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Os Yanomami

As imagens que circulam do povo Yanomami abandonado à própria sorte na sua terra invadida por garimpeiros ilegais, causam comoção nas redes. E elas são mesmo indignantes. Mas, há que dizer, o grito indígena não é de hoje. Desde o primeiro dia de governo de Jair Bolsonaro, em 2019, ele elegeu os povos originários para inimigo principal. Um de seus primeiros atos foi tirar a Funai do Ministério da Justiça e depois, sistematicamente, foi destruindo todos os órgãos de cuidado com os indígenas. Havia prometido aos seus apoiadores, mineradores, fazendeiros, grileiros, que as terras originárias seriam exploradas e que os indígenas expulsos para formarem exército de reserva nas periferias das cidades. “Índio tem de trabalhar”, dizia o presidente. E assim foi durante quatro anos. Cada ataque, cada avanço do garimpo, dos latifundiários, dos bandidos armados, era denunciado pelas entidades indígenas. Nenhum eco nas grandes redes de TV e o tema só circulava em pequenos círculos de apoiadores. Assassinatos, estupros, desaparecimentos, violências, tudo acontecendo sem repercussão. Nem mesmo durante os dois desastrosos anos da pandemia do coronavírus, os povos originários conseguiram dar visibilidade aos seus dramas. Perdidos no meio da floresta ou nas comunidades eles resistiram como puderam. Não sem luta. Não sem luta. Quase todos os dias uma denúncia, mas nenhum meio de comunicação de massa lhes ouviu o grito. Como sempre acontece, fizeram marchas, acampamentos, atos, e nada. Então, lá foram eles para o estrangeiro, buscar apoio, porque aqui dentro era pouco e insuficiente. Viajaram para a Europa, para os Estados Unidos, tentando encontrar aliados para fazer parar a máquina de morte montada contra eles. Chegaram – ingenuamente ou não – a pedir ajuda ao presidente Joe Biden, que de certa forma também ignorou, porque Bolsonaro tampouco lhe dava bola. E assim foram caindo os indígenas nos cantões do Brasil. Agora, com o novo governo, o grito escapou da floresta. De repente, como o presidente da nação decidiu ele mesmo ir ver de perto o horror, os meios de comunicação de massa, que são concessões públicas, decidiram ver. E as imagens aparecem, mostrando crianças desnutridas, velhinhos em último estágio de magreza, e aparecem também os números dos mortos: centenas… Pessoas envenenadas pelo mercúrio do garimpo ilegal, pessoas famintas, crianças mortas. Os Yanomami são uma comunidade de mais de 30 mil almas que vivem na maior área de terra indígena do país. Uma área cobiçada, desejada, e que foi aberta para os ladrões. Invasores protegidos pelo estado, que abandonou a fiscalização deliberadamente. Então, tudo isso que se vê hoje poderia ter sido evitado. Se a imprense tivesse escutado o grito. Se os governantes tivessem escutado o grito. Se deputados e senadores tivessem escutado o grito. Se a sociedade organizada tivesse escutado o grito. Com a chegada das equipes do SUS, o estado da comunidade Yanomami veio à tona. E o governo agiu com rapidez. É fato que os mortos, caídos nos últimos quatro anos, não voltarão. Mas, os que já estavam na beira da grande travessia poderão escapar. Já chegaram os médicos, a comida, o apoio necessário. Isso é bom. Ocorre que o garimpo segue lá, em outros espaços da floresta, em outras terras indígenas, matando, estuprando, violentando. Sendo assim, há que fazer mais. Há que parar os invasores, os grileiros, assassinos e bandidos que continuam sugando a terra e a vida dos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Há que ir a essas comunidades todas porque lá, eles sabem o nome e o sobrenome dos algozes. E essa gente precisa ser parada. Assim como não aceitamos anistia para os governantes que permitiram esses crimes, também não pode haver condescendência para os que seguem burlando a lei e destruindo vidas. Segue o massacre aos povos indígenas O Ministério dos Povos Originários        

