo confuso, porque seu líder improvisado, o Marechal Deodoro, era monarquista e amigo pessoal do Imperador. De início, Deodoro cogitava apenas haver uma troca de ministério. Entretanto, pressionado pelos republicanos civis, que temiam a prisão de seu líder, Benjamin Constant, Deodoro decidiu levar a cabo a empreitada, e proclamou o fim do Império. Surpreendentemente, o Imperador aceitou pacificamente a situação. Pode-se dizer que ele, na prática, se auto-depôs, partindo com a família para a Europa e recusando soberanamente a pensão vitalícia que o novo governo lhe ofereceu. Transformou, assim, o golpe clássico numa espécie de golpe grisalho. A República proclamada não seria bem uma república, tornando-se, primeiro, um condomínio de militares e depois um condomínio das oligarquias, sobretudo a paulista e a mineira. O governo de Floriano Peixoto. Em 1891 o Marechal Deodoro mandou a tropa cercar o Congresso Nacional e fechou-o. Mas dias depois, já agastado pela constante crise política, renunciou. Dizia a Constituição que neste caso, antes do governo completar dois anos (os primeiros meses do governo de Deodoro tinham sido “provisórios”, e ele assumira de fato o governo “definitivo” em fevereiro de 1891), deveria ser chamada nova eleição. Mas o vice, Floriano Peixoto, entendeu que isto só se aplicava a governos eleitos diretamente. Como ele fora eleito indiretamente, decidiu continuar no cargo… E assim aconteceu. A República Velha Pode-se considerar o conjunto das eleições realizadas na República Velha como uma sucessão de golpes brancos, tamanha era a incidência de fraudes de todos os lados e da pressão exercida pelos governantes de plantão para se manterem nos respectivos cargos ou fazerem seus sucessores. A eleição e posse de Juscelino Depois da morte dramática e traumática de Vargas, em 1954, ocorreram novas eleições presidenciais em 1955. O mineiro Juscelino Kubitschek venceu, mas a UDN, Carlos Lacerda à frente, deflagrou nova campanha virulenta contra sua posse. Com apoio de alguns militares, a campanha atingiu seu ápice em novembro de 1955. O vice-presidente Café Filho renunciou, numa manobra para que o novo presidente empossado, Carlos Luz, que presidia a Câmara dos Deputados, chamasse novas eleições. Era o começo de mais um golpe branco. Entretanto o ministro da Guerra (hoje se chamaria ministro do Exército), Marechal Lott, deflagrou um contra-golpe, depondo Carlos Luz, prendendo Café Filho em sua casa, e empossando Nereu Ramos, 1º vice-presidente do Senado como presidente, que garantiu a posse de Juscelino. O parlamentarismo Depois da renúncia de Jânio Quadros em 1961, os três ministros militares tentaram impedir a posse do vice, João Goulart. Com o movimento de resistência (a Legalidade) liderado pelo governador Brizola, o Congresso Brasileiro achou uma saída conciliatória. Num autêntico golpe branco, votou a adoção do sistema parlamentarista, cerceando os poderes do presidente. O sistema cairia com o plebiscito de 1963. As eleições na Nova República. De fato, pode-se ler a derrota da emenda das

O golpe está nu

por Guilherme Scalzilli Falta base jurídica às duas denúncias aceitas pela Câmara no pedido de impeachment. Uma não se enquadra na Lei Orçamentária, que embasa constitucionalmente a questão. A outra atende às exceções abertas tanto na própria norma quanto na jurisprudência. Esses fatos já anulam a constitucionalidade do processo. A covarde anuência do STF não o legitima, assim como não legitimou o golpe militar de 1964. O mesmo vale para a proteção que Sérgio Moro, Michel Temer e Eduardo Cunha recebem do tribunal. Embora a Constituição exija parâmetros legais no julgamento, é possível acreditar que ela também autoriza decisões ideológicas ou oportunistas. Mas o atalho político, por definição, deve ter um respaldo mínimo de representatividade popular. Ocorre que os índices de aprovação do Legislativo (Cunha e Temer inclusos) são irrisórios, menores que os da própria Dilma Rousseff. Aliás, se o Congresso refletisse proporcionalmente a opinião pública, o impeachment não teria os votos necessários. Os deputados forneceram uma evidência grotesca da sua autoridade para avaliar casos de corrupção e “estelionato eleitoral”. De qualquer forma, ninguém que conheça a realidade administrativa brasileira acredita em pretextos éticos para derrubar o governo. A deposição de Dilma é, portanto, inconstitucional e arbitrária, politicamente ilegítima e moralmente indefensável. O caráter golpista do processo independe da retórica usada na sua propaganda. E continuará óbvio para quem se dispuser a abordá-lo com isenção. A vitória do impeachment jamais apagará a mancha da palavra golpe em sua pretensa harmonia legalista. Publicado originalmente no Blog Guilherme Scalzilli.

