Zona Curva

Internet livre

Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre

por Carlos Castilho Redes sociais – Quem viveu o surgimento da internet foi inevitavelmente contaminado pela perspectiva de um novo mundo virtual onde a livre criatividade era o grande apanágio de uma nova era. Todos os que estavam desiludidos com a mesmice informativa dominada pelos grandes conglomerados midiáticos foram contagiados pelas possibilidades oferecidas pela rede mundial de computadores para que cada um de nós pudesse criar o seu próprio canal de produção e disseminação de notícias. Mas três décadas depois que Tim Berners Lee criou a Web, fato que lhe deu um status igual ao de Johannes Gutenberg, o inventor das gráficas, os sonhos digitais estão sendo solapados por um duro choque de realidade. A internet que imaginávamos como um paradigma da diversidade informativa transformou-se num oligopólio de cinco ou seis mega empresas. Pior do que isto. A corrida frenética por lucros cada vez mais fantásticos levou corporações, como Facebook, Google, Amazon e Apple, a nos transformarem em mercadorias que alimentam complexas operações de mudança de comportamentos. Até a era digital, a propaganda procurava nos convencer que, por exemplo, um automóvel nos traria muitas vantagens, portanto deveríamos compra-lo, ou seja consumir. Hoje, a maior preocupação dos mega conglomerados digitais é obter o máximo de informações possível a nosso respeito porque disto depende o seu modelo de negócios. Nossas informações são o produto que Facebook e Googlevendem para empresas interessadas em explorar nichos inexplorados de consumo. Quase toda uma geração envelheceu acreditando que a gratuidade no serviço de buscas na internet era um símbolo do desapego às velhas práticas mercantilistas da era industrial. Agora nos damos conta, graças a episódios como o vazamento de informações de usuários do Facebook para a empresa Cambridge Analytica, que na verdade nós fornecemos gratuitamente um bem imaterial, nossos hábitos, preferências, sentimentos, conhecimentos e relações sociais para que um grupo de mega corporações transformasse tudo isto em bilhões de dólares. Não fomos vitimas de um conto do vigário. Foi tudo legal e aberto. O problema é que nós estávamos acostumados a lidar com bens e serviços materiais, coisas palpáveis ou sensíveis, que podíamos comprar e vender com preços conhecidos. Quando chegou a era digital, não conseguimos perceber que a nova cultura econômica estava baseada em bens imateriais como informação e conhecimento cujo preço era volátil e só tinha algum significado financeiro quando comercializado em volumes oceânicos, o que obviamente só poderia ser feito por grandes empresas. As “fábricas de recondicionamento mental” Não foi só uma ingenuidade histórica gerada por uma herança cultural desatualizada no tempo. As informações que fornecermos gratuita e espontaneamente alimentaram gigantescos bancos de dados cujo conteúdo foi processado e analisado por zilhões de bots (robôs eletrônicos pré-programados) produzindo informes cujo principal objetivo é provocar mudanças de comportamentos nos três bilhões de seres humanos, potencialmente com acesso à internet em todo o mundo. Vender produtos acabados através de uma propaganda impositiva virou coisa do passado. Agora o que dá dinheiro é produzir informações capazes de alimentar percepções individuais que condicionam mudanças de comportamentos em milhões de pessoas. Antes da internet, as alterações de comportamentos eram induzidas, majoritariamente, por fatores externos às pessoas, como propaganda na mídia, leis e pressão social. Agora, as atitudes são alteradas por nós mesmos, a partir do consumo de informações previamente condicionadas para gerar um determinado resultado. O cientista computacional e um dos criadores da realidade virtual, Jaron Lanier, definiu as redes sociais atuais como “fábricas de recondicionamento mental” (ver palestra de Jaron no TED). Ele é um dos defensores do movimento para reconstruir a internet, do qual participa Tim Berners Lee. Entre as mudanças de comportamento mais comuns no ambiente digital está a tendência à polarização, identificada em vários estudos acadêmicos sobre atitudes políticas nos Estados Unidos. O historiador escocês Niall Ferguson acaba de lançar um livro onde analisa as mudanças políticas provocadas pela internet, em especial a multiplicação de bolhas ideológicas cada vez mais antagônicas. Ferguson cita estatísticas norte-americanas mostrando que as bolhas integradas por conservadores e ultraconservadores, bem como as reunindo liberais e ultraliberais são quase oito vezes mais numerosas que as produzidas por livre pensadores e ativistas, não comprometidos com posições extremadas. Minha experiência de 12 anos produzindo o blog Código Aberto me mostrou que as postagens sobre questões políticas polêmicas geram até 10 vezes mais comentários do que os textos preocupados em provocar reflexões. Uma nova internet? Trata-se de um contraste brutal com as perspectivas idílicas predominantes num grande número de artigos e livros publicados entre 2013 e 2015, época em que movimentos cívicos apartidários se multiplicaram em países como Líbano, Egito, Turquia e Ucrânia. Jared Cohen e Eric Schmidt, autores do livro The New Digital Age afirmavam taxativamente: “Nunca antes tantas pessoas se relacionaram através de redes virtuais operando em tempo real, criando condições para mudanças generalizadas na política em várias partes do mundo”. Não menos eufórico foi Mark Zuckerberg, o criador do Facebook, quando, em 2015, proclamou que sua rede era uma “contribuição decisiva para a paz mundial”, por meio da criação de uma “comunidade universal baseada no conhecimento compartilhado dos problemas da humanidade”. A dinâmica comercial das grandes redes sociais aliada à polarização política em países como Estados Unidos e Brasil, acabou sepultando a retórica comunitária na internet e a substituiu pela frenética busca das curtidas e retuitagens. A transformação do espaço cibernético num território dominado por megacorporações e por facções políticas beligerantes é uma preocupação concreta, mas ela deve ser vista num contexto mais amplo. Estamos vivendo o fim da era idílica da internet sob o impacto da reação dos segmentos sociais, políticos, militares e econômicos afetados pelas transformações causadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação (TICs). Tudo indica que haverá uma nova internet, só que ainda não sabemos como ela será. Leia outros de Carlos Castilho na sua página no Medium O jornalismo é uma forma de ativismo?  

