Zona Curva

notícias falsas

O papel da imprensa no esvaziamento das bolhas extremistas

  Ao invés de apontar um vencedor consensual, o resultado das eleições presidenciais acabou por escancarar a formação de bolhas extremistas. Tais bolhas constituem um enorme desafio não apenas para o presidente eleito, mas também para a imprensa, o jornalismo e os canais de comunicação, por onde flui a maior parte das informações que alimentam a polarização político-ideológica no país. Os veículos de comunicação, profissionais autônomos e os influenciadores digitais (1) são protagonistas neste processo de fracionamento da sociedade brasileira. Cabe a eles a responsabilidade de fazer a filtragem das informações que ampliarão ou diminuirão o sectarismo político e a xenofobia social dos grupos que se recusam a aceitar a vitória do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se de uma situação inédita para a imprensa e para os profissionais, pois a realidade política que emergiu do segundo turno das eleições presidenciais aponta no sentido de uma maior preocupação social com as causas e consequências do surgimento das bolhas extremistas do que com o noticiário factual convencional. Em última análise, o jornalismo e a imprensa estão diante do agravamento do dilema entre seguir a velha regra da isenção ou assumir a necessidade de neutralizar a polarização político-ideológica. Não é uma escolha simples porque mexe com comportamentos, normas e valores vigentes há décadas na profissão. A reação extremista à vitória de Lula desorientou a maior parte dos jornais brasileiros e acelerou a necessidade da mudança de estratégias editoriais. Surgiu uma situação em que a defesa da democracia deixou de ser retórica para assumir um caráter concreto, ou seja, garantir o respeito ao resultado de uma votação popular e a crítica à formação de bolhas golpistas. Ficou também claro que as fake news não são apenas um erro pontual a ser corrigido pelos institutos de checagem, mas um instrumento político central na estratégia dos movimentos de extrema direita, pois é através delas que se consolidam a unidade interna e o voluntarismo das bolhas extremistas. A avalanche informativa e as redes sociais virtuais aumentaram de tal forma o fluxo de notícias que as pessoas acabaram confusas diante de tanta informação, ficando quase impossível eliminar as fake news. A insegurança e incerteza sobre a autenticidade das notícias levaram os extremistas de direita à formação de grupos ideologicamente homogêneos, dentro dos quais as pessoas recebem o mesmo tipo de informação, não importa se verdadeira ou falsa. Foi criado o ambiente ideal para a disseminação em massa de fake news, o que alimentou o fenômeno de radicalização descrito em detalhes pelo professor norte-americano Cass Sunstein (ex-assessor do presidente Barack Obama), no livro Going to Extremes, (publicado em 2009, sem tradução no Brasil). Estamos presenciando uma situação nova em matéria de ressaca pós-eleitoral. Tradicionalmente, os vencedores costumavam exibir orgulhosamente sua opção eleitoral em camisetas e adesivos, mas o que assistimos hoje é um protagonismo dos derrotados, principalmente através de bandeiras nacionais em carros e da profusão de roupas nas cores verde e amarela. Há claramente uma posição desafiadora e uma recusa em aceitar a derrota, mesmo que esta posição busque se auto justificar usando fatos e dados absolutamente inverídicos. Não importa a credibilidade e sim a repetição incessante da mentira, até que ela passe a ser reproduzida sem questionamentos. A radicalização e polarização ideológicas já estão transbordando o âmbito partidário para atingir as relações humanas, como mostram as multiplicações de vídeos e postagens na internet de pessoas hostilizadas ou discriminadas por integrantes dos grupos extremistas de direita. O fenômeno é mais intenso na região sul do país, especialmente em Santa Catarina e Paraná. A imprensa e o jornalismo não podem tratar estes casos de forma burocrática, porque posturas tolerantes ou supostamente isentas contribuem para incentivar ainda mais o extremismo de direita. (1) Imprensa e jornalismo são conceitos distintos. A imprensa é o negócio de disseminar e vender notícias. Jornalismo é a profissão responsável pela produção de notícias. Influenciadores são indivíduos, em sua maioria sem formação técnica jornalística, que divulgam e comentam fatos, dados e eventos pela internet. O ecossistema informativo nacional no governo Lula A imprensa ainda não sabe lidar com a mentira em campanhas eleitorais Jornalismo e imprensa não são sinônimos

