Zona Curva

jornalismo horizontes

Sobre a resistência no jornalismo

por Elaine Tavares Enquanto alguns caçam pokemons e outros se entregam à confortante mediocridade, pessoas há que se inquietam, pensam e resistem. Foi o que vimos nessa quinta-feira, no lançamento do Coletivo de Jornalistas Sindicais Vito Gianotti. Confrontados com as dificuldades de praticar o jornalismo no cotidiano sindical, com as sempre apocalípticas ideias de fim do jornalismo, com a completa ausência de discussão e debate sobre o tema na categoria, um grupo de jornalistas que atua nas entidades sindicais começou a se organizar por conta própria. Já se vão quatro anos da criação de um Fórum de Comunicação da Classe Trabalhadora, quando então foi dado o pontapé inicial no debate das angústias dos jornalistas que trabalham em sindicatos.  O auge vivido pelo movimento sindical nos anos 80 e 90 do século passado já tinham se extinguido, e o que restava era a domesticação das entidades, dirigentes acomodados ou cooptados. Como então fazer jornalismo nas entidades que viviam esse marasmo? Como enfrentar a demanda gerada pelas novas tecnologias? Como operar nessa zona nebulosa entre a propaganda, a agitação e o jornalismo? Como alargar a margem de manobra entre o que quer a direção conservadora e a prática de um jornalismo libertador? Tudo isso foi sendo expresso e debatido nos seminários que se seguiram ao lançamento do Fórum. Jornalistas de todo o Brasil vieram para Florianópolis por três anos seguidos para discutir essas temáticas e conhecer experiências brasileiras e latino-americanas de resistência e avanços comunicacionais. Esse acúmulo de reflexão foi gerando seus frutos. Solitários nas salas de imprensa dos sindicatos, os e as jornalistas fortaleceram a ideia de que as angústias do seu fazer só poderiam ser dissipadas se atuassem em comunhão. No sindicato da categoria não encontraram essa possibilidade, então, passaram a articular a criação do coletivo de maneira autônoma. Os encontros anuais serviram como gás a inflar o balão dos desejos de estudar e enfrentar os desafios. Então, nasceu o coletivo. Na noite fresca do inverno do sul, entre barulhos de um bar, sob a inspiração de um velho companheiro – Vito – um grupo de jornalistas assumiu o compromisso de manter acesa a chama do jornalismo. O jornalismo como forma de conhecimento, o jornalismo libertador, o jornalismo que caminha do singular para o universal, desalienando a classe trabalhadora. Como bem já apontou Adelmo Genro Filho, tanto a direita como a esquerda podem fazer um jornalismo manipulador. Mas, há formas de se praticar o jornalismo de maneira que o leitor/ouvinte/espectador possa ele mesmo formar opinião e compreender a totalidade do fenômeno. Isso se faz escrevendo de tal forma que um fato singular (o plano de carreira, por exemplo) ultrapasse a particularidade (a categoria específica) e alcance a universalidade (a classe trabalhadora como um todo). É certo que fazer jornalismo assim, expresso como forma de conhecimento, não é coisa fácil. Exige estudo, leituras, comprometimento. Esse é então o desafio. Como furar a barreira da comunicação de propaganda que muitas direções sindicais insistem em manter? O primeiro segredo é entender que o jornalismo por si só não faz a revolução. Quem faz as mudanças é o povo em luta. Assim, sem uma direção revolucionária, não há como narrar a revolução. Simón Bolívar, quando iniciou sua saga libertadora na América Latina, a primeira coisa que fez foi comprar uma prensa que levava amarrada no lombo do seu cavalo. Ele travava as batalhas e escrevia sobre elas, fomentando – também com a palavra – a rebeldia contra os espanhóis. Ou seja: primeiro as lutas, depois a narrativa.  Logo, se o jornalista está mergulhado numa realidade conservadora, o que ele pode fazer é ir, devagarinho, alargando a margem de manobra entre a produção de uma comunicação “chapa-branca” – como querem os dirigentes – e um jornalismo como forma de conhecimento, como tem de ser. É um trabalho que exige paciência histórica. Em segundo lugar é necessário compreender que o sindicato também é um espaço onde se deve praticar a agitação e a propaganda, como muito bem já ensinou Lênin. Esse é um trabalho fundamental nos momentos cruciais da luta dos trabalhadores. Então, há aí uma especificidade da comunicação dentro dos sindicatos que precisa ser assimilada, sem que se tenha de abrir mão do jornalismo. As coisas podem ser feitas simultaneamente. Não há razão, então, para angústias.  Só há espaço para um trabalho bem feito na construção da consciência de classe. O jornalista que trabalha em sindicato está caminhando no fio da navalha. Precisa atender à direção, mas também precisa atender a base. Uma base que é heterogênea, plural e que está acostumada com uma comunicação singularizada ao extremo, sem universalidade. Por isso muitas vezes não entende porque o jornalista está escrevendo sobre a guerra na Síria. “O que isso tem a ver com a minha vida? Quero saber é se vai sair a minha ação”. Conseguir criar esse hábito, de compreender as ligações entre a realidade mundial e o cotidiano é o grande desafio do jornalista. Outras tantas angústias e dores cotidianas, como o assédio moral, o medo de perder o emprego e a violência no ambiente de trabalho estão na pauta dos jornalistas sindicais, que agora se reunirão todos os meses em sessões de estudo e debate. Isso amplia suas salas solitárias para um universo e expansão. Agora é seguir em frente, amparados uns nos outros, narrando a vida e permitindo a compreensão profunda do mundo capitalista no qual estamos todos mergulhados. Desvelar as contradições, jogar luz sobre a essência dos fenômenos, gerar conhecimento: esse é o compromisso. Sob a batuta de Marcela Cornelli, Luciano Farias e Silvia Medeiros, o Coletivo se ergue e caminha. Com eles caminha o jornalismo, vivo, vibrante, ousado e radical. Longa vida ao Coletivo de Jornalistas Sindicais Vito Gianotti. O “italianinho” certamente está sorrindo em algum lugar do cosmos. Publicado originalmente no Blog Palavras Insurgentes.

Em busca do jornalismo perdido

por Elaine Tavares O grande livro de Ray Bradbury, Fahrenheit 451, ficção científica escrita em 1953, apontou uma sociedade futura na qual as pessoas teriam uma tela multidimensional na sala de casa e que ali ficaria passando informação sem parar, o dia todo, e a pessoa, viciada naquela algaravia, não conseguiria mais compreender o mundo criticamente. Tudo se resumiria naquele caleidoscópio de palavras desconexas que perpetuavam o poder de quem mandava. Aquela passagem do livro sempre me causou calafrios. Era o mundo perdido no qual vivia a esposa do personagem principal, o que descobre a beleza dos livros num mundo no qual eles não mais existiam. Apesar da mensagem de esperança que o perturbador livro de Bradbury traz, aquela imagem da sociedade futura fica a corroer os miolos, principalmente quando aquilo que era só uma invenção ficcional nos anos 50 do século passado parece ser a realidade dos tempos atuais. Esse é o nosso mundo. As televisões espertas, de 50 polegadas, já conectam a internet e, nela, o facebook, esse espaço multicomunicacional que parece ter abduzido todas as mídias numa só. Ali, no seu mural, as informações passam em velocidade da luz, formando a mesma algaravia enfeitiçante da sala do mundo Fahrenheit. A vida está ali, prisioneira e saltitante. Essa constatação aterrorizante é o que me leva a pensar sobre a minha profissão: o jornalismo. Onde ele está? Quem consegue vê-lo em meio à selva de informações fortuitas, rápidas e mentirosas? Sobreviverá ao buraco negro do facebook, cada vez mais empoderado? Antes de mais nada é preciso entender sobre o que estou falando, visto que há muitos entendimentos sobre o que seja o jornalismo. Falo da análise do dia, a descrição da realidade com impressão de repórter, contexto histórico, narrativa. Falo da produção de textos e vídeos que apresentem criticamente aspectos da realidade, levando o leitor/espectador a pensar sobre os fatos e estabelecer nexos com a vida. É fato que não é o facebook o assassino do jornalismo. Ele agoniza desde há tempos na medida em que foi hegemonizado como mera propaganda, a apontar as belezas do sistema capitalista, da agricultura predadora, do consumo desenfreado e outras facetas mais desse modo de organizar a vida. As notícias que pipocam nas telas de TV, nos jornais, não dizem da realidade. Elas servem para aprisionar e alienar numa verdade inventada, que esconde o discurso da maioria da população. A voz do jornalismo existente é a voz oficial, do presidente, do deputado, do economista, do especialista. Nele não aparecem os trabalhadores, os que lutam, os que realmente criam o mundo. Esses estão fora, sem lugar onde expressar sua voz. Por conta disso que ao longo dos tempos sempre foi necessário constituir um jornalismo de verdade, que se faz em outras instâncias, alternativas e populares. Um jornalismo que abre espaço para a voz do oprimido, da comunidade das vítimas e que contextualiza a realidade. E desde há tempos, esse jornalismo vem se equilibrando no emaranhado de um mundo midiático, criado para o engano. É a luta de classes se expressando no campo da palavra, da informação. De um lado, os poderosos, buscando impor seu modelo de mundo como o modelo universal, e de outro lado – ainda que com menos poder de abrangência, mas valente – as gentes em luta, procurando abrir espaço para a informação crítica que leve as pessoas a pensar sobre a realidade e, desde aí, transformá-la. Com a ascensão da revolução tecnológica, o jornalismo precisou se reinventar. A Rede Mundial de Computadores trouxe uma novidade até então impossível de ser pensada: a possibilidade de a palavra do oprimido também ultrapassar os limites geográficos. Isso parecia bom. Com a popularização da internet, os sindicatos, movimentos sociais, movimentos indígenas, movimentos populares, pessoas, cada um que quisesse externalizar seu pensamento, tinha sua chance. E não apenas para sua aldeia, mas para o mundo inteiro. As incognoscíveis páginas, criadas em linguagem html foram se popularizando, com a criação de modelos facilmente manipuláveis. Vieram então os blogs que se tornaram muito mais acessíveis. A internet não apenas democratizava o espaço para que os movimentos coletivos se expressassem mundialmente, mas também viabilizava que qualquer um, com acesso à rede, pudesse ser um produtor de conteúdo. Aí mais uma vez foi a hora de pensar o jornalismo. Se qualquer um pode divulgar informações, como peneirar o que é apenas informação e o que é jornalismo? Como reconhecer o que é uma opinião? Como estabelecer os nexos entre as informações soltas divulgadas aos borbotões? Como encontrar espaços de informação crítica e contextualizada? O que se viu num primeiro momento foi que as pessoas continuavam a acessar a informação formal, produzida pelos mesmos grupos que já dominavam a informação televisiva ou do papel. Ou seja, a informação/propaganda produzida pelo jornalismo das grandes empresas de comunicação ainda era a referência. E, de novo, os movimentos e entidades da luta popular tiveram de disputar o espaço internético como “ilhas alternativas”, sempre perdendo a batalha para os velhos grupos de poder que controlam a mídia no mundo. Foi então que chegou o facebook, um espaço na rede que começou a abocanhar todas as possibilidades comunicacionais, aglutinando-as numa só. O correio eletrônico foi sendo abandonado e a comunicação agora vai se fazendo – em tempo real – pelo esquema de mensagens do face. A ideia é de que a pessoa esteja o tempo todo conectada, aproximando-nos daquela assombrosa ficção de Bradbury. E assim, no mundo atual, ou a pessoa está conectada, ou não é. É a versão eletrônica do consuma ou te devoro, outro mantra do capitalismo. Agora, a novidade que se aproxima me foi sussurrada por um texto do iraniano Hossein Derakhshan, chamado de o pai dos blogs do Irã, que informa o novo plano de Zuckerman: acabar com a possibilidade da publicação de links no facebook. E o que isso significa? Que se hoje os blogs e os movimentos sociais utilizam o facebook para potencializar suas informações, divulgando os links para serem consultados, amanhã isso já não será possível. A