O Brasil pós dia 17

por Elaine Tavares O domingo, dia 17, foi trágico e cômico. Trágico porque vimos acontecer, ao vivo, em tempo real, um golpe contra a ainda frágil democracia burguesa brasileira. Um golpe de novo modelo, não mais com canhões e exército na rua, bem ao estilo do que já aconteceu em Honduras  e no Paraguai. Com acusações pueris, sem qualquer comprovação, e sem base legal, os deputados federais, os pouco mais de 500 que conformam a câmara, deram prosseguimento ao processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff. A votação foi risível e expôs o baixo nível daqueles que deveriam ser – em tese – os representantes da população. Muitos dos parlamentares pela primeira vez usavam da tribuna assim, em cadeia nacional, a ponto de os brasileiros descobrirem, abestalhados, por exemplo, que o cantor sertanejo, Sérgio Reis, era um deles. Nunca fora sequer citado nos noticiários da casa. Ainda assim, essas figuras estranhas à maioria da população foram se sucedendo no microfone votando pelo impedimento da presidenta, pelos mais estapafúrdios motivos, menos por algum crime ou ilegalidade que a mandatária tivesse cometido. “Pelo meu filho, pelo meu pai, pela minha que está de aniversário, por deus, para que as crianças de seis anos não mudem de sexo, em honra de um torturador”… Foi um festival de horrores. Uma deputada mineira, aos gritos de sim, sim, oferecia seu voto contra a corrupção ao marido, que, no dia seguinte foi preso pela polícia federal… por corrupção! O dia seguinte ao 17 foi de perplexidade. Estava consolidado o golpe com mais de 360 deputados votando pelo impedimento, sem que sequer soubessem qual era a acusação à presidenta. Foi uma gigantesca barganha política na qual os corruptos – a começar pelo presidente da Câmara, comprovadamente envolvido em vários escândalos – buscavam tirar do poder aquela que dera  espaço para que os crimes começassem a ser investigados. O Partido dos Trabalhadores perdia seus aliados e não conseguia barrar o golpe, que tanto atingiu a democracia quanto a figura da presidenta. Muito dessa derrota – há que se considerar – é também responsabilidade dessas alianças feitas no passado para garantir a governabilidade.  Os ratos deixavam o navio sem qualquer prurido e festejavam a queda. O vice-presidente, Michel Temer, assistia a votação em casa e já lançava notas à imprensa sobre o que iria fazer no “seu” governo. Grotesco e desleal, como já se apresentara desde o começo da crise. Sobre ele, que também assinou as famosas “pedaladas fiscais”, as quais imputam à presidenta como irresponsabilidades, não pesa nada. Aparentemente é o potencial “presidente” caso Dilma seja tirada do cargo. Nas redes sociais, no segundo dia pós perplexidade, os brasileiros começaram a criar memes com os absurdos ditos pelos deputados. E tudo virou uma grande piada. Uma maneira de elaborar o que passara. Enquanto isso, a mídia golpista seguia seu trabalho sujo, lançando confetes sobre Michel Temer, como se tudo estivesse já acabado para Dilma. Mas, as coisas não são assim. Agora, o processo está no Senado, a câmara alta, e ali também haverá uma comissão e discussão. Ou seja, ainda vão alguns dias para que os brasileiros saibam se Dilma sai ou fica. A considerar o resultado da votação na Câmara, é bem possível que não haja divergência no Senado e o mesmo resultado se dê. Mas, quem pode ter certeza? A política é movediça e o que é hoje, amanhã pode não ser. A conjuntura muda vertiginosamente. O Supremo Tribunal Federal que está, inclusive, com o processo contra Cunha, se manteve quieto, deixando o circo pegar fogo. Já a polícia federal iniciou a semana fazendo detenções de políticos envolvidos em casos de corrupção. O que os internautas já estão chamando de “maldição da Dilma”. Votou sim, contra