A Internet não pode ser um jardim murado

O novo colaborador Zonacurva, Albenísio Fonseca, é jornalista e escreve em seu primeiro texto por aqui sobre o Marco Civil da Internet, leia:   Em tramitação na Câmara Federal e sob votação adiada uma dezena de vezes, o marco civil da Internet – “mais governamental que civil” – não pode se constituir em uma armadilha para a cidadania, a serviço de provedores, corporações e em função do poder econômico, quando o conhecimento colaborativo e a imaterialidade do trabalho se cristalizam. A neutralidade da rede – bit inegociável do projeto – importa em que a transmissão de informação pela internet permaneça a ser tratada em todos os dados, da mesma forma, sem distinção de conteúdo, origem e destino ou serviço, a resistir à conversão da rede mundial de computadores em um “jardim murado”, oh Tim Berners-Lee. As cyberways do século 21, mesmo por atalhos, requerem tráfego em mão dupla. O advento e disseminação das redes sociais, um dos mais importantes eventos da Internet, consagra a “expressão individual”, não mais em relações hierarquizadas, mas através de conexões por pontos, na relação direta e múltipla entre as pessoas. Contra a hegemonia da construção de “realidades” por corporações da mídia, o saber compartilhado inviabiliza e transcende o monopólio da informação em mão única, da tipografia de Johannes Gutemberg à TV analógica. Sob um cenário de vigilância, em singular “panopticon”, oh Michel Foucault, múltiplos dispositivos capturam as mensagens – como denunciado pelas mãos de tesoura de Edward Snowden e, logo, o pensamento, qual previra George Orwell e seu Big Brother, em “1984″. Embora domesticado já nos seja o desejo – devidamente cartografado, oh Gilles Deleuze. Frutos das campanhas de marketing e publicidade incutidas em nosso inconsciente – somos levados de roldão nessa “terceira onda”. Ainda que supostamente a escapar – indivíduos ou multidões rebeladas – em pranchas da inédita protagonização de desejos e devires, subordinados não mais a uma ideologia, mas sob os ditames das novas estratégias biopolíticas do “Império”, oh Antonio Negri. E assim, vamos surfando com Alvin Toffler, reféns da tecnologia da automação, cada vez mais desenvolvida e apropriada à sociedade de controle em que, homens-máquina, braços dados com autômatos, transitamos as pulsões dos nossos corpos sem órgãos, na “caosmose” de três ecologias (ambiental, social e subjetiva), Oh Felix Guatarri. Microeletronicamente digitalizados, Pierre Levy, qual geração supérflua, meu caro Nicholas Carr, temos cérebro e sistema nervoso central expandidos, a superar distâncias espaciais e intervalos temporais, abolindo o espaço e o tempo, oh Paul Virilio, nesse universo da terceira revolução tecnoindustrial, a la (seja louvado) Adam Schaff. Que permaneçamos, então, oh cyberativistas, a evocar em black blocs ou serenamente a convicção de que a liberdade de expressão constitui uma das bases essenciais da sociedade democrática, condição intransferível para a concretização dos demais direitos humanos e liberdades fundamentais. A circulação livre de informação, nessa sociedade em rede, castelo de cartas marcadas, oh Manuel Castells, é fundamental para o acesso ao conhecimento e à cultura, herança comum de toda a humanidade a estar disponibilizada e tornada acessível para o beneficio de todos. Hoje, ativos intangíveis como marcas e domínios têm valor superior aos dos bens móveis e imóveis – hegemonia possibilitada pelo acúmulo de visibilidade – como um “capital simbólico”, a estampar suas insígnias, oh Pierre Bourdieu. A etiqueta – digo, os titles tag, são os novos parâmetros de identidade, mesmo em protocolos uTorrents  – a submeter outros domínios, como o semântico e o imagético, em motores de busca, sob os índices das hashtags e Trending Topics, nos fluxos de um capitalismo cognitivo. Sonhe: baixe programas e filmes transmitidos em resolução 4K, quatro vezes mais alta que a Full HD. Acorde: ainda é necessária uma conexão que consiga se manter estável o suficiente para downloads sem engasgos, oh Bram Cohem. À mídia caberá render-se à disponibilização de conteúdos em multimídia, na crescente e irreversível tendência online. Mas, e nossa energia libidinal, humanoides, permanecerá contida neste lounge da cotidiana miséria simbólica? Afinal, se o futuro já passou, o que nos aguarda neste admirável mundo novo, oh Heródoto? Conheça o blog de Albenísio Fonseca Facebook: uma autocracia encurralada Quanto mais informação, mais dúvidas Taxação das plataformas digitais já! O binômio fake news/redes sociais nos impõe novos comportamentos políticos O lado retrógrado da avalancha informativa digital A nova função da notícia na guerra por corações e mentes Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre O apocalipse informativo Era da pós-civilidade Quanto mais informação, mais dúvidas Bem-vindo à era da telemática