O fim do estado de direito, ou quando a ditadura do capital mostra sua cara
por Elaine Tavares Houve um tempo em que pareceu possível acreditar que no capitalismo haveria a possibilidade de existir um “estado de direito”. Ou seja, uma organização da vida amparada em leis e direitos, valendo para todos. O tal do contrato social. E assim, os estados garantiram leis de amparo ao trabalhador, benefícios para os velhos, as viúvas, as crianças e os doentes, regras de convívio social. Alguns países até conseguiram chegar a algum nível dessa proposta, mas todos do centro do sistema. Até porque quem estuda sabe que, no capitalismo, o centro só é rico justamente porque tem uma periferia empobrecida da qual ele tira tudo o que pode. Mas, como a ideologia e a propaganda sempre foram fortes, houve muita gente que acreditou na falácia de que se trabalhassem muito, também chegariam a ter as maravilhas que se apresentavam na velha Europa ou nos Estados Unidos. Riqueza, consumo desenfreado, amparo, saúde. Uma bobagem. Isso nunca seria possível num país dependente. Poderia chegar para um grupo bem pequeno de pessoas, pois como diz o teórico Gunder Frank, os países dependentes também conseguem algum nível de desenvolvimento, ainda que seja o desenvolvimento do subdesenvolvimento. E é só. Não há como garantir direitos para todos, pois assim o capitalismo deixa ser o que é: um sistema de exploração. Assim, na América Latina, quando a revolução cubana iluminou todo o continente com uma proposta diferente da do capitalismo, os que estavam no controle do mundo trataram logo de abafar o perigo. Foi assim que se impôs a ditadura cívico/militar em todo o continente, de cima abaixo. O único direito que tinham os latino-americanos era o de ficarem calados, senão a morte vinha a galope, ceifando a vida dos que se insurgiam. Nos anos 80 do século passado veio a tal da “democratização”, que foi uma distensão lenta da mão dura militar, passando o comando apenas para o braço civil. A ditadura já não era necessária, o tempo havia passado, Cuba seguia isolada e o sistema capitalista havia desenvolvido mecanismos de sedução que encantavam as pessoas, atraindo-as, sem a necessidade de um governo tão opressor. A liberdade raiou na América baixa, trouxe de volta os exilados, e abriu um tempo de eleições diretas. Votar era possível de novo. Voltava o direito. As pessoas podiam se expressar, fazer oposição, lutar por direitos trabalhistas, aposentadoria, moradia, transporte. Parecia que o “bem-estar” teria uma chance por aqui. Veio uma nova Constituição. A lei haveria de garantir o direito de todos. Mas, que engano. A lei não vale para todos. Ela é uma construção histórica de uma determinada classe. É a classe dominante que elege seus representantes, e estes fazem as leis. É também a classe dominante que escolhe os juízes das cortes que julgam com base numa lei que sua própria classe fez. E se a lei é um feito da classe dominante, o que podem os trabalhadores esperar? Que ela sempre se volte contra eles. Sempre. Mas, na euforia da democracia, as pessoas preferem se enfeitiçar pela ideologia do direito para todos. A vida real nos mostra que não há direitos para os pobres. Eles não têm moradia, nem saúde, nem educação, nem amparo, nem previdência. Tudo é aparência de direito. A lei só existe para ser usada contra os pobres. São eles os que enchem o sistema prisional a partir de condenações por “crimes” tão prosaicos como ser companheira de um traficante e estar com ele na hora da prisão, roubar um pão, passar um cigarro de maconha para o marido na cadeia, carregar vinagre durante uma manifestação. Coisas assim. Claro que bandidos há, mas eles são a minoria. Aí estão as pesquisas para provar. A lei é feroz contra os pobres. Já os ricos, bem, esses têm bons advogados que torcem e distorcem a lei. Que o diga o jovem Thor, que não é um deus, mas filho de um que era: Eike, o superempresário. Matou um homem e saiu de boa. Pois o sistema capitalista agora está tão seguro de si que já começa a pouco se importar com manter a aparência de um estado de direito. O poder está nas grandes corporações, que são transnacionais. Não estão nem aí para parecerem boazinhas. Querem tomar a vida dos trabalhadores até a última gota e arreganham os dentes. O direito? Ah, que se lasque. As leis? Que se mudem ao nosso bel prazer. É a ditadura do capital em sua meridiana clareza. Em nível internacional isso começou devagar, com o império estadunidense afogando o direito, ainda meio tímido, escondendo-se por trás de mentiras. Foi assim na invasão do Afeganistão, feita a partir da queda das duas torres gêmeas. Era o terrorismo e tinha de ser combatido. Onde estavam os barbudos? No Afeganistão. Então borá lá, vamos pegá-los. O mundo inteiro caiu nessa mentira deslavada e o Afeganistão foi destruído para alegria da indústria militar. Depois foi a vez do Iraque, e a mentira das armas químicas. Em nome da salvação dos iraquianos, borá lá destruir as armas químicas que podem ser ameaça ao mundo. Mas, pera aí, não há provas! E quem precisa de provas? Basta que alguém – do centro – grite que tem armas, e tem. E lá foram os países centrais ocupar o Iraque, provocando destruição e morticínio. Dane-se o direito internacional. Afinal, quem decide o que é direito são os grandes. A América Latina volta ao foco A América Latina pós ditadura parecia não fazer parte dos planos dos EUA. Mas, na verdade, fazia sim, só que com as coisas acontecendo de outra forma, no modo “suave”. Os primeiros sintomas de que a parte baixa da América sofreria outra vez o peso do império apareceram em 2002, quando a Venezuela viveu um golpe de estado. Hugo Chávez comandava o país fazendo coisas incríveis, como eleições gerais, plebiscitos, Constituinte, falando em socialismo. Deu o alerta vermelho. Era preciso parar o caudilho. Então, veio o golpe, desta vez sem canhões, mas com a mídia. Através da televisão se formou