a corrupção sendo corrupto? Pois agora a maldição vai te pegar! Há que ver até onde vai isso ou se é só um cardume de peixe pequeno. Mas a revista semanal mais propagandística da direita brasileira foi a que conseguiu levantar a revolta entre a mulherada do país. Saiu com uma matéria especial sobre a esposa de Michel Temer, que é 43 anos mais nova que ele. Num matéria risível mostra como a jovem quase primeira dama é bonita, recatada e “do lar”, ressaltando valores que há muito as mulheres já varreram de suas vidas. Um texto machista e grotesco, tentando comparar a jovenzinha com a presidenta Dilma. E num tom bem diferente do discurso misógino dos deputados golpistas que, no plenário, no dia da votação, exibiam o cartaz escrito “tchau, querida”, explicitando o quanto lhes dói ser governado por uma mulher. Pois o burlesco texto da revista semanal foi o que bastou para que as mulheres invadissem as redes sociais com novos memes, ridicularizando a revista mais escrota do Brasil. É da natureza do povo brasileiro essa mania de fazer piada com tudo, sem deixar de ser crítico. A piada é, na verdade, o jeito de ser crítico. Foi um furor. Enquanto isso, na vida real, as organizações populares e sociais se articulam e buscam formas para enfrentar a nova fase do golpe, agora no Senado. Criam-se comitês em defesa da democracia, organizam-se passeatas e atos públicos. A vida segue pulsando. Ao mesmo tempo o governo também se articula e joga suas cartas. Ainda há muita coisa para acontecer. É fato que muito das movimentações agora visam defender o governo de Dilma, mas também é fato que povo na rua sempre pode ser surpreendente. Estar organizado, manifestar-se, manter-se caminhando é bem melhor do que a apatia, e daí muita coisa boa pode nascer. Muito mais do que defender Dilma ou a frágil democracia burguesa, as gentes em movimento também podem encontrar novos caminhos. A política pulsa, a vida segue. Publicado originalmente no Blog Palavras Insurgentes .

Carta para os jovens neste domingo

por Urariano Mota Em outubro de 2010, na eleição do primeiro mandato de Dilma, escrevi: O sentimento interno era de quarta-feira cinzenta, embora o sol no jardim, no céu azul, fizesse e faça um absurdo contraste entre a paisagem física e o que vem dentro do peito.  Com tanto canto de pássaro, com tantos sininhos que passam a anunciar sorvete, pra quê sofrer, ou como lembrava Vinícius, “pra quê sofrer / Se há sempre um novo amor / Em cada novo amanhecer”? Nem precisava dizer, mas sou obrigado, porque ao escrever tenho que ser claro, mais límpido e vivo que o sol agora na rua: estava triste, sem explicação ou norte para o comportamento eleitoral de parte dos jovens no último domingo. Chateado, para dizer o mínimo, porque esperava uma votação majoritária, eloquente, expressiva, para Dilma. Para quem já foi professor de jovens, e de muitos deles ou quase todos de área de risco, porque todo jovem sempre está em área de risco, material ou de angústia… Se me entendem, para quem tem filhos na idade dos 20, ou que acompanha os conflitos a ponto de explosão dos filhos de amigos que não adotaram a tática da conformação… Se me entendem, foi como uma traição dentro de casa, dentro do coração, para um bem muito precioso, tão ou mais importante que a vida. O dado objetivo, exterior, de cumprimento de dever eleitoral, cheio de pesquisas e números não nos atinge. Mas as pessoas em quem mais acreditamos, os que vêm depois de nós neste barco e jornada, sim.       “Eu não quero ver você cuspindo ódio /  Eu não quero ver você fumando ópio, pra sarar a dor / Eu não quero ver você chorar veneno…” Zeca Baleiro nos chegava porque naquele domingo o ouvimos muito, quase como uma premonição do que viria. “O melhor futuro este hoje escuro”, ouvíamos, apesar da onda do mar a bater no arrecife, no sol da tardinha. Já na jovem caixa do supermercado, já nas notícias dos filhos nas salas de aula, vinham notícias de que Dilma não era majoritária. Por quê? Assim foi em 2010. E a candidata Dilma foi eleita para seu primeiro mandato. Por sorte ou necessidade, nesta hora difícil de 2016, recebo uma mensagem de uma jovem estudante, que me pergunta: “Você acredita que o impedimento da presidenta vai realmente acontecer?” Então eu lhe respondi: “É a situação mais grave que o Brasil já passou depois da ditadura. Reúnem-se contra o voto popular a grande imprensa, empresários, o legislativo e largos setores do judiciário. Mas é um absurdo absoluto. Projetam retirar do poder uma presidenta que não é desonesta, que não rouba nem cometeu crime. Eu não sei se o impeachment passa. Mas sei que vai nos encontrar com o moral e a moral altos. Esta profunda crise tem, pelo menos, uma coisa boa: desperta a consciência política nos jovens, acorda as forças dos mais velhos, que andavam meio enferrujados. Estamos todos com a mesma idade”. E respondo enfim de outra maneira, com as linhas que escrevi esta manhã para um romance inédito. Ele fala da juventude dos anos da ditadura, que resiste nos velhos militantes. Vocês bem imaginam o quanto tem sido difícil a concentração quando tudo e todos nos exigem e reclamam para a luta lá fora. Ainda assim, pude escrever hoje: Nós não nos predizíamos uma idade madura, com os cabelos brancos. Essa possibilidade era uma impossibilidade. Só agora descubro por que o nosso peito estoura de alegria, quando o meu amigo abre os braços tentando abraçar o oceano: – Somos jovens.  E começamos a rir, como se ríssemos de um absurdo, porque aos 20 ou 21 anos não podíamos ser outra coisa, a não ser jovens. Esse era o nosso pretexto de rir. Mas ríamos de fato era com a hora que foge, que partia de nós como um trem-fantasma a penetrar no escuro. Assim foi, hoje. Então eu termino agora, à margem do romance, entrando na vida real e angustiante destes dias: que venha o próximo domingo. Haja o que houver, estaremos renovados. Com a juventude mais longa do coletivo que somos.

Não há novidades para os pobres

por Elaine Tavares A política brasileira deverá definir nesse domingo os destinos da presidência. Num processo de impedimento no qual a ré – no caso, a presidenta Dilma – cometeu crime algum, o “tribunal” armado no Congresso parece não levar em conta a lei. Nenhum argumento legal se sustenta na acusação de responsabilidade que se tenta imputar à Dilma. O trabalho da comissão que se definiu pela continuidade do processo de impedimento, que chega ao plenário nesse domingo, foi uma algaravia sem sentido, uma espécie de joguinho de cartazes, no qual o que estava em jogo era a capacidade performática de cada grupo. Tudo muito bem acompanhado pela mídia que deu foco naquilo que era de seu interesse, ou seja, a formação de uma opinião pública favorável ao impedimento, ainda que não haja nada que comprove qualquer irregularidade. Pelo contrário, numa comissão, na qual mais da metade dos deputados está envolvida em corrupção, a figura da presidente Dilma é a única que não aparece em qualquer lista ou caso de corrupção. O espetáculo do impedimento tem todas as características de um golpe e é por isso que as forças de esquerda – na sua maioria – assim o denomina. O modelo é o mesmo que já foi usado em Honduras, em 2009, e no Paraguai, em 2012. Levantam-se acusações estapafúrdias, sem base na realidade, e efetua-se o julgamento. Nada mais nada menos do que o mero exercício de retomada do poder. Assim, sem canhões ou tiros, dentro da “casa do povo” os grupos de interesses econômicos – representados por seus lacaios – definem os rumos do país. É o jogo no tapetão, com juiz e bandeirinhas comprados. Tudo está definido. Até o dia da semana foi escolhido a dedo. Domingo. Seria engraçado se não fosse trágico. Uma casa que funciona até quinta, vai se reunir no sagrado dia do descanso dos trabalhadores para decidir o destino da presidência. Nem Macondo seria capaz de tal criatividade. Mas, a escolha do domingo não foi ao acaso. Ela está colada ao dia que a classe dominante escolheu para realizar suas manobras de rua, devidamente respaldada por seus servos voluntários e ingênuos de plantão.   