Bolsonarismo em xeque

O CONVERSA AO VIVO ZONA CURVA do dia 9 de setembro (quinta) contou com a participação da pesquisadora, professora e antropóloga da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Letícia Cesarino. Ela conversou com Fernando do Valle (editor  Zonacurva) e Luís Lopes (editor Vishows) sobre bolsonarismo, a maneira pela qual esse grupo utiliza as redes digitais pra propagar seu discurso extremista e os descaminhos do atual cenário político brasileiro. Cesarino comentou a intensificação do caos político causado pelas manifestações antidemocráticas do presidente no dia 7 de setembro. Segundo ela, a convocação foi uma forma de manter a base aliada de Bolsonaro mobilizada. A antropóloga analisou também a ambiguidade, sempre presente nos discursos do presidente, e as estratégias escolhidas para se manter no poder. Segundo nossa entrevistada, foi previsível a suposta mudança de postura de Bolsonaro depois da pressão contra os discursos de viés inconstitucional que Bolsonaro proferiu tanto em Brasília como em São Paulo. Após ser criticado por lideranças políticas sobre a explícita ameaça golpista de Bolsonaro, o site do governo publicou uma nota, assinada pelo presidente e, pasmem, escrita pelo ex-presidente Michel Temer afirmando nunca ter tido “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes” e que a culpa foi “do calor do momento”. Após quase 3 anos de governo, Cesarino explicou que as estratégias da direita bolsonarista estão ficando ultrapassadas, o que pode diminuir sua eficácia: “As táticas começam a ficar batidas e repetitivas. O próprio ecossistema deles já demonstra sinais de exaustão, observada no comportamento dos próprios seguidores”, afirmou a pesquisadora que já analisou grupos de whatsapp e telegram de “fãs” do presidente. A antropóloga também considera que a base aliada de Bolsonaro se apoia em narrativas superficiais na tentativa de desvincular os graves problemas socioeconômicos de qualquer responsabilidade do mandatário do governo central. Na tática falsamente antissistema do presidente, a culpa é sempre dos outros, podem ser comunistas, governadores, petistas e até do próprio povo. Com isso, o presidente, que pouco trabalha, segue levando no bico seus seguidores. Acerca do desenvolvimento das relações sociais e políticas através das redes, a antropóloga projeta uma rearticulação de posições radicalizadas no futuro, já que a extinção da mediação é pouco provável. “De um lado, temos o especialista tecnocrático que não está disposto a ouvir os leigos. No outro extremo, existe o populismo sem freios. Acredito que, com o tempo, haverá um meio termo nisso”, disse ela. Cesarino explicou ainda que a estruturação das redes sociais avança constantemente de forma sistemática para aumentar o tempo de tela do usuário e sua passividade, o que diminui a capacidade de tecer pensamento crítico. Segundo ela, grupos bolsonaristas se adequam facilmente a esse sistema midiático e o usam a seu favor. “Hoje, as notícias falsas fazem parte da estrutura da internet”, afirmou. Ao utilizar métodos imediatistas e simplistas, que apelam ao lado emocional das pessoas, os bolsonaristas recortam a realidade a seu bel prazer nas redes para torná-la favorável ao governo. “Eles ignoram a existência de estatística e amostragem, isso não funciona naquele ambiente”, completa. Com colaboração de Carolina Raciunas. https://urutaurpg.com.br/siteluis/extrema-direita-nas-redes/ O universo paralelo do fanatismo bolsonarista Mil dias de destruição e mortes