A luta contra o genocídio indígena

“E vocês, da sociedade dos brancos, também podem ajudar  nessa luta. Primeiro, procurando se informar mais sobre a realidade de cada povo. Compreender o povo indígena. Os brancos precisam buscar, lá no fundo do coração deles, a verdade que existe e que tentam esconder”. Aurivan dos Santos Barros, líder Truká O assassinato do cacique Emyra Wajãpi, da etnia Wajãpi, desta vez no Amapá e por milícias de garimpeiros, é a sequência brutal da tentativa sistemática de destruição do mundo indígena para o roubo de suas terras ancestrais. A questão central sempre foi e continua sendo a terra. Essa é uma história que tem seu início em 1492, quando aqui chegaram os espanhóis dando início à invasão, a qual vem provocado profundas transformações ao longo de mais de cinco séculos. Nessa linha do tempo houve momentos mais duros, outros nem tanto, mas, no geral, a proposta tem sido a da submissão dos povos originários ao conceito de identidade nacional. Aplastam-se as diferenças, a cosmovivência, o modo de vida, na invenção de um sujeito nacional, integrado, que, sabemos, nunca se constituiu de verdade. Mesmo nos tempos em que as etnias quase desapareceram (anos 1960), a chamada integração foi uma farsa. O índio integrado ao mundo capitalista (de maioria branca) sempre carregou a marca de sua identidade, vivendo sujeitado ao preconceito e a discriminação. Não há saída: se está na aldeia é um incivilizado e se vem para a “civilização” é um índio sujo. É uma via sem saída. Justamente por isso que desde os anos 1980 os povos originários estão em luta pelo território original, fortalecendo suas culturas e sua maneira de viver, apontando outros caminhos para a convivência, já que é impossível desfazer o que já foi feito nesses cinco séculos. E, nesse caminho, assomam as ideias de autonomia e de plurinacionalidade. Mas, a se considerar o sistema de produção no qual estamos todos mergulhados (índios e não-índios), que é o capitalismo, obviamente não há lugar para essa discussão. Ao 1% que domina pouco importam as lutas dos povos para seguir vivendo dentro de sua cultura. Há um fato inconteste: essa gente ocupa largas extensões de terra que estão na mira da exploração mineira, petroleira ou do plantio de grãos e pastoreio do gado. Para o capital, os povos indígenas são um atrapalho, uma pedra no sapato e, se tiver de arrancá-la a força, ele o fará. Agora, em 2019, quando o Brasil retoma com força sua cara dependente, aprofundando sua condição de mero exportador de matéria prima, o ataque aos povos indígenas tende a se aprofundar. E, com o governo federal nas mãos do latifúndio, a situação fica ainda pior. Jair Bolsonaro disse em bom som num encontro com os representantes do agronegócio: “esse governo é de vocês”. Não é sem razão que desde o primeiro mês de governo os indígenas estejam alçados em luta. Foi o primeiro movimento social a se levantar e nesses sete meses já protagonizou vários momentos de efetivo ataque, com alguns ganhos pontuais. Mas, apesar desses ganhos, a questão central segue sendo intocável: a terra. As comunidades podem ganhar uma ambulância, uma escola, um posto de saúde, mas enquanto isso jagunços armados estarão fazendo o trabalho principal que é o de expulsar as comunidades da terra. Abrindo espaço para o capital. Jair Bolsonaro acabou de indicar o filho para embaixador nos Estados Unidos justamente porque quer abrir caminho para as empresas que quiserem minerar no Brasil. Tudo está dito, claramente, sem véus. É por isso que os ataques às comunidades vão continuar e com mais força. Nos cantões mais distantes, onde as milícias e jagunços puderem atuar com mais liberdade, a violência vai ser desatada, corporal. E onde os indígenas estiverem mais protegidos e organizados atuará o terrorismo de estado, via ministérios ou via judiciário. Todos os espaços onde houver possibilidade de exploração de minério ou da agricultura serão tomados. Os povos indígenas farão o que sempre fizeram. Resistirão na luta, ainda que as forças sejam tremendamente desiguais. E é aí que devem entrar os demais trabalhadores não- índios. Há que se aliar aos indígenas na luta contra o capital. Sim, porque essa batalha é contra o sistema capitalista de produção, o que envolve também os trabalhadores sistematicamente explorados. No campo, o capital mata índios e sem-terra, visando tomar o território. E na cidade, vai retirando direitos, aumentando o tempo de trabalho, destruindo as conquistas sociais. É uma guerra de classe na qual estão todos envolvidos. Infelizmente, pouco se vê da solidariedade concreta nas entidades dos trabalhadores. Não há ação das Centrais sindicais, dos sindicatos, dos movimentos ligados a outras lutas específicas, não há nada. O que há é a indignação individual expressa nas redes sociais cujo resultado é zero. Desgraçadamente os indígenas terão de retomar a velha estratégia de buscar apoio fora do país, nas entidades internacionais, o que só nos empobrece ainda mais como povo, incapaz de realizar a aliança necessária para proteger os verdadeiros donos desse território. É fato que há comunidades indígenas integradas ao sistema e que apoiam as intenções do governo, acreditando que poderão se beneficiar com a cara do Brasil/Fazendinha. A ministra da agricultura e o ministro do meio ambiente já propagandearam sobre a terra indígena Utiariti, que fica no noroeste do Mato Grosso, uma das regiões mais cobiçadas do país por sua fertilidade. Nessa aldeia da etnia Pareci, os indígenas arrendam 18 mil hectares de terra a produtores não-índios que plantam soja transgênica e pagam uma porcentagem da safra para a aldeia. Justamente o modelo que o governo Bolsonaro quer implantar. Ainda que seja uma raridade na realidade indígena nacional, a publicidade que se faz dessa terra, à exaustão,  embota o pensamento do senso-comum que adere ao projeto, acreditando que índio não trabalha. Assim, o governo amplia o preconceito e os fazendeiros se apoderam das terras, pagando migalhas. A mesma proposta – de arrendamento de terra – o governo está apresentando para projetos de mineração. As mineradoras explorarão o terreno mediante um aluguel e os indígenas ainda poderão servir