As ruas Ainda assim, o cenário do golpe judiciário/parlamentar é bem mais amplo do que pode oferecer a mídia igualmente golpista. Por todo o país milhares de pessoas se reúnem em passeatas, atos e protestos, manifestando-se contra o impedimento da presidenta. Grandes centros, como o Rio de Janeiro e São Paulo juntam milhões. Pequenas cidades do interior se levantam e os mais empobrecidos também se apressam em defender os pequenos ganhos que tiveram no governo petista. Migalhas, é certo. Mas, se antes nem isso havia, entendem que não podem dar passo atrás. Nas redes sociais também segue de vento em popa a luta de classe, finalmente expressa no Brasil “cordial”. Nessa hora de grande transcendência, poucos são os que ficam em cima do muro. É tempo de dizer de que lado se está, é tempo de aparecerem todas as contradições, de saltarem as verdades, as mentiras, os enganos e as escolhas. Vivemos nossa hora noa (a hora da angústia). É fato que para os trabalhadores essa hora parece nunca acabar. Os empobrecidos, os que vivem de vender sua força de trabalho, desde o início do capitalismo são jogados para cá e para lá, sem que sua opinião ou desejo seja levado em conta. O filósofo alemão Karl Marx, no seu texto sobre acumulação primitiva, no qual explica como se deu a base para o nascimento do capitalismo na Inglaterra, mostra como os camponeses foram arrancados de suas terras para dar lugar às ovelhas que produziriam a lã para a indústria nascente. Mostra também como toda essa gente foi encaminhada às cidades nascentes para servir de braço às indústrias, e como os que não conseguiam “se vender”, ao virarem mendigos ou vagabundos, eram criminalizados, presos, torturados e transformados em escravos. Naqueles dias, os governantes e os legisladores inventavam leis contra a “vadiagem” que eles mesmos haviam criado com a expulsão das gentes das glebas. Assim, os recém-nascidos trabalhadores livres já nasciam perdendo duas vezes: a terra e os direitos. Um crime de lesa humanidade que reduziu milhões de seres ao martírio de uma nova servidão, ainda mais cruel. Desde aí, em todo o mundo, os que dominam seguem fazendo a mesma coisa. Roubam as terras, roubam as possibilidades de sobrevivência e oferecem apenas a servidão. Em raros momentos da história do capitalismo, algumas nações conseguiram apontar para outro caminho, de terras repartidas, de riqueza repartida, de soberania dos trabalhadores.   O Brasil O governo petista, em ação desde 2003, não investiu na soberania. Seguiu no diapasão do capitalismo dependente, sem avançar em qualquer reforma estrutural. É fato que melhorou a vida de milhões de brasileiros, tanto dos que viviam a fome crônica – que hoje não a vivem mais – ou os que não tinham acesso aos bens de consumo.  Também permitiu o acesso à universidade a outros milhares de jovens que jamais passariam por perto de uma. Mas, isso não foi suficiente para qualquer transformação. Era e é apenas o capitalismo se expressando, fazendo girar a roda do consumo, no modelito “dependência”. Nenhuma guinada para o socialismo ou para um processo efetivo de participação popular na política. Ainda assim a elite oligárquica não perdoa. Quer os pobres no limite da existência para que possam ser mais bem conduzidos ao matadouro. É por isso que a Globo não mostra os protestos gigantescos, as passeatas ou as manifestações dos trabalhadores e dos empobrecidos. Torná-los visíveis é dar-lhes poder. Por isso os congressistas corruptos que julgam a presidenta não estão preocupados no mais mínimo com as manifestações populares. Enquanto elas não derrubarem a “bastilha” não há qualquer problema. A vida seguirá sendo decidida no tapetão. Apesar de tudo isso, as gentes seguem sua luta. Seja na consciência ingênua ou na crítica, a maioria sabe bem que o matadouro está bem ali, esperando, em qualquer das situações. Mas, sempre há o imponderável,

