Zona Curva

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O desafio dos trabalhadores na conjuntura brasileira

por Elaine Tavares Passado pouco mais de um ano do golpe parlamentar/judiciário/midiático que tirou Dilma do governo, o Brasil segue um vertiginoso processo de entrega de riquezas e destruição de direitos. Uma guerra de classes, como diz o economista Nildo Ouriques, das mais violentas, na qual a proposta fundamental é aprofundar a exploração dos trabalhadores para gerar mais lucro para o capital. Na verdade, nada de novo, a não ser o desmascaramento. Ou seja, o sistema não usa mais as máscaras. Faz tudo às claras, sem medo da classe trabalhadora. Com o golpe, a face “humana” do capital se esboroa. Durante os governos de Lula e Dilma, a aposta foi na social-democracia. Uma tentativa de gerenciar a pobreza, mas sem conflito com o capital. As políticas públicas na área da educação, saúde, moradia e alimentação, ainda que utilizando pequenas fatias do orçamento, significaram muito para um contingente imenso de pessoas. Quarenta milhões saíram da ameaça da fome. Milhões de jovens sem acesso à universidade garantiram seu curso superior, milhares conseguiram casa própria e acesso à saúde. Esse legado é indiscutível. Pode-se criticar argumentando que as vagas nas universidades privadas enriqueceram os empresários da educação, que as moradias não são lá muito boas, e que garantir comida não é suficiente. Mas, para quem vivia no limbo, a melhora foi incrível. E são essas pessoas as que recebem Lula de braços abertos na caravana que corre o Brasil. Elas sabem que mudou, estão sentindo na pele. De qualquer forma, o discurso de candidato que Lula tem assumido nos lugares por onde passa não consegue sair do mesmo modelo que regulou os seus governos. “O Brasil vai melhorar”, “vamos garantir vida boa para todos”, “vamos regular a comunicação”. Nada de novo. A mesma velha práxis do “deixa que eu resolvo”. Isso sem contar as arrumações com velhos adversários, reproduzindo a mesma conciliação de classe que deu no que deu. Já sabemos como acaba. Por outro lado, a classe trabalhadora brasileira está desarmada, para usar a feliz expressão de Plínio de Arruda Sampaio Jr. Durante 15 anos tivemos um movimento sindical domesticado, movimentos sociais apaziguados, todos contando com a “boa vontade” governamental. Claro que houve exceções, mas apenas exceções. A regra foi o aplastamento das massas e a desorganização. Por isso, agora, diante dos ataques violentos do capital sobre os trabalhadores, o que se vê é a inação. “Os trabalhadores não estão apáticos. Eles querem lugar, resistir, mas estão desarmados”, diz Plínio Jr. O desarme é fruto dessa domesticação. Há uma geração inteira de trabalhadores que não viveu o período da ditadura, que não conheceu a batalha contra o neoliberalismo representado por Collor, Itamar e Fernando Henrique. E, por conta de não saber, não consegue encontrar o caminho para a resistência. Enquanto isso, os pequenos gerentes do capital, instalados no governo golpista e no Congresso Nacional vão passando o rodo, numa destruição aparentemente incontrolável. Destruição de direitos e entrega do patrimônio público. Privatização de empresas estratégicas e acumulação de riqueza sobre o corpo massacrado do trabalhador. No meio de todo esse violento processo de destruição da vida nacional, chegam as notícias que, num país sério, teriam o poder de desfazer o golpe: Ministério Público investiga e chega à conclusão de que Dilma não cometeu crime de pedalada fiscal (motivo principal para a destituição). Tribunal de Contas da União investiga e chega à conclusão de que o Conselho de Administração da Petrobras, presidido por Dilma Rousseff, não cometeu qualquer “ato de gestão irregular” no episódio da compra da refinaria de Pasadena. Ou seja: as denúncias – fruto de delação premiada – que geraram o golpe, não tem qualquer sentido. Num