O discurso jornalístico e as fake news

Desde 2016, a discussão sobre as notícias falsas (fake news) monopolizou, em todo mundo, a atenção dos profissionais da imprensa e do público, mas agora começamos a nos dar conta que elas não são o maior problema enfrentado pelo jornalismo. As fake news são apenas um componente do chamado discurso, ou narrativa jornalística, que é o principal responsável pela formação da opinião pública. O discurso pode ser convincente mesmo baseado em notícias falsas, desde que o autor, ou autores, o construa usando fatos, dados, ideias e eventos organizados e publicados, tendo em vista dar a eles um significado especifico. Isto é inevitável em qualquer discurso jornalístico, pois ele é sempre construído e moldado conforme a experiência, cultura, conhecimento e condicionamentos empregatícios do profissional da comunicação. A identificação dos significados embutidos numa notícia, reportagem ou comentário é uma das principais funções do jornalismo investigativo, cuja missão é desconstruir discursos para verificar também a exatidão, relevância, confiabilidade e pertinência dos dados, fatos, eventos e ideias incluídos na narrativa. Acontece que o jornalismo contemporâneo está muito mais preocupado em flagrar mentiras e meias verdades do que na analise do discurso. A denúncia de falsidades tem um efeito muito mais impactante do que a identificação de significados embutidos numa notícia, em geral um trabalho mais teórico e sujeito a interpretações polêmicas. A checagem de fatos, dados e eventos é uma obrigação do jornalismo, mas ela por si só não garante a credibilidade do discurso. É necessária uma integração entre as duas atividades, fato que não vem acontecendo na nossa cobertura diária, especialmente em setores como política, economia e até nos esportes. O discurso jornalístico que permite identificar o contexto dos fatos mencionados e consequentemente o tipo de mensagem (significado) que é transmitido ao leitor, ouvinte ou telespectador. Sem uma definição de contexto, um mesmo fato, dado ou evento pode ter diferentes leituras, dependendo o nível intelectual, grau de informação e experiências prévias de quem acessa um texto, áudio ou imagem. As modernas teorias da cognição garantem que não há fato ou dado puro, isento de significado, porque eles são sempre percebidos pelos nossos sentidos humanos e ao serem incorporados à nossa memoria são condicionados pelas informações nela armazenadas. Assim, a identificação de significados passa a ser tão importante quanto a verificação da veracidade de um dado ou evento. O fenômeno das notícias falsas aumentou a importância da desconstrução de um discurso adotado por autoridades governamentais diante da complexidade crescente de quase todos os temas incluídos na agenda pública. A desconstrução de um discurso é bem mais complicada, demorada e sujeita a muitas controvérsias, razão pela qual a maioria dos jornais confere à atividade uma baixa prioridade para evitar conflitos com autoridades públicas e privadas, deixando o público sem condições de entender uma notícia ou reportagem. Goebells revisitado As estratégias de comunicação adotadas por presidentes como Donald Trump e Jair Bolsonaro enfatizam o discurso e minimizam a preocupação com a veracidade de fatos, dados e ideias. Para ambos e também para seus seguidores, as notícias falsas são toleráveis desde que se enquadrem nos objetivos pretendidos. Atitude que passou a ser tratada nos meios acadêmicos pelo neologismo de “pós-verdade”, ou seja, uma “verdade” condicionada por interesses e não pela realidade. Na política da chamada era da pós-verdade, os fins ( discurso e objetivos políticos) justificam os meios (fake news). O discurso público produzido por presidentes como Donald Trump e Jair Bolsonaro, por exemplo, usa intensamente as meias verdades e as fake news, repetidas dezenas de vezes através dos meios de comunicação sem a devida contextualização, até que leitores, ouvintes e telespectadores passem a considera-las “normais”. É a versão moderna da famosa frase de Joseph Goebells, o marqueteiro mor de Adolf Hitler, para quem “uma mentira repetida mil vezes se torna uma verdade”. O público dos meios de comunicação vai aos poucos se dando conta de que a chamada “guerra da informação”, não envolve mais apenas um confronto entre o verdadeiro e o falso em matéria de notícias, mas uma batalha pela supremacia no discurso, na narrativa. É claro que a denúncia do uso de dados, fatos e eventos falsificados pode desacreditar um discurso, mas como este, geralmente envolve elementos muito complexos, é improvável que as pessoas comuns consigam separar, sozinhas, o joio do trigo informativo. Com isto muitos leitores, ouvintes e telespectadores assumem um ceticismo diante do noticiário da imprensa e acabam buscando outras fontes de informação. A migração dos desiludidos é o preço pago por jornais, revistas, telejornais e páginas jornalísticas na web por falhar na identificação dos interesses ocultos na fala de políticos, empresários e formadores de opinião. https://medium.com/@ccastilho/o-discurso-jorna%C3%ADstico-e-as-fake-news-e5de06ab61fa   Eleições: por que vencem as mentiras (fake news)?