Os negócios do deputado

 por Fernando do Valle Paris, 2013 – Com andar trôpego, o deputado e sua mulher de olhar esbugalhado entram no restaurante já frequentado pela aristocracia francesa. Acomodados à mesa recebem a carta de vinhos e ela pede ao garçom vinho conhecido de boa safra. Ele fala ao celular com a mão esquerda próxima à boca, a mulher pede ao marido que desligue o aparelho “pelo menos agora”. O deputado nunca larga seu celular. Orgulhoso de suas conquistas, costuma sussurrar entre lençóis de linho em hotéis de até 7 estrelas nessas rotineiras viagens que “muitos invejam onde cheguei, tenho culpa se sou um homem de negócios bem-sucedido” e lembra do início da carreira como presidente da Telerj, da CEHAB e como tesoureiro carioca da campanha de Collor à presidência. Para lidar com tais negócios, se ele vacilar, a fila de concorrentes à vaga é longa. Uma mão maneja o cartão de crédito que paga a conta de 9 mil reais, na outra ainda o celular. Após observar a pompa dos convivas do restaurante, sua mulher retoca o rímel em um pequeno espelho retirado da bolsa de grife. Outro dia, tarde da noite, ao ouvir lenga-lenga de certa vossa excelência de Santa Catarina, evangélico como ele, sentiu saudades do restaurante parisiense, certa discrição é necessária desde que abriu processo de impedimento da presidenta em dezembro último depois que parlamentares do partido da mandatária votaram contra seus interesses no Conselho de Ética. Se 342 deputados seguirem o deputado, ele confia que pode reconquistar certa tranquilidade depois da rotina atribulada dos últimos meses. Miami, 2012 – Giorgio Armani é a loja preferida da mulher de olhos sempre abertos. Na volta das compras, o deputado, que prefere Ermenegildo Zegna, fez troça: “neste mês, já gastamos um apartamento com tantas compras, vá com calma”. O deputado adora saborear um caranguejo em Miami no Joes Stone Crab com sua filha que presta consultoria de marketing para colegas deputados do pai, para isso, a filha cursou MBA em universidade espanhola. Lista ecumênica de empreiteiro com dezenas de milhões em doações/propinas apelidou o deputado de caranguejo, seria pelas preferências culinárias do deputado ou por suas múltiplas habilidades para gerir negócios em várias frentes, não se sabe. Brasília, 2016 – O celular sempre indica um empresário, doleiro ou colega de plenário na fila de espera das chamadas, o deputado está com a orelha vermelha após horas do telefone no ouvido, ele tem receio do viva-voz, afinal não se pode confiar em ninguém em Brasília, ele repete. Risadas estridentes dos dois lados da linha na última ligação, “você trucou com 9, 9 pedidos, não há nada a temer”, fala do outro lado milionário com 3 offshores, o Panamá é logo ali (atenção: este grampo é fictício, nenhum juiz autorizou a quebra de sigilo telefônico do deputado). Na semana passada, ele fez um alerta aos outros deputados que haverá “suspeição e dúvidas sobre o caráter” dos que não comparecerem na votação que poderá iniciar a queda da presidenta da República. No próximo domingo, para provar que tem caráter, o deputado estará em sua cadeira de presidente na Câmara dos Deputados, que ocupa desde fevereiro do ano passado, eleito com 267 votos.