país sério, no qual a Justiça se pautasse pela investigação segura, e não por delações suspeitas, o impedimento de Dilma deveria ser anulado. Mas, nada acontece. As informações saem em notas pequenas nos jornalões, e a vida segue. O governo ilegítimo vai tirando direitos, privatizando empresas, bancos e até a Casa da Moeda, entregando as riquezas minerais, vegetais e humanas. Tudo como foi planejado naquele fatídico áudio do Jucá. “A gente tira a Dilma, bota o Michel e fecha acordo com o Supremo, com tudo…” Tudo incrivelmente às claras. Nas ruas, a reação teve seus momentos, mas agora estancou. E ainda que as pessoas estejam indignadas e querendo acabar com todo esse terror, essa indignação não se expressa em luta. E não é para menos. Foram anos e anos esperando que as coisas boas viessem do governo, acreditando que a conciliação de classe faria a elite abrir mão de alguma coisa para benefício das massas. Isso é impossível. Como na fábula do leão, as feras podem mudar em vários aspectos, menos nos hábitos alimentares. Assim, a classe dominante. Na primeira oportunidade de retomar o controle total do país, veio com tudo, sem pruridos. O desafio da classe trabalhadora é dar origem a novas formas de luta. Os tempos mudaram. Há que constituir também as novas armas. Isso não é coisa fácil, mas o tempo urge. Há que começar. Nesse processo faz-se necessário também compreender que é tempo perdido remendar roupa velha. O esgarçamento é incontrolável. Pois o modo de produção capitalista, esse sistema insaciável, já mostrou claramente qual é a sua proposta: exaurir o trabalhador, tirar dele toda a vida, até a última gota, na maior intensidade possível. E ainda que tente seduzir com mentiras do tipo: liberdade de ser quem se quer, possibilidade de comprar coisas com prestações a perder de vista, participar do banquete, ainda que comendo migalhas, é certo que isso não vai rolar. No capitalismo, o único lugar reservado ao trabalhador é o de explorado e ponto final. Mas, o capitalismo não é o modo de produção. Ele é um dos modos. Outros existiram e outros podem existir. Quem decide isso é a maioria, e a maioria são os trabalhadores. Logo, são os trabalhadores que têm o poder de mudar as coisas. O próprio capitalismo já gerou seu antagonista: o comunismo. Se no primeiro a propriedade é privada, no segundo,

Rombo da Previdência ignora sonegadores

por Frei Betto A Reforma da Previdência proposta pelo governo Temer retira direitos dos trabalhadores para defender privilégios dos empregadores e do capital. Se o governo precisa de recursos, por que não pôr fim às desonerações concedidas a bancos, agronegócio e empresas? Desonerar é dispensar de pagar impostos. Por que não cobra as multas devidas por fazendeiros flagrados por adotar trabalho escravo em suas terras? E por que não divulga mais a lista com os nomes desses criminosos? Por que não cobra o que devem os grandes sonegadores do imposto de renda? Calcula-se que o montante da sonegação equivale a 13% do PIB. E a sonegação dos encargos trabalhistas ultrapassa R$ 500 bilhões! A informação é da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Ao liberar o FGTS, o governo, ao contrário da propaganda, não praticou nenhuma bondade. Quis apenas amenizar a recessão econômica que afeta o Brasil e encher ainda mais os gordos cofres dos bancos, já que grande parte de nossa população está endividada e, assim, as dívidas podem, agora, ser amortizadas. Muitos trabalhadores, ao correrem à Caixa Econômica Federal, descobriram que seus patrões não recolheram o FGTS. Mais da metade do valor total das contas do FGTS não foi paga pelas empresas. Segundo a CEF, mais de 7 milhões de trabalhadores não receberam corretamente os depósitos a que teriam direito. O valor total devido pelas empresas chega a mais de R$ 24,5 bilhões. Por que o governo não multa esses sonegadores? Por que não os obriga a depositar