Da mídia de consenso à de conflito

Fake news -Definha o interesse por notícias impressas ou televisivas. Pesquisas revelam que o público prefere notícias online. Nos séculos 19 e 20, o modo de pensar da sociedade tendia a ser moldado pelos grandes meios de comunicação: mídia impressa, rádio e TV. Tudo indica que termina aquela era. Trump se elegeu atacando a grande mídia dos EUA. Só a Fox o apoiou. Os principais veículos da mídia britânica se opuseram ao Brexit. Ainda assim a maioria dos eleitores votou a favor dele. Bolsonaro fez campanha presidencial quase ausente da grande mídia. Criticou os principais veículos, e ainda assim se elegeu. O que acontece de novo? O novo são as redes digitais, as novas tecnologias ao alcance da mão. Elas deslocam a notícia dos grandes veículos para computadores e smartphones. Têm o mérito de democratizar a informação, rompendo a barreira ideológica que evitava opiniões contrárias à orientação editorial do veículo. Contudo, pulverizam a notícia. O que é manchete na TV não merece destaque na comunicação interpersonalizada na internet. O receptor corre o risco de perder ou não adquirir critérios de valoração das notícias. Pode ser que lhe seja mais importante ficar ciente de que seu colega tem nova namorada do que inteirado do golpe de Estado no país vizinho ou da nova lei que regula o trânsito em seu bairro. Essa informação individualizada, embora mais cômoda, prêt-à-porter, tende a evitar o contraditório. Cada interessado se isola no interior de sua tribo no Whatsapp, no Twitter, no Facebook, no Instagram, no YouTube, no Telegram, nos serviços de mensagens no Google e do Periscope. Não há interação dialógica. Não interessa o que dizem as tribos vizinhas, potenciais inimigas. O que transmitem não merece crédito. A única verdade é a que circula na tribo com a qual o internauta se identifica. Ainda que essa “verdade” seja fake news, mentira deslavada, farsa. Apenas um dialeto faz sentido para o internauta. Desprovido de visão conjuntural, ele se agarra ao que propagam seus parceiros como quem acolhe oráculos divinos. Querer mudar-lhe o foco é como se alguém tentasse convencer os astecas contemporâneos de Cortés de que o sol haveria de despontar no horizonte ainda que eles não despertassem de madrugada para celebrar os ritos capazes de acendê-lo. Com certeza não ousariam correr o risco de ver o dia inundado de escuridão. Eis a privatização da notícia. Essa seletividade individualizada faz com que o internauta se encerre com a sua tribo na fortaleza virtual dotada de agressivas armas de defesa e ataque. Se a versão emitida pela tribo inimiga chegar a ele, será imediatamente repelida, deletada ou respondida por uma bateria de impropérios e ofensas. É dever de sua tribo disseminar em larga escala a única verdade admissível, ainda que careça de fundamento, como a teoria do terraplanismo. Os efeitos dessa atomização das comunicações virtuais são deletérios: perda da visão de conjunto; descrédito dos métodos científicos; indiferença ao conhecimento historicamente acumulado; e, sobretudo, total desprezo por princípios éticos. Qualquer um que se expresse em linguagem que não coincida com a da tribo merece ser atacado, injuriado, difamado e ridicularizado. O que fazer frente a essa nova situação? Desconectar-se? Ora, isso seria bancar a tartaruga que recolhe a cabeça para dentro do casco e, assim, se julga invisível. A saída deve ser ética. O que implica tolerância e não revidar no mesmo tom. Como sugere Jesus, “não atirar pérolas aos porcos” (Mateus 7,6). Deixar que chafurdem na lama sem, no entanto, ofendê-los. A vida é muito curta para que o tempo seja gasto em guerras virtuais. Quanto a mim, prefiro ignorar ataques e atuar propositivamente. Sobretudo, não trocar a sociabilidade real pela conflituosidade virtual. E muito menos livros por memes e zaps que nada acrescentam à minha cultura e à minha espiritualidade. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. As “fake news” não são um fenômeno passageiro O leitor não é um penduricalho dos blogs