Enquanto o governo afunda

por Elaine Tavares A jogada do impedimento da presidente Dilma segue de vento em popa, com golpes e contragolpes no âmbito da casa legislativa, a qual abriga a comissão que julga o processo. Uma comissão que já é por si só suspeita, visto que boa parte de seus integrantes está envolvida em corrupção. Não bastasse isso, o próprio presidente da Câmara de Deputados tem a ficha suja e dinheiro escondido – comprovadamente – nos paraísos fiscais. É quase um cenário de ficção. No campo da investigação policial as coisas deram uma acalmada depois que saiu uma lista com os nomes de deputados de vários partidos, envolvidos com o recebimento de propina, paga pela grande empresa multinacional Odebrecht, para a defesa de seus interesses. A lista vazou e logo foi impedida de circular pelo mesmo juiz que tem insistido que não deve haver sigilo no caso da investigação contra Lula. Ficou meio difícil para ele explicar os dois pesos, duas medidas. Por outro lado o país segue sacudido pela vertiginosa sequência de fatos palacianos e partidários. O PMDB – que era o principal partido de base do governo, desembarcou. Depois de várias ameaças de deixar o governo, finalmente, em uma reunião relâmpago, tomou a decisão. Decidiram salvar a pele, caso haja uma decisão pelo impedimento da presidenta. Uma decisão tardia, enfim, pois se houvesse um mínimo de brio, já teriam dado o fora depois da ridícula carta de Temer a Dilma, reclamando sobre sentir-se um “enfeite” como vice. Ele mesmo não sai de cena nem do governo, pois, como foi eleito na chapa com Dilma, se ampara nesse fato para garantir a faixa de presidente caso haja o impedimento. Fica ali, de “enfeite”, conspirando para que o desfecho lhe seja favorável. Se formos pensar em termos de jogo parlamentar, a debandada do PMDB complica um bocado as chances da presidenta Dilma no desenrolar do golpe dentro do congresso nacional, mas em termos de força de classe não muda nada. Como bem aponta o economista Nildo Ouriques, em suas sistemáticas análises sobre os acontecimentos, na luta de classes, esses partidos – PT, PMDB, PC do B e outros que compunham e compõem a base do governo petista – atuam na defesa dos interesses da classe dominante. Daí o uso do termo “governo petucano”, cunhado pelo sociólogo Gilberto Felisberto Vasconcellos, para designar o comando atual do país. Um mistura de petismo (PT) com tucanismo (PSDB). É que nem a dita base de “esquerda”, nem a direita que hoje exige a queda de Dilma se diferencia no essencial que é a completa submissão aos interesses do grande capital. Isso fica bem claro na conjuntura, pois enquanto os trabalhadores saem às ruas, mobilizados contra o golpe em curso, os deputados – inclusive com o voto dos aliados do governo – vão aprovando leis que destroem direitos, que aprofundam o arrocho salarial, que privatizam serviços públicos, que entregam riquezas do país. E tudo devidamente sancionado pela presidenta, que em nenhum momento vira seu olhar para as mesmas gentes que estão nas ruas em sua defesa. É como um conto de terror. Defender o governo é inviável diante do quadro, embora se tenha claro que o que acontece é um golpe jurídico/parlamentar/midiático. Daí essa divisão entre os grupos de esquerda. Enquanto alguns acreditam que primeiro deve-se barrar o golpe e depois recrudescer a luta contra o governo petista, outros acreditam que é preciso tocar para fora todo mundo. Nem o PT e seus aliados, muito menos o PSDB e sua trupe. “Que se vayan todos”. Por outro lado, ainda não se vislumbra uma força capaz de assumir o comando da vida brasileira. Tudo está em construção. Hoje, dia 31, acontecem novas manifestações – ainda bastante confusas – pois juntam a defesa da presidenta com os protestos contra o ajuste fiscal que ela mesma vem impondo. Quase uma esquizofrenia social. De fora, seguem os que querem o “fora todos”. O inegável nessa crise toda que vive hoje a nação brasileira, com o governo prestes a sucumbir diante de um golpe que será desastroso para a vida de todos os brasileiros, é que tudo isso é resultado justamente dos acordos partidários feitos pelo petismo para garantir a tal da governabilidade, quando então assumiu essa cara “petucana”. E, nesse consórcio, a opção de classe é clara. E não é pela classe trabalhadora. Tristes dias vivemos!  O que anima é que o povo nas ruas é sempre um exercício de luta e, desde aí, algo pode emergir. Que seja bom, e pela esquerda. Texto publicado originalmente no Blog Palavras Insurgentes.