Zona Curva

Joaquim levy

Brasil: tempo de lutar

por Elaine Tavares Não é de agora que o governo brasileiro vem arrochando a vida do trabalhador. O processo começou bem antes de o vice, Michel Temer, dar o golpe. A presidenta Dilma Rousseff, que se elegeu com um programa, vinha já aplicando outro, mais adequado aos interesses das grandes agências de fomento internacionais, do agronegócio e da pequena parcela da elite produtiva. Sempre é bom lembrar que Dilma escolheu Joaquim Levy para Ministro da Fazenda, um ex-funcionário do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ou seja, uma raposa cuidando do galinheiro. E logo que entrou já veio com a conversinha de metas para o superávit primário, baixando duas medidas provisórias de ajuste fiscal, que mexia com trabalhadores e empresários de médio porte. Essa memória é necessária para que se perceba que o governo do PT estava respaldando as medidas, ainda que um ou outro dirigente fizesse críticas públicas ao ministro. O fato é que em 2014 já estava em andamento uma crise mundial do sistema capitalista e ela iria atingir a periferia, motivo pelo qual o governo já se preparava para enfrentar, sempre jogando a conta para a maioria da população e para os trabalhadores, como sempre ocorre  nos países periféricos. O respiro de “desenvolvimento” vivido no governo Lula estava indo pelo ralo e o Brasil teria de voltar ao velho patamar de país subdesenvolvido e dependente, de onde só saíra por conta de uma conjuntura favorável de curta duração. Dilma não teve dúvidas sobre iniciar esse processo e, claro, com isso tocou nos interesses da tal “classe média” que havia sido criada no tempo das vacas gordas. E, como dizia Milton Santos, a classe média não quer direitos, mas privilégios, não haveria dúvidas de que essa fração de classe iria se bandear para o lado de quem oferecesse mais, ainda que mentindo. Quem não se lembra dos protestos dos proprietários de automóvel por conta de o preço da gasolina estar em quase três reais? O setor da população que havia conseguido – via expansão do crédito – ter acesso a bens e viagens arreganhou os dentes e grande parte desse povo foi às ruas com a camiseta da seleção pedir o impedimento da presidenta. No desejo de vantagens imediatas, esse povo todo pensou que a simples saída da presidenta resolveria as coisas, sem compreender o jogo da economia que se desenrolava no mundo. A direita brasileira, que conhece as regras do jogo, e sabe jogar, aproveitou o descontentamento e procurou incentivar ainda mais a pressão, incitando os brasileiros e brasileiras no ódio ao PT, colando no partido o selo de “comunista”, o que definitivamente é a mais deslavada mentira. Nada menos comunista do que o governo Dilma, tendo sido ela mesma a presidenta a sancionar a inominável Lei Antiterrorismo, que hoje é um eficaz instrumento de domesticação das lutas. E foi assim que a onda de neofascismo que toma conta do mundo todo no ódio aos pobres, aos negros, aos índios, a tudo que tenha cor popular, também cresceu a crista no Brasil e ajudou a empurrar Dilma para o abismo. Um golpe, seguro, mas quase que um desdobramento natural no contexto de recuperação de poder por parte da direita tradicional. Estava tudo escrito. Dado o golpe e assumindo o governo o vice Michel Temer, que já antecipara a traição na famosa carta na qual reclamava ser apenas um bibelô, o ajuste necessário – na lógica fria do capital – veio a galope. Não haveria mais nada a impedir o aprofundamento das medidas de arrocho contra os trabalhadores, contra a maioria da população. É fato que uma parcela significativa da população resistiu ao golpe, apoiando a presidenta Dilma. Houve manifestações massivas, protestos. Mas não houve força suficiente para impedir o que já estava traçado. E, desde então, a classe trabalhadora vem amargando perda de direitos e recessão. No campo da disputa partidária o golpe também aprofundou a perseguição contra o PT, chegando ao ápice com a prisão do seu líder mais popular: Luiz Inácio Lula da Silva. De certa forma, o grupo que planejou o golpe vem conseguindo o que planejara: amarrar a militância petista na batalha pela libertação de Lula, tirando-a do centro dos acontecimentos que aprofundam os prejuízos aos trabalhadores. Foi assim que a Reforma Trabalhista passou, destruindo direitos conquistados há décadas sem que a reação fosse proporcional ao tamanho do prejuízo. O certo é que entre os trabalhadores há imobilismo, medo e perplexidade, o que torna bem mais difícil uma reação contundente contra os novos governantes. Na internet, a peleia é acirrada, mas essas batalhas não podem ser ganhas só no campo virtual. Há que haver materialidade no mundo da vida. O ano de 2017 registrou mais de 1100 greves de trabalhadores, segundo dados do DIEESE. Isso não é pouca coisa nesse cenário de apreensão no qual o desemprego cresce de maneira vertiginosa e o trabalho temporário virou moda. Mas, debruçando-se sobre os números, pode-se perceber que a maioria dos movimentos paredistas deu-se na defensiva. Quase 70% das greves aconteceram por conta de atrasos no pagamento, ou seja, não foi para ampliar direitos, foi para garantir o que é o mínimo no contrato capitalista: o salário.  Apenas 16% das paralisações foram por reajuste salarial. É certo que uma greve, seja por qual motivo, sempre ajuda a ampliar a consciência de classe, mas ainda teremos de vencer muita estrada para que a indignação ultrapasse o corporativismo. Uma olhada nas páginas dos sindicatos de Santa Catarina, por exemplo, de trabalhadores privados e públicos, e o que se vê são notícias sobre pautas bem intestinas. As categorias não conseguem sair de suas zonas de conforto. E também investem muito mais no debate sobre a prisão x liberdade de Lula do que nos grandes temas nacionais. Isso mostra que os dirigentes estão armadilhados nessa arapuca montada pelas forças conservadoras. Resta saber se é uma captura no campo da consciência ingênua ou se há o interesse em não mexer no vespeiro que poderia ser

