O Marcello de Mastroianni

Roberto Acioli de Oliveira (Colaboração especial para o Zonacurva) Mastroianni – Já o vimos na pele de um homossexual, de um impotente, de um corno e até de um homem grávido, mas grande parte da imprensa especializada insiste em referir-se a ele como o grande Amante Latino. Marcello Mastroianni não gostava deste rótulo, segundo ele inventado pelos produtores norte-americanos. “Eu não sou um sedutor”, insistiu o ator, que o amigo Federico Fellini chamava de Snaporaz, em referência ao papel de Mastroianni como o protagonista masculino atordoado e mulherengo de Cidade das Mulheres (La Città delle Donne, 1980). Neste filme, o cineasta criou situações que muitas mulheres consideraram antifeministas. De modo geral, era uma crítica que pairava sobre ele, contudo Mastroianni o defendeu: “Todos os homens são um pouco misóginos, ora essa! [Fellini] não fez mais que falar de mulheres, e as olhava sempre como um menino guloso” (BIAGI, E. 1997: 17, 18). “- Quem foi o primeiro ator da história? – Adão, obrigado a fazer os papéis de noivo, marido, pai e por aí afora”  Mastroianni em entrevista a Enrico Roda (BIAGI, E. 1997: 7) Marcello Vincenzo Domenico Mastroianni (1924-1996) não nasceu na cidade grande. Fontana Liri, sua cidade natal, fica a meio caminho entre Roma e Nápoles – mas sua família já havia se mudado para Roma desde antes da Segunda Guerra. Com 160 filmes no currículo, Mastroianni passou pelas mãos de muitos cineastas. Dentre os italianos, além do próprio Fellini, os nomes mais conhecidos são Alessandro Blasetti, Luciano Emmer, Carlo Lizzani, Luchino Visconti, Mario Monicelli, Mauro Bolognini, Vittorio De Sica, Michelangelo Antonioni, Pietro Germi, Elio Petri, Dino Risi, Valerio Zurlini, Ettore Scola, os irmãos Taviani, Giuseppe Tornatore, Liliana Cavani e Francesca Archibugi. Gian Piero Brunetta o considera um dos “mosqueteiros da comédia italiana”, ao lado de Vittorio Gassman, Alberto Sordi, Ugo Tognazzi e Nino Manfredi (BRUNETTA, G. P. 2009: 193). Dentre os cineastas estrangeiros que trabalharam com ele, poderiam ser citados o grego Theodoros Angelopoulos, o português Manoel de Oliveira e o brasileiro Bruno Barreto. Mastroianni por Mastroianni: “(…) Em suma, considero-me um homem cheio de veleidades, sem força de caráter. A prova do que digo está justamente na minha capacidade de fazer bem na tela os fracos de caráter: o barão Cefalù de Divórcio à Italiana, o professor Sinigaglia de Os Companheiros, o intelectual em crise de Fellini 8 1/2” (BIAGI, E. 1997: 8)   Mastroianni e Sophia Loren Trabalhando inteiramente no campo da comédia, a parceria entre o ator e a atriz rendeu a eles mais louros do que suas próprias carreiras tomadas isoladamente. De acordo com Pauline Small, esse é especialmente o caso em relação às parcerias de Mastroianni com outras atrizes. Desde suas primeiras comédias juntos na década de 50 do século passado (a maioria se encaixa no chamado “Neo-Realismo rosa”), até o casal atrapalhado em Prêt-à-Porter (direção Robert Altman, 1994), passando pelo mais sério Um Dia Muito Especial (Una Giornata Particolare, direção Ettore Scola, 1976), a dobradinha era garantia de bilheteria e fez a felicidade de muitos produtores e cineastas – fizeram 12 filmes juntos (BIAGI, E. 1997: 67). A atriz Sophia Loren completou 80 anos no último dia 20 de setembro. Ao contrário de Loren, Mastroianni possuía experiência de teatro, embora o trabalho em comédias do cinema italiano lhe tenha proporcionado uma experiência que não possuía. Sua parceria com Loren em Peccato che Sia una Canaglia (direção Alessandro Blasetti, 1954), o fez se preocupar com a possibilidade de que passasse a ficar para sempre ligado àquele tipo de papel (houve uma enxurrada de oferecimentos para ele repetir o papel do taxista de Roma), mas admitiu que esse filme em companhia da atriz foi essencial para o aumento de sua popularidade – em quase todos os filmes que contracenou com Loren, Mastroianni aparecia menos do que ela na tela (DEWEY, D. 1993: 72, 128). Referindo-se a sua atuação ao lado de Vittorio Gassman em Os Eternos Desconhecidos (I Soliti Ignoti, direção Mario Monicelli, 1958), Mastroianni faz uma referência à Peccato: “E realmente eu fiz personagens como esse antes, por exemplo, em Peccato che Sia una Canaglia. Era o habitual inocente bem intencionado que no fundo não é realmente cômico, mas que reage às situações de uma forma que faz as pessoas rirem (…)” (Idem: 90) Naquela época, em meados da década de 50, começava a surgir uma tendência de se criarem comédias em torno de casais. Contudo, ainda que Mastroianni tivesse no começo de sua carreira concordado em tomar o lugar de “cara legal” (bravo ragazzo) construído por Vittorio De Sica durante a década de 30, logo começou a sentir-se numa camisa de força (o medo de só ser chamado para esse tipo de papel). Tanto que, pelo mesmo motivo, passará a sempre atacar o estereótipo de Amante Latino que nunca desgrudou dele (SMALL, P. 2009: 89-93). Quando Sophia Loren entrou na guerra dos seios Mastroianni e seus duplos De acordo com Donald Dewey, antes de chamar atenção pelas performances no melancólico Noites Brancas (Le Notti Bianche, também conhecido como Um Rosto na Noite, direção Luchino Visconti) em 1957 e no simplório Os Eternos Desconhecidos no ano seguinte, Mastroianni era visto como mais um dos bonitões da tela. Foi apenas a partir de A Doce Vida (La Dolce Vita, direção Federico Fellini, 1960), embora ainda em função de um esforço pessoal do ator, que esse rótulo começou a se descolar da mente daqueles que o chamavam para atuar no cinema. Na seqüência, consolidaram essa mudança o papel de protagonista em O Belo Antônio (Il Bell’Antonio, direção Mauro Bolognini, 1960), Divórcio à Italiana (Divorzio all’Italiana, direção Pietro Germi, 1961) e A Noite (La Notte, direção Michelangelo Antonioni, 1961) (DEWEY, D. 1993: 11-2, 15, 247-9, 265). Com estes quatro filmes em seqüência pode se ter uma noção do alcance de Mastroianni, do aborrecido e pouco sociável repórter de A Noite até o marido safado de Divórcio à Italiana. A galhardia da versatilidade de Mastroianni como ator seria igualada apenas por sua capacidade (suicida, segundo