imediatamente o que roubaram do trabalhador? O Estado brasileiro está quebrado não por culpa da Previdência, e sim dos juros pagos para rolar a dívida pública. Metade do orçamento da União vai para a dívida pública. Se o governo sanasse sua relação com os bancos, o país entraria nos eixos. Quando o médico Adib Jatene foi convidado pelo presidente FHC para ser ministro da Saúde, ele exigiu que se garantissem recursos à pasta com a adoção da CPMF (0,38% do valor de cada cheque). O presidente concordou. Mas não cumpriu a palavra. Canalizou boa parte do dinheiro da CPMF para assegurar o superávit primário (dinheiro sagrado dos bancos). O médico Adib Jatene, em entrevista ao jornalista Josias de Souza, em agosto de 2007, ao ser indagado se pedira demissão do cargo de ministro da Saúde, no governo FHC, por causa da CPMF, respondeu: “teve relação direta. Eu disse ao presidente que precisava de recursos. Ele pediu para eu falar com o Malan, ministro da Fazenda. Malan me disse que, em dois ou três anos, daria o dinheiro que eu precisava. Eu não podia esperar tanto tempo. Propus a volta do imposto sobre o cheque, o IPMF, extinto em 1994. FHC disse: ‘Não vai conseguir aprovar isso’. ‘Posso tentar?’  Ele autorizou. Pedi o compromisso dele de que o orçamento da Saúde não seria reduzido. A CPMF entraria como adicional. Ele disse: ‘Isso eu posso te garantir’. Depois da aprovação, a Fazenda reduziu o meu orçamento. Voltei ao presidente. Disse a ele: ‘no Congresso me diziam que isso ia acontecer. Eu respondia que não, porque tinha a sua palavra. Se o senhor não consegue manter a sua palavra, entendo a sua dificuldade. Mas me faça um favor. Ponha outro no meu lugar. Foi assim que eu saí, em novembro de 1996”. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Previdência por um fio O ataque agora é contra os trabalhadores públicos A urgência de ocuparmos às ruas já    

O fim do estado de direito, ou quando a ditadura do capital mostra sua cara

por Elaine Tavares Houve um tempo em que pareceu possível acreditar que no capitalismo haveria a possibilidade de existir um “estado de direito”. Ou seja, uma organização da vida amparada em leis e direitos, valendo para todos. O tal do contrato social. E assim, os estados garantiram leis de amparo ao trabalhador, benefícios para os velhos, as viúvas, as crianças e os doentes, regras de convívio social. Alguns países até conseguiram chegar a algum nível dessa proposta, mas todos do centro do sistema. Até porque quem estuda sabe que, no capitalismo, o centro só é rico justamente porque tem uma periferia empobrecida da qual ele tira tudo o que pode. Mas, como a ideologia e a propaganda sempre foram fortes, houve muita gente que acreditou na falácia de que se trabalhassem muito, também chegariam a ter as maravilhas que se apresentavam na velha Europa ou nos Estados Unidos. Riqueza, consumo desenfreado, amparo, saúde. Uma bobagem. Isso nunca seria possível num país dependente. Poderia chegar para um grupo bem pequeno de pessoas, pois como diz o teórico Gunder Frank, os países dependentes também conseguem algum nível de desenvolvimento, ainda que seja o desenvolvimento do subdesenvolvimento. E é só. Não há como garantir direitos para todos, pois assim o capitalismo deixa ser o que é: um sistema de exploração. Assim, na América Latina, quando a revolução cubana iluminou todo o continente com uma proposta diferente da do capitalismo, os que estavam no controle do mundo trataram logo de abafar o perigo. Foi assim que se impôs a ditadura cívico/militar em todo o continente, de cima abaixo. O único direito que tinham os latino-americanos era o de ficarem calados, senão a morte vinha a galope, ceifando a vida dos que se insurgiam. Nos anos 80 do século passado veio a tal da “democratização”, que foi uma distensão lenta da mão dura militar, passando o comando apenas para o braço civil. A ditadura já não era necessária, o tempo havia passado, Cuba seguia isolada e o sistema capitalista havia desenvolvido mecanismos de sedução que encantavam as pessoas, atraindo-as, sem a necessidade de um governo tão opressor. A liberdade raiou na América baixa, trouxe de volta os exilados, e abriu um tempo de eleições diretas. Votar era possível de novo. Voltava o direito. As pessoas podiam se expressar, fazer oposição, lutar por direitos trabalhistas, aposentadoria, moradia, transporte. Parecia que o “bem-estar” teria uma chance por aqui. Veio uma nova Constituição. A lei haveria de garantir o direito de todos. Mas, que engano. A lei não vale para todos. Ela é uma construção histórica de uma determinada classe. É a classe dominante que elege seus representantes, e estes fazem as leis. É também a classe dominante que escolhe os juízes das cortes que julgam com base numa lei que sua própria classe fez.  E se a lei é um feito da classe dominante, o que podem os trabalhadores esperar? Que ela sempre se volte contra eles. Sempre. Mas, na euforia da democracia, as pessoas preferem se enfeitiçar pela ideologia do direito para todos. A vida real nos mostra que não há direitos para os pobres. Eles não têm moradia, nem saúde, nem educação, nem amparo, nem previdência. Tudo é aparência de direito. A lei só existe para ser usada contra os pobres. São eles os que enchem o sistema prisional a partir de condenações por “crimes” tão prosaicos como ser companheira de um traficante e estar com ele na hora da prisão, roubar um pão, passar um cigarro de maconha para o marido na cadeia, carregar vinagre durante uma manifestação. Coisas assim. Claro que bandidos há, mas eles são a minoria. Aí estão as pesquisas para provar. A lei é feroz contra os pobres. Já os ricos, bem, esses têm bons advogados que torcem e distorcem a lei. Que o diga o jovem Thor, que não é um deus, mas filho de um que era: Eike, o superempresário. Matou um homem e saiu de boa. Pois o sistema capitalista agora está tão seguro de si que já começa a pouco se importar com manter a aparência de um estado de direito. O poder está nas grandes corporações, que são transnacionais. Não estão nem aí para parecerem boazinhas. Querem tomar a vida dos trabalhadores até a última gota e arreganham os dentes. O direito? Ah, que se lasque. As leis? Que se mudem ao nosso bel prazer. É a ditadura do capital em sua meridiana clareza. Em nível internacional isso começou devagar, com o império estadunidense afogando o direito, ainda meio tímido, escondendo-se por trás de mentiras. Foi assim na invasão do Afeganistão, feita a partir da queda das duas torres gêmeas. Era o terrorismo e tinha de ser combatido. Onde estavam os barbudos? No Afeganistão. Então borá lá, vamos pegá-los. O mundo inteiro caiu nessa mentira deslavada e o Afeganistão foi destruído para alegria da indústria militar.  Depois foi a vez do Iraque, e a mentira das armas químicas. Em nome da salvação dos iraquianos, borá lá destruir as armas químicas que podem ser ameaça ao mundo. Mas, pera aí, não há provas! E quem precisa de provas? Basta que alguém – do centro – grite que tem armas, e tem. E lá foram os países centrais ocupar o Iraque, provocando destruição e morticínio. Dane-se o direito internacional. Afinal, quem decide o que é direito são os grandes.   A América Latina volta ao foco A América Latina pós ditadura parecia não fazer parte dos planos dos EUA. Mas, na verdade, fazia sim, só que com as coisas acontecendo de outra forma, no modo “suave”. Os primeiros sintomas de que a parte baixa da América sofreria outra vez o peso do império apareceram em 2002, quando a Venezuela viveu um golpe de estado. Hugo Chávez comandava o país fazendo coisas incríveis, como eleições gerais, plebiscitos, Constituinte, falando em socialismo. Deu o alerta vermelho. Era preciso parar o caudilho. Então, veio o golpe, desta vez sem canhões, mas com a mídia. Através da televisão se formou