Zona Curva

mapa da fome

Comida no prato ou no tanque de combustível?

Fome – No Brasil, passa de 30 milhões o número de pessoas com fome crônica. Como admitir que um país, com um território tão vasto e fértil, que colhe cerca de 270 milhões de toneladas de grãos na safra 2021/2022 (1,3 tonelada por habitante), possa ter índices tão alarmantes de famintos? E são mais de 100 milhões de habitantes em insegurança alimentar. No mundo, a fome ameaça a sobrevivência de quase 1 bilhão de pessoas. Por quê? O preço do trigo se manteve estável nos últimos 30 anos. As safras de 2020 e 2021 foram boas e os estoques, suficientes. O problema é que, muitos países, sobretudo na África e na América Latina, são fortemente dependentes de bens alimentares, como cereais e óleos vegetais, produzidos por Rússia e Ucrânia. A guerra afeta duramente a produção e a exportação, e deixa os importadores sem alternativas viáveis. A inflação dos preços dos alimentos no mundo não é propriamente consequência do conflito entre ucranianos e russos. Teve início nos primeiros meses de 2020, quando houve aumento dos preços de petróleo e gás. Quando as ações das empresas de gás e petróleo subiram nas Bolsas de Valores, sinalizou-se que o preço dos alimentos teria alta. E o nosso sistema alimentar é muito dependente desses combustíveis, sobretudo na produção de pesticidas e fertilizantes, e em transporte, processamento e conservação dos produtos. Quanto mais sobem os preços dos combustíveis fósseis, considerável parcela de produtos agrícolas deixa de ser destinada ao consumo humano para gerar biocombustíveis. E a Bolsa de Chicago, que regula os preços dos alimentos, favorece a especulação ao taxar a cesta que associa petróleo, gás e minerais a produtos agrícolas. O agronegócio, tão aclamado pelo capitalismo, produz hoje menos para alimentar pessoas e mais para abastecer veículos e gerar eletricidade. Os principais biocombustíveis produzidos no Brasil são o biodiesel e o etanol. O biodiesel deriva de oleaginosas (mamona, algodão, amendoim, dendê, girassol e soja) e de matérias-primas alternativas, como gordura animal, óleos de frituras e gorduras residuais. Em 2020, a produção brasileira de etanol foi de 32,6 bilhões de litros, um decréscimo de 9,5% em relação a 2019. A produção de açúcar apresentou aumento de 39%, alcançando 41,5 milhões de toneladas, e suas exportações cresceram 13,9 milhões de toneladas (acréscimo de 71,7%) – dois recordes históricos. O setor sucroenergético processou 663 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, 1,3% superior ao ano anterior (MAPA, 2021). A produção nacional de etanol de milho quase duplicou, alcançando 2,4 bilhões de litros em 2020, aumento de 82%. Para a safra 2021/22, espera-se redução na moagem de cana, devido à seca em algumas regiões e à diminuição da área de plantio pela concorrência com alguns cultivos, como soja e milho, que têm tido boa rentabilidade. O desafio, hoje, é buscar um sistema alimentar que dependa cada vez menos de combustíveis fósseis e adote práticas agrícolas regenerativas e sustentáveis, como a agroecologia, de modo a reduzir a dependência de insumos externos e aumentar o preservação do meio ambiente. Devemos nos empenhar em depender cada vez menos das multinacionais que controlam o comércio de alimentos no mundo. Para isso, é preciso valorizar as agriculturas familiar, urbana e suburbana. Aproveitar cada pedaço de terra – um lote, um terreno baldio, um quintal – para semear alimentos. Fortalecer a conexão entre campo e mesa, livre da intermediação especulativa. Todo esse processo depende muito da educação nutricional. Sem mudanças de hábitos alimentares, valorização da agricultura familiar e canais alternativos de abastecimento de feiras livres e supermercados, a sociedade continuará refém dos que tratam os alimentos como mero valor de troca, e não valor de uso. A educação alimentar nos ensina a abandonar o consumo de alimentos ultraprocessados, desprovidos de valor nutritivo, e evitar o desperdício. Alimento é fator de comunhão, comum união, entre familiares e amigos. E, hoje em dia, há microapartamentos sem fogão, com apenas um micro-ondas para aquecer as refeições que já chegam prontas. É preciso vencer todos esses obstáculos à boa alimentação e resgatar o seu valor de nutrição e comunhão. Caso contrário, a saúde do planeta e de vidas humanas estará cada vez mais prejudicada. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Combater a fome e o veneno na alimentação Retrocesso: efeitos de quatro anos de governo Bolsonaro no Brasil  

Combater a fome e o veneno na alimentação

Fome – A alimentação é o direito humano número 1. No Brasil, 19 milhões de pessoas (9% da população) padecem de fome crônica, agravada pela pandemia, o desemprego, o aumento dos preços dos alimentos (o maior desde 2003) e, sobretudo, o desgoverno Bolsonaro. A insegurança alimentar moderada e grave afetou 21,5% da população em 2004; 10,3% em 2013; e em 2020 chegou a 20,5% (Rede Penssan – Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania Alimentar e Nutricional). Hoje, 116 milhões de pessoas no Brasil se encontram em insegurança alimentar, ou seja, não sabem o que haverão de comer no dia seguinte ou não têm acesso a uma alimentação que contenha nutrientes essenciais. Em 2004, a pobreza atingia 21,5% da população brasileira. Dez anos depois (2014) foi reduzida para 8,4%. Subiu para 11% na recessão de 2015-2016, e para 16% no primeiro semestre de 2021. A Ação Coletiva Comida de Verdade, rede integrada por 13 movimentos comprometidos em promover segurança alimentar, identifica 310 iniciativas de sistemas alimentares inclusivos e sustentáveis no Brasil, de hortas comunitárias a cooperativas e campanhas de financiamento coletivo. Dessas 310, 58,9% se dedicam à comercialização, como feiras agroecológicas e distribuição de cestas da agricultura familiar. E 31% são ações solidárias destinadas a facilitar o acesso a alimentos de grupos vulneráveis; e 7,5% resultam de políticas públicas. Desde o lançamento do programa Fome Zero, no governo Lula, se propõe às prefeituras cancelar o IPTU de lotes e terrenos baldios que forem cedidos por seus proprietários ao cultivo de hortas comunitárias. Em 1950, segundo censo do IBGE, 2/3 da população brasileira (64%) viviam na zona rural. No último censo, de 2010, eram 84% nas cidades e 16% na zona rural. Isso se traduz em favelas, desemprego, violência e, sobretudo, consumo de alimentos industrializados de pouco valor nutricional. O MST é, hoje, o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, isto é, sem insumos como adubo químico e agrotóxico. Aliás, esses produtos encareceram na pandemia, afetando o preço dos alimentos. No MST, o pacote de 1kg de arroz custa de R$ 7 a 8. No Rio Grande do Sul, o movimento espera colher, para a safra de 2022, 300 mil sacas. No início de 2021, foram 248 mil sacas, no valor de R$ 20 milhões, e 130 mil continuam em estoque, pois a maior dificuldade é escoar a produção, já que o principal comprador é o governo, a Conab e o Programa Nacional de Alimentação Escolar. E em se tratando de produtos do MST… a Conab não tem aberto leilões para adquirir produtos da agricultura familiar. Nem o governo federal se mostra interessado em manter estoques reguladores. O Brasil é o terceiro país do mundo a utilizar agrotóxicos, atrás da China e dos EUA (FAO). Em 2019, foram vendidas no Brasil 620 mil toneladas de agrotóxicos (Ibama). Desse total, 38,3% são “altamente ou muito perigosos”, 59,3% “perigosos” e apenas 2,4% “pouco perigosos”. O governo Bolsonaro flexibilizou o registro dos agrotóxicos. Desde a lei de 1989, se evitava aprovar qualquer um que contivesse substâncias que causam distúrbios respiratórios graves, câncer, mutação genética, má formação fetal, Parkinson, além de alterações hormonais e reprodutivas. O decreto de 7 de outubro deste ano (10.833/2021) aprovou o “pacote de veneno”. Reduz o prazo de aprovação dos agrotóxicos, aumenta a participação do Ministério da Agricultura e cria “limites seguros” para que substâncias antes proibidas sejam aprovadas. As entidades contrárias à medida dizem que o Brasil tem grande potencial de produzir biodefensivos, mas o governo as ignora. De janeiro a setembro de 2021 foram liberados no Brasil 1.215 agrotóxicos (Diário Oficial). Entre 2005 e 2015 o ritmo de aprovação era cerca de 140 por ano. Este ano já foram liberados 345. Dos produtos usados no Brasil, 30% possuem substâncias ativas proibidas em países europeus, como atrazina, acefato e paraquate. Este último herbicida, utilizado em plantios de algodão, milho e soja, foi vetado em 2017, mas se permitiu usar o estoque até julho deste ano. Está proibido em 37 países. Provoca Parkinson nos agricultores. Desde 1997, os agrotóxicos recebem incentivos fiscais do governo. Ao permitir a desoneração de até 60% do ICMS no comércio dos venenos, os estados deixam de arrecadar R$ 6 bilhões por ano! Uma das principais fontes de venenos na alimentação são os ultraprocessados. O governo deveria regular a publicidade, elevar os impostos e obrigá-los a estampar rótulos de advertência, como no cigarro. A partir de outubro de 2022, produtos com alta concentração de sódio, açúcar e gorduras saturadas deverão expor os índices em suas embalagens. A dieta in natura é mais cara que consumir ultraprocessados, cujo maior custo decorre de embalagem, transporte e propaganda. Os ultraprocessados são feitos, não para alimentar, e sim para incentivar o consumo excessivo. Refrigerantes, por exemplo, não se destinam a matar a sede, e sim viciar o consumidor. Favorecem a obesidade, a hipertensão e o diabetes. E o pior: aqui são incentivados pelo governo. Refrigerantes fabricados na Zona Franca de Manaus recebem subsídios na forma de créditos tributários. Em setembro, o Idec denunciou que 59,3% dos produtos ultraprocessados apresentam resíduos de agrotóxicos. Entre 27 produtos, mais da metade continha resíduos de glifosato ou glufosinato – dois herbicidas muito usados em plantações de soja, milho e algodão. Segundo a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, ligada à Organização Mundial de Saúde (OMS), o glisofato causa câncer. Aparece em salgadinhos, bisnaguinhas, biscoitos de água e sal, bolachas recheadas, cereais, pães de trigo e bebidas de soja, itens muito consumidos por crianças e adolescentes. A Anvisa, que controla o índice de agrotóxicos em produtos orgânicos, não o faz quando se trata de industrializados. O agronegócio reconhece que, nos últimos 30 anos, a área de plantio no Brasil cresceu apenas 50% e, graças ao uso de agrotóxicos, a produção de grãos aumentou em 360%! (CropLife Brasil). Salva-se a bolsa, danam-se as vidas! Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Tá osso! Norte e Nordeste voltam a ser esquecidos no faminto Brasil de Bolsonaro