Levy or not Levy

por Antonio Lassance Levy não se mostrou como uma liderança capaz de fazer o que se espera de um ministro dessa importância, não só para o governo, mas para o país. Publicado originalmente na Agência Carta Maior Os boatos sobre a saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda são parecidos ao de um técnico de time de futebol que não consegue uma única vitória importante; apenas muitas derrotas e, de vez em quando, um empate. O grande problema de Levy é que ele até hoje não conseguiu se portar como um ministro da Fazenda de primeira linha. Continua agindo como se fosse ainda, apenas, um secretário do Tesouro. Não se mostrou uma liderança capaz de fazer o que se espera de um ministro dessa importância, não só para o governo, mas para o país. Um ministro da Fazenda não pode ser apenas um secretário do Tesouro de luxo, obsessivamente preocupado com a variável gasto público, sem atenção ao conjunto da obra. De um ministro da Fazenda se espera mais do que fazer as contas para cortar despesas. Se espera alguém capaz de liderar o debate sobre os rumos econômicos do país e manejar os instrumentos da política macroeconômica para criar ou aperfeiçoar incentivos que, mesmo em momentos de crise, mantenham os agentes produtivos interessados no crescimento. Levy não apenas representa bem o mercado (financeiro). Representa, melhor ainda, a mediocridade da política econômica ditada pelo mercado financeiro, cujos horizontes de melhora são sempre postergados para prazos cada vez mais longos, quando muitos já terão perdido o emprego, os bancos terão lucrado como nunca, e o Brasil terá ficado para trás. Levy apresentou-se como o grande responsável por trazer o realismo de volta à política econômica. Esqueceu-se de lembrar que o realismo se divide em duas vertentes: os que acham que a realidade está dada e os atores devem apenas se adaptar; e os que sabem que a realidade é criada a partir de iniciativas acertadas e esforços conscientes, com um grande peso de alguns atores centrais, como é o caso, justamente, do ministro da Fazenda. Levy superestimou a capacidade do governo de produzir cortes e gerar superávit. Pior, subestimou o impacto da política de ajuste na retração do PIB, o que jogou a economia na lona, e com ela, as receitas que poderiam ajudar a manter empregos e diminuir o próprio déficit fiscal. No Congresso, era o próprio elefante na loja de cristais. Com a trégua, mesmo que momentânea, da guerra que os presidentes da Câmara e do Senado vinham travando contra Dilma, Levy acabou se tornando a principal pauta bomba contra o governo. Aos olhos do próprio mercado, ele tornou-se um ministro fraco, incapaz de entregar o que promete. Ao contrário do que se imaginava no início do ano, a confiança do mercado financeiro pouco depende, hoje em dia, do dileto Joaquim Levy. Se ele continuará ou não no posto de ministro da Fazenda, por muito ou pouco tempo, é difícil dizer. Mas que o País precisa urgentemente de um ministro da Fazenda de verdade, que seja mais que um secretário do Tesouro, isso é líquido e certo.