O desafiador surgimento do “quinto poder” na política nacional

Quinto poder – Até agora as redes sociais eram vistas apenas como um território sem lei onde predominavam a fofoca, os boatos, as fake news e as diatribes pessoais. Mas, desde as eleições do ano passado, e principalmente depois da posse do capitão aposentado Jair Bolsonaro, redes como Facebook, Twitter, YouTube e WhatsApp passaram a ser também o espaço para o exercício do poder presidencial, colocando-nos diante de uma gigantesca incógnita política. A constituição brasileira estabelece que o país seja governado por três poderes (executivo, legislativo e judiciário), mas a realidade é bem outra. No jargão político, garante-se que há um quarto poder — a imprensa. E agora as novas tecnologias digitais dão lugar a um “quinto poder”, formado pelas redes sociais virtuais, que vai nos obrigar a uma ampla reeducação política e mudanças radicais em nosso comportamento social. Inicialmente, acreditava-se que as redes, abertas a qualquer pessoa, seriam a opção preferida da esquerda , historicamente carente de acesso aos meios de comunicação em massa. Mas, para surpresa de muita gente, foram os grupos conservadores e de extrema direita que mais benefícios conseguiram na ocupação política do espaço cibernético no Brasil. As redes sociais viabilizaram o fim dos 14 anos de hegemonia do Partido dos Trabalhadores e foram o principal instrumento para que a direita conquistasse, nas eleições de 2018, a Presidência da República, bem como o controle das duas casas do Congresso Nacional. O surgimento deste “quinto poder” na arena política marca o início de uma verdadeira revolução no comportamento dos eleitores e uma quebra de paradigmas nas normas que regulam o funcionamento das instituições, sem que seja possível, por enquanto, vislumbrar o desfecho do processo que deu ao cidadão comum o inédito poder de opinar e agir em qualquer assunto. A única coisa que é possível prever é que as mudanças serão muitas e grandes já que as redes conferem um maior protagonismo ao eleitor comum num espaço político ainda desconhecido por muitos. Os jornais e as rádios dominaram o cenário político brasileiro desde a Proclamação da República, em 1889, até os anos 70, quando a televisão passou a monopolizar as atenções eleitorais. Segundo os pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, Marco Aurélio Ruediger e Lucas Calil, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, a evolução das tendências políticas passou a ser medida em horas e não mais em dias e semanas como aconteceu na ultima eleição para a presidência da mesa diretora do Senado Federal. Milhares de micro mensagens de eleitores a senadores via redes sociais levaram os parlamentares a mudar de posição várias vezes num mesmo dia. O vale tudo parlamentar O Partido Social Liberal (PSL , de direita) , ao qual pertence o presidente Bolsonaro, que teve apenas seis segundos de espaço na propaganda eleitoral gratuita na televisão, conseguiu o espantoso feito de passar de um único deputado na câmara federal eleita em 2014 para 52 deputados na atual composição do legislativo nacional. Um resultado obtido basicamente graças à viralização de mensagens conservadoras pelas redes sociais. Os resultados obtidos na manipulação do “quinto poder” levaram tanto Bolsonaro como os 243 novos deputados federais e os 45 senadores também novatos no Parlamento, eleitos no ano passado, a mudarem radicalmente o seu comportamento público. Eles esnobaram a imprensa como canal de comunicação com a sociedade e transformaram seus celulares em verdadeiras metralhadoras giratórias virtuais disparando mensagens políticas em todas as direções e sobre qualquer assunto. Os debates em plenário na Câmara e no Senado passaram a ser apenas panos de fundo para incessantes articulações via Twitter, blogs individuais e Facebook . As negociações entre partidos também ficaram condicionadas ao poder das redes, como pode ser visto na eleição da nova mesa diretora de Assembléia do Estado de São Paulo, quando adeptos dos vários candidatos ao cargo travaram uma batalha online onde os valores éticos tradicionais foram atropelados impiedosamente. A posição dos parlamentares oscilou em função dos desejos dos internautas manifestados de forma passional e caótica em micro mensagens pelo Twitter. As redes sociais criaram também um ambiente propício à veiculação de notícias falsas, fora de contexto ou apenas parcialmente verdadeiras, um fenômeno que deu origem às chamadas “bolhas” políticas. São espaços virtuais formados por pessoas que compartilham as mesmas opiniões e que pelo fato de excluírem vozes divergentes geram sectarismos, xenofobias e o temível discurso do ódio. Esta é a razão pela qual as campanhas eleitorais pelas redes sociais tendem a se tornar tão violentas e sectárias. A revista Épocareproduziu um estudo da organização IDEA-Big Data segundo a qual 98,2% dos eleitores de Bolsonaro receberam notícias falsas pelas redes sociais e 89,77% deles as consideraram dignas de crédito. Os influenciadores O “quinto poder” deu origem a um novo personagem político, os chamados “influenciadores”, ativistas online possuidores de um grande número de seguidores em redes sociais e cujas opiniões são amplamente compartilhadas entre usuários da internet. O auge da participação dos “influenciadores” ocorreu pouco antes das eleições no ano passado, mas a presença deles continuou intensa depois da posse de Bolsonaro por meio de “bolhas” de seguidores pressionando o novo presidente a escolher ministros e projetos de interesse de igrejas evangélicas e movimentos ultraconservadores. Entre os influenciadores mais badalados está Olavo de Carvalho, um controvertido personagem que vive nos Estados Unidos, tem 500 mil seguidores só na rede Facebook, mas que indicou dois ministros (Educação e Relações Exteriores) e é considerado o principal guru da extrema direita brasileira. O que mais preocupa cientistas políticos como Sergio Abranches e Heloisa Starling é a possibilidade das redes sociais virtuais abrirem caminho para a prática de uma “democracia direta” onde as grandes questões nacionais sejam decididas por plebiscitos online nos domínios do “quinto poder”. A abertura do espaço político a qualquer indivíduo dotado de um celular, tablet ou computador com acesso à internet, gera um desafio ao mesmo tempo apaixonante e intimidador. Publicado originalmente na página MEDIUM do professor Carlos Castilho. O binômio fake news/redes sociais nos impõe novos comportamentos políticos A verdade assassinada  

As “fake news” não são um fenômeno passageiro

FAKE NEWS – Quem acha que a desinformação e as notícias falsas (fake news) são um fenômeno passageiro pode ir se preparando para conviver com elas por um longo tempo. Ambas são consequência de uma ruptura de modelos de produção, gestão e disseminação de informações que está afetando todo o modo de vida da sociedade contemporânea. A criminalização das fake news não resolve as incertezas e desorientação informativa que atingem hoje boa parte do público consumidor de notícias. Sanções legais podem reduzir a frequência de atitudes delinquenciais entre políticos, empresários, formadores de opinião e jornalistas, mas não afetam a natureza do fenômeno, cujas bases são muito mais profundas do que um mero desvio de comportamentos. A popularização dos computadores, da digitalização e da internet aumentaram de forma avassaladora a produção e disseminação de informações numa escala nunca vista antes pela humanidade. Tratam-se de inovações tecnológicas que estão provocando mudanças em todos os setores da sociedade, a começar pela quebra do modelo clássico de classificação dicotômica de fatos, eventos e dados. As “fake news” como estratégia eleitoral Desde Aristóteles, na Grécia antiga, a cultura europeia ocidental divide atitudes, ideias e decisões usando apenas dois parâmetros: boas ou más, corretas ou erradas, verdadeiras ou falsas, legais ou ilegais, justas ou injustas etc. Este modelo surgiu da necessidade de classificar fatos e comportamentos humanos num contexto em que a escassez técnica de informações não permitia avaliações mais amplas e detalhadas. Neste contexto, a busca da verdade era inevitavelmente um processo limitado e condicionado pelo poder de algumas pessoas e instituições de definir o que era certo ou errado, legal ou ilegal . A imprensa foi uma das instituições que assumiram um papel chave na determinação do que pode ser considerado verdadeiro ou falso. Ela não decidia sozinha neste tipo de julgamento, mas era o único veículo por meio do qual estes posicionamentos chegavam até as pessoas, condicionavam suas atitudes e sua visão do mundo. Os paradoxos da informação Quando a digitalização e a internet romperam as limitações no fluxo de informações impostas pelas tecnologias analógicas e mecânicas, houve uma quebra de modelos com consequências comparáveis à descoberta do fogo, da roda, da imprensa e da eletricidade. As novas tecnologias digitais alteraram radicalmente o papel que a informação tem na vida da maioria dos habitantes do planeta gerando facilidades nunca antes imaginadas, mas também graves conflitos entre velhos e novos comportamentos sociais, políticos e econômicos. Inevitavelmente a imprensa e o jornalismo acabaram no foco desta transição de modelos porque lidam com a informação, a matéria prima central em todo o processo de digitalização. Dai a relevância assumida pela polêmica em torno das fake news, pois elas afetam diretamente a confiança do público em jornais, revistas, emissoras de radio e televisão, ou conteúdos publicados na internet, justo os maiores fornecedores de insumos informativos para as pessoas. A transição de paradigmas jogou a imprensa num conflito interno do qual ela ainda não conseguiu sair. Se por um lado ela aderiu entusiasticamente às tecnologias digitais que facilitaram e baratearam a produção de noticias, por outro, jornais, revistas e o jornalismo audiovisual continuaram se comportando segundo o velho modelo da dicotomia clássica entre o bom e o mau, do verdadeiro e do falso. O deslumbramento inicial acabou e hoje a imprensa vive o drama da divisão entre duas maneiras de lidar com a informação: a visão da complexidade digital e a da simplicidade analógica limitada a apenas duas posições. As tecnologias digitais permitiram a multiplicação exponencial e diversificada de percepções, opiniões e posicionamentos, tornando evidente a complexidade das relações entre humanos, entre estes e os não humanos, animados ou inanimados. O resultado foi o de que muitos fatos, eventos e atitudes ao serem investigados ou descritos a partir da diversidade e complexidade acabaram apontando para conclusões diferentes das alcançadas por meio de recursos analógicos. O grande dilema É aí que reside o dilema da imprensa e do jornalismo diante das fake news. Um desafio que vai do enfrentamento da repetição incessante de uma mentira grosseira até que as pessoas passem a acreditar nela, como fazem o presidente Donald Trump e seus marqueteiros políticos, até o uso de sofisticadas técnicas de manipulação dos fluxos de informação para condicionar a forma como as pessoas percebem a realidade que as cerca. O surgimento, em todo mundo, de mais de cem iniciativas e projetos jornalísticos para combater as fake news pode até ajudar o público a perceber que nem tudo que é apresentado como verdade, faz jus ao nome. Mas não conseguirá tranquilizar as pessoas de que a aplicação de regras dicotômicas reduzirá a complexidade de fatos e eventos contemporâneos a uma simples decisão entre certo ou errado. Os donos de jornais podem ter a ilusão de que campanhas anti-fake newsrestabelecerão a credibilidade na imprensa. Mas talvez a melhor forma do jornalismo atenuar as dúvidas e incertezas na transição para a era digital seria mostrar para as pessoas como as coisas estão mudando, como aprender a conviver com inúmeras versões diferentes sobre um mesmo fato ou evento, como pesquisar uma notícia antes de passá-la adiante. Enfim como tomar consciência de que a informação está mudando nossos comportamentos, crenças e valores de uma forma absolutamente imprevisível e irreversível. Publicado originalmente na página Medium de Carlos Castilho. As “fake news” como estratégia eleitoral Eleições: por que vencem as mentiras (fake news)?

As “fake news” como estratégia eleitoral

por Carlos Castilho Ao que tudo indica não vamos discutir apenas candidaturas e propostas na campanha eleitoral para a votação do dia 7 de outubro. As notícias falsas, mais conhecidas pela expressão inglesa fake news, também entrarão no debate porque os candidatos e líderes partidários já incorporaram a manipulação informativa e o questionamento de credibilidade como estratégias eleitorais tão ou mais eficientes do que a temática política. A campanha eleitoral ainda está morna, mas o poder judiciário e os grandes conglomerados industriais da imprensa já se lançaram numa ofensiva midiática para marcar seu controle na definição dos códigos informativos que condicionarão o comportamento dos eleitores no debate sobre quem diz a verdade e quem está mentindo. A estratégia da justiça e da grande imprensa é condicionar o debate sobre credibilidade aos padrões adotados por ambas instituições, seja através de normas legais, seja por meio do uso de ferramentas informativas como verificação de veracidade ou checagem de fontes, mecanismos também conhecidos pelo jargão jornalístico fact checking. Nem o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e nem a mídia hegemônica informarão ao público que existe uma diferença significativa entre discurso e realidade na questão das fake news. O discurso assumido por quem tenta controlar os códigos informativos eleitorais vincula a questão da credibilidade a princípios morais e supostamente científicos sobre o que é ou não verdade. A eficiência do discurso depende da insistência com que ele for repetido com o objetivo de fixar determinadas ideias, ou códigos informativos, na mente dos eleitores. A realidade do debate sobre credibilidade noticiosa é bem outra. É muito difícil determinar o que é verdade e o que é mentira porque ambas são caracterizadas pela subjetividade, ou seja, são condicionadas pela visão de mundo de cada individuo. Já está provado cientificamente que não existe uma verdade absoluta, da mesma forma que uma mentira sempre tem alguma base real para que possa ter um mínimo de veracidade. Aceitar esta constatação implica diminuir o impacto das decisões do binômio justiça/imprensa, o que nenhuma das partes admite. Hoje, a avalancha de informações publicadas na internet aumentou incrivelmente a quantidade de versões e opiniões sobre um mesmo fato, dado ou evento, o que torna muito difícil estabelecer qual delas tem o privilégio de ser considerada a verdadeira. O máximo que se pode estabelecer é qual delas é a mais veraz, mas isto implica relativizar os padrões da justiça e da imprensa. Nossos dilemas diante da desinformação eleitoral A moderna luta pelo poder político A polêmica em torno das fake news é um exemplo clássico da moderna luta pelo poder na sociedade moldada pela informação digital. Não se trata mais de empregar a força para impor um conceito de verdade, o que equivaleria a usar o mesmo princípio da censura, mas de determinar quais os critérios, ou códigos informativos, que a opinião pública usará para condicionar a tomada de decisões individuais ou coletivas. A partir desta visão, o tema fake newstorna-se essencialmente político e não um problema moral. A classificação de uma notícia como falsa ou verdadeira é um processo complexo, demorado e sujeito a controvérsias. Os juízes TSE não dispõem de elementos técnicos e muito menos de tempo para promover uma investigação consistente sobre a veracidade de fatos, dados e eventos durante a campanha eleitoral. Por isto atribuíram à imprensa e aos institutos de verificação de dados a responsabilidade de promover a checagem das informações formalizando uma aliança informal que sujeitará os eleitores a critérios estabelecidos por organizações cujