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#nãoapec55

O Rio Grande, os trabalhadores e o capital

por Elaine Tavares O que aconteceu anteontem no Rio Grande do Sul é uma prévia do que virá em todos os estados da Federação. Deputados votando leis que retiram direitos, trabalhadores agredidos pelas polícias militares, governadores impassíveis e insensíveis às dores das gentes. O argumento para a barbárie contra os trabalhadores é o de que o estado está endividado e há que cortar na carne para equilibrar as contas. Só que esse cortar na carne, não se refere a qualquer carne. É a carne de quem produz a riqueza: o trabalhador. A carne de quem se apropria do lucro gerado por esse trabalho não sofrerá sequer um risquinho. Não bastasse isso, as pessoas que sofrem os ataques sequer sabem como a dívida foi contraída, em que bases e para onde foi o dinheiro. Isso não é nenhuma novidade para quem estuda o modo de ser do capitalismo. Nesse sistema, que Mészáros considera “incontrolável”, o Estado existe justamente para proteger os meios de produção (que são de propriedade dos capitalistas) e a propriedade privada. Tudo é feito para garantir a expansão do capital e a maior extração do trabalho excedente. Logo, quando há uma crise mais profunda, como agora, cabe ao Estado proteger as condições gerais da extração da mais valia do trabalho excedente. O que isso significa? Que novas normas e leis são criadas para garantir que a taxa de lucro dos capitalistas não caia. Logo, a outra face dessa verdade é o chicote no lombo dos trabalhadores. Assim, cortam-se direitos e diminui-se a intervenção do Estado na vida das gentes, com cortes nos setores públicos. O que acontece hoje no Rio Grande do Sul é a expressão do que já começou a acontecer em nível nacional com a aprovação da PEC 55. Nesse sistema, que Mészáros chama de “sistema metabólico do capital”, o tripé Capital x Trabalho x Estado é como uma entidade única de três cabeças, sendo que a cabeça Trabalho é a que vive sob a subordinação. E ela está sob o tacão da força porque, sem ela, as outras duas cabeças deixariam de existir. Ainda assim, mesmo dependendo da força dos trabalhadores para se fazer real, o capital não faz qualquer concessão. Diante de qualquer possibilidade de perder lucro, o sistema se reorganiza sem levar em conta, no mais mínimo, os interesses das pessoas. Todas as decisões são tomadas para manter rodando a roda viva da produção do lucro. É o “sistema” que precisa se manter. Danem-se os trabalhadores. Existem tantos no mundo que o capital pode permitir que muitos deles venham a perecer diante das medidas de austeridade tomadas. Assim que não há qualquer eficácia em apelar para os “bons sentimentos” dos governantes. Eles não estão subordinados a qualquer compaixão. Sua subordinação é a um sistema que se configura incontrolável, exigindo sempre mais. Uma espécie de deus sanguinário. Quanto mais sangue se lhe é sacrificado, mais ele quer. Mészáros diz que o capital tem um controle sem sujeitos. E o que quer dizer com isso? Que não há no quadro de mando do sistema alguém que possa olhar para o sofrimento dos trabalhadores e se compadecer. Não. O sistema exige mais e mais e os seus supostos controladores – na verdade controlados pelo sistema – só o que podem fazer é aplicar receitas que permitam a insaciável expansão do capital. Por isso que o governador Ivo Sartori pode ser visto dando risadas no aeroporto enquanto sua polícia desce o cacete nas gentes em frente à Assembleia Legislativa. Aquele que comanda o estado sabe que sua função ali será a de garantir o controle de qualquer rebelião que venha a ameaçar o perfeito rotacionar do sistema. Por isso ele está em paz. Não é comandado pela moral. Na cabeça dele, a função para a qual foi eleito está sendo cumprida à risca. Não enxerga pessoas. Vê pequenos cânceres que com sua ação rebelde querem pôr fim ao sistema metabólico do capital. O mesmo acontece com aqueles que, enquanto os trabalhadores apanhavam em frente ao Congresso nacional, se coqueteavam com champanhe e salgadinhos. O quadro que se desenrolava lá fora era só um borrão, tapado pela fumaça das bombas. A única visão possível era a dos policias, bem armados, protegendo a “bastilha”. E só. Diante dessa constatação não cabe aos trabalhadores clamar por piedade ou misericórdia. O único que lhes cabe é a luta. A luta renhida. Mas não pode ser uma luta pontual, para resolver a questão da previdência ou a da dívida, como se solucionado esses pequenos pontos, a vida pudesse seguir seu curso em direção ao paraíso. Isso não vai acontecer. Ainda que o sistema – em temos de crescimento – possa conceder um ou outro ganho aos trabalhadores, seus hábitos alimentares não mudam. Segue se alimentando da mais valia dos trabalhadores. Não pode viver sem isso. É como o vampiro que diante da moça assustada, dá um suspiro de pena, mas imediatamente finca-lhe os dentes. Não pode existir se sentir compaixão. Cabe, portanto, desmontar esse “sistema metabólico do capital”. Avançar para uma forma de organizar a sociedade na qual as aspirações legítimas das pessoas por vida plena, digna e de riquezas repartidas conforme as necessidades, sejam levas em consideração em vez dos imperativos fetichistas da ordem. Enquanto existir o modo capitalista de produção, essas aspirações não terão lugar. Logo, é tempo de decidir. Não que as lutas pontuais não devam ser travadas. Isso não só é justo como necessário. Mas, elas precisam avançar para a destruição desse sistema que nos suga todo o sangue e a alegria de viver. Ninguém entre nós que tenha começado a trabalhar aos quatro, cinco anos, cortando cana, carregando pedra, amassando massa quer trabalhar até os 100 anos. Esses desejos só sentem aqueles que não produzem riquezas, os que se refestelam em salas acarpetadas com ar-condicionado. https://urutaurpg.com.br/siteluis/ate-a-onu-alertou-mas-a-pec-do-fim-do-mundo-foi-aprovada/  

Elis, o meu coração e a PEC do Temer

por Marceu Vieira Meu coração é velho. Mais do que eu. Por isso, depois de ler tanta coisa e de assistir a tantos comentários de economistas e analistas sabidos na TV sobre o congelamento dos gastos públicos e a reforma da Previdência, entrei num cinema da Praia de Botafogo, onde a Baía de Guanabara é mais agredida e também mais generosa, pra tentar desopilar o coração. Meu coração é velho, mas o corpo que o carrega ainda precisa trabalhar e trabalhar e trabalhar (e cadê emprego formal bastante pra todo mundo?) e contribuir e contribuir e contribuir pro governo, e ainda assim pagar plano de saúde e escola, e pagar mais plano de saúde e escola, e mais plano de saúde e escola, e ainda assim continuar e continuar e continuar, até o dia em que a vida, talvez nem tão comprida quanto esta frase, determine o fim de tudo. Fui ver “Elis”, de Hugo Prata, que conta uma parte da trajetória da cantora maravilhosa, a mulher tão bonita e tão cheia de imensas aflições no seu corpo miúdo e ao mesmo tempo exuberante e desejado pelos homens da sua época. O filme me tocou profundamente. Menos pela construção, que merece elogios e algumas ressalvas (onde foi parar o encontro dela com Tom Jobim?), e mais, bem mais, pela história comovente contida, sobretudo na primeira metade, quando, na tela, surge a moça frágil e forte – muito bem interpretada pela atriz Andreia Horta -, ali recém-chegada do Rio Grande do Sul, conduzida pelo pai até a porta da fama no Rio de Janeiro, onde a jovenzinha gaúcha encontra Miele e Ronaldo Bôscoli, este aí prestes a se tornar a grande paixão da vida dela. Meu coração velho e confuso se reapaixonou pela personagem na tela. Reapaixonou-se porque eu já tinha 19 anos quando Elis morreu – e, como sempre amei a música, e sempre também me atraí pela beleza não completamente perfeita, e essa, acho, era a beleza da Elis, enfim, rever aquela existência dramática na tela grande do cinema fez a paixão reacender no meu coração, agora já maduro e contaminado pelos anos. Elis estaria perto de completar 72 de idade se não tivesse morrido naquela manhã de 19 de janeiro de 1982, aos 36, vítima da overdose do álcool e da cocaína. Vítima de uma depressão fulminante. Vítima dela mesma. A menina descrita no filme nasceu num país corrupto e corrompido desde o primeiro espelho dado por Cabral ao primeiro índio pelado que lhe apareceu na frente. Mas nasceu num tempo de tentativas de se construir por aqui um capitalismo melhor que o de hoje, quando não é mais o baronato industrial o dono do Brasil, mas o financeiro. A História ensina assim: era o fim da Segunda Grande Guerra quando Elis nasceu. O Brasil se industrializava. Planejava o futuro a longo prazo pra que todo mundo, nesta terra de Caramuru e Paraguaçu, pudesse consumir o que a indústria produzisse. No tempo da Elis, num planeta sem internet pra dizimar os discos e os afetos e tantas outras coisas, o pacto social determinado pela elite industrial brasileira era o de criar uma classe trabalhadora capaz de comprar o que se produzisse. Mas, de um momento qualquer da ditadura militar pra cá, passando pelo reinado tucano, alguma coisa deu errado – e a elite mandante passou a ser não mais a industrial, mas a financeira, a dos bancos, a dos juros, a do overnight, a das Letras de Câmbio, a dos fundos de investimento, a do dinheiro pra quem tem dinheiro, até alcançarmos o ápice agora, num tempo já sem a Elis, com a aprovação desta PEC produzida pela perversidade oportunista dos mandarins de ocasião ou pela burrice de quem não acredita que educação, por exemplo, é a política pública de segurança e mobilidade social mais eficiente a longo prazo, capaz de reduzir, numa tabelinha com o futuro, todos os gastos com saúde e Previdência. O mundo pós-Elis é uma ciranda movida a esse dinheiro detestável e improdutivo. Um mundo às vezes xexelento e desagradável, que ficou demais pra corações velhos como o meu e o de tanta gente que se insubordina, enquanto é tratada no noticiário como antiquada ou alistada ao vandalismo. E tudo isso, neste tempo sem Elis pra consolar, é feito pra pagar os juros de uma dívida pública que não para de crescer, não para de crescer, não para, não para, como ensinam economistas e comentaristas sabidos na TV. O que a maioria dos sabidos não diz é que esse desmanche social é feito pra saldar a tal dívida pública com uma elite financeira sustentada pelos impostos pagos pelos mais pobres. E que a tal dívida foi contraída porque ela, a elite financeira, não paga o imposto que deveria pagar por justiça. Antes da votação da PEC, o professor Jessé de Souza, do Departamento de Ciência Política da UFF, ensinou, numa audiência pública no Senado, que 53% dos impostos engolidos pelo Estado brasileiro são pagos pelos 79% que recebem até três salários mínimos. O professor ensinou em vão, porque os senadores não aprenderam, ou fingiram não aprender. Ensinou ainda que a tal dívida pública será paga por 200 milhões de brasileiros a essa elite financeira formada por apenas 20 mil famílias – nascidas aqui, nesta terra de Dom Pedro II, ou estrangeiras com interesses aqui. E também que a tal dívida cresceu porque faltou dinheiro pra obrigação social – o mesmo dinheiro apossado às tungas por tantos políticos ao longo dos anos, como o juiz Moro poderia dizer. E que, quando faltou dinheiro pra obrigação social, foi a essa elite financeira que o governo recorreu – dinheiro que essa mesma elite financeira deveria era pagar em impostos, camaradamente não cobrados; bufunfa graúda que essa mesma elite vai agora, com a bênção da PEC do Temer, receber pra realimentar essa ciranda. Segundo meu amigo economista Chico Genu, que dificilmente será um dia ouvido pelas TVs, está em curso “uma rapina, que, em última análise, visa tirar dinheiro dos pobres para dar aos ricos,

Até a ONU alertou, mas a PEC do Fim do Mundo foi aprovada

por Fernando do Valle No final da semana passada, o relator da ONU para extrema pobreza e direitos humanos, Philip Alston, alertou que a PEC 55/241 (ou PEC do Fim do Mundo) era uma medida “radical e sem compaixão que iria atar as mãos dos futuros governantes e teria impactos severos sobre os brasileiros mais vulneráveis, além de constituir uma violação de obrigações internacionais do Brasil”. De nada adiantou, a PEC 55 foi aprovada por 53 votos a 16 na segunda votação do plenário do Senado hoje. Segundo pesquisa Datafolha realizada com 2.828 pessoas entre os dias 7 e 8 de dezembro, 60% dos brasileiros são contrários ao projeto. Apenas 24% se mostraram favoráveis, 4% se disseram indiferentes e 12% não souberam responder. A votação que aprovou a PEC aconteceu na hora do almoço e no final da tarde de hoje milhares de manifestantes foram às ruas em protestos previamente agendados pelas redes sociais. Em Brasília, o vídeo do The Intercept Brasil  mostra que a repressão começou antes de seu início. A polícia atirou bombas de gás lacrimogêneo além de revistar todos os carros que entravam na área cercada da Esplanadas dos Ministérios. Os manifestantes reagiram queimando pneus, inclusive um ônibus foi incendiado. Em São Paulo, a manifestação foi agendada às 17h na Praça do Ciclista no final da avenida Paulista. Por volta das 19h30, manifestantes quebraram a fachada da Fiesp. Assista ao vídeo dos Jornalistas Livres.  Leia texto do professor Pablo Ortellado que aponta como a PEC beneficia os ocupantes do andar de cima da pirâmide social brasileira.  Bombas e mais bombas da polícia na manifestação em Brasília: A PEC 241 é ponte para a dor O Rio Grande, os trabalhadores e o capital