Zona Curva

Maiakovski

Sob o manto do marketing político

A sociedade do espetáculo, mesmo na era do capitalismo cognitivo, vive sob o imperativo da mercadoria. Um fascinante universo em que tudo tende a se converter em produto. Quem opera na área de marketing sabe o quanto a eficácia de um produto está diretamente relacionada, mais que à sua utilidade ou ao seu conteúdo (porque existem diversos similares concorrendo entre si), à forma com que é apresentado. Por isso expande-se, a cada dia, o mercado produtor de embalagens. Elas se tornaram determinante para o sucesso dos produtos em todos os setores da economia e, também, na esfera de campanhas eleitorais como a em que transitamos, via rádio e TV, desde 19 de agosto e até 2 de outubro. Convenhamos que, no marketing político, o ato de “estampar” os candidatos junto ao eleitorado potencial possui a mesma função, para efeito da publicidade, que a dos bens industrializados. Isto é, produtos indiferenciados, políticos com as mesmas ideias e propostas, são apresentados como se diferentes fossem. Do mesmo modo, candidatos divergentes são convertidos em similares. Transformados em marcas, o objetivo é que 141,8 milhões de eleitores-consumidores, expropriados de sua real cidadania e injetados pelo recall (lembrança), votem (ou comprem) de acordo com a marca de sua predileção. Tais ferramentas de sedução mobilizam sorrisos photoshop, emoções lacrimejantes, promessas irrealizáveis. Esbravejam denúncias, acenam novos compromissos sob a fiança de programas de governo, a assegurar a realização de direitos sociais, qualificação dos serviços públicos e expansão da gratuidade, nos casos dos cargos executivos, ou a defesa de demandas sociais sempre gritantes, no caso dos candidatos aos parlamentos, frente à sociedade exaurida a alimentar a esperança de um novo porvir. Mas, afinal, de qual modo as campanhas políticas contribuem para a educação política dos cidadãos, para a compreensão das diferentes posturas ideológicas predominantes e que correspondem à existência de interesses sociais contraditórios? A tendência da política como espetáculo consolidou-se no Brasil desde a campanha presidencial de 1989, case recorrente, com a eleição de Fernando Collor, levada a efeito pelo papel decisivo desempenhado pela Rede Globo e pela própria campanha do candidato valorizando a imagem de juventude, a alegada condição de não comprometido com os vícios (as corrupções) da política e para dar no que deu: o histórico impeachment. A propaganda eleitoral de Lula da Silva, por seu turno e à época, parodiava programas da mesma Globo – a assegurar propostas de ruptura com o FMI (afinal realizada) e em defesa da reforma agrária (permanentemente adiada). Derrotada, a estratégia do PT passou a seguir caminho oposto, com adesão à ideologia neoliberal, conforme se verificaria no início do seu primeiro governo, em 2003. Contrariando o filósofo Antonio Gramsci, há teóricos no espectro partidário da esquerda que acreditam ser possível, no marketing político, subordinar a “transmissão de conteúdos políticos transformadores da realidade social”, desde que as técnicas de marketing estejam sob controle das instâncias partidárias. Supõem poder separar forma e conteúdo. Ou seja, uma forma burguesa (o marketing) serviria para divulgação de conteúdos revolucionários (o socialismo). Conforme o poeta Vladimir Maiakóvski, “não há forma revolucionária sem conteúdo revolucionário”. Para Gramsci, a ideologia da classe trabalhadora não difere da ideologia burguesa apenas no conteúdo, mas na forma como deve ser construída, com a “participação ativa dos trabalhadores”. Contudo, o que seria a construção de uma concepção de mundo oposta à visão burguesa, afastou-se numa representação. O espetáculo “é o momento em que a mercadoria chega à ocupação total da vida social” (Guy Débord), submetendo o homem depois que a economia já o arrasou inteiramente. E assim, nessa tênue democracia representativa, com 31 partidos em disputa, seguimos embrulhados, devidamente alienados dos nossos reais interesses, em favor de propósitos governantes a nos surrupiar a alma sob o manto do capitalismo. Até quando, Oscar Wilde?

Maiakóvski quase “rouba” poema de escritor brasileiro

“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.” NO CAMINHO COM MAIAKÓVSK – Esse conhecido poema faz parte do longo poema “No caminho com Maiakóvski” (1968) do brasileiro Eduardo Alves da Costa. Muito citado por integrantes da resistência ao regime militar, o poema foi atribuído ao poeta russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930). Ironicamente, o poema popularizou-se não só no Brasil e pode ser considerado um dos poemas brasileiros mais conhecidos no mundo. O que infelizmente não colaborou para tornar mais conhecidos os livros de Costa. Ele já publicou quatro livros de poesia, três de contos, quatro romances e cinco peças de teatro. Aos 78 anos, o escritor vive hoje na pequena Picinguaba, litoral norte de São Paulo, e acaba de publicar o romance Tango, com violino. A confusão sobre a autoria do poema começou na epígrafe de um dos livros do escritor Roberto Freire, que foi o primeiro a creditá-lo a Maiakóvski. Mais tarde, a autoria também foi atribuída a Gabriel García Márquez, Bertolt Brecht e Wilhelm Reich. O poema estampou as camisetas amarelas da campanha pelas Diretas Já nos anos 80 e circulou em correntes de e-mails nos anos 90. Na novela Mulheres Apaixonadas, o autor Manoel Carlos incluiu o poema na fala de um de seus personagens e deu o crédito correto a Eduardo Alves da Costa. Uma crítica de TV cobrou do autor de novelas que corrigisse o “erro”. Carlos foi além e criou outro diálogo contando a história da autoria equivocada do poema. O episódio serviu para a Geração Editorial reeditar o livro de poemas “No caminho de Maiakóvski”, que em 2003 (ano em que a novela foi exibida) estava há 15 anos fora das livrarias. Poema NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI completo: Assim como a criança humildemente afaga a imagem do herói, assim me aproximo de ti, Maiakóvski. Não importa o que me possa acontecer por andar ombro a ombro com um poeta soviético. Lendo teus versos, aprendi a ter coragem.   Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história. Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na Segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.   Nos dias que correm a ninguém é dado repousar a cabeça alheia ao terror. Os humildes baixam a cerviz; e nós, que não temos pacto algum com os senhores do mundo, por temor nos calamos. No silêncio de meu quarto a ousadia me afogueia as faces e eu fantasio um levante; mas amanhã, diante do juiz, talvez meus lábios calem a verdade como um foco de germes capaz de me destruir.   Olho ao redor e o que vejo e acabo por repetir são mentiras. Mal sabe a criança dizer mãe e a propaganda lhe destrói a consciência. A mim, quase me arrastam pela gola do paletó à porta do templo e me pedem que aguarde até que a Democracia se digne a aparecer no balcão. Mas eu sei, porque não estou amedrontado a ponto de cegar, que ela tem uma espada a lhe espetar as costelas e o riso que nos mostra é uma tênue cortina lançada sobre os arsenais.   Vamos ao campo e não os vemos ao nosso lado, no plantio. Mas ao tempo da colheita lá estão e acabam por nos roubar até o último grão de trigo. Dizem-nos que de nós emana o poder mas sempre o temos contra nós. Dizem-nos que é preciso defender nossos lares mas se nos rebelamos contra a opressão é sobre nós que marcham os soldados.   E por temor eu me calo, por temor aceito a condição de falso democrata e rotulo meus gestos com a palavra liberdade, procurando, num sorriso, esconder minha dor diante de meus superiores. Mas dentro de mim, com a potência de um milhão de vozes, o coração grita – MENTIRA! 10 músicas contra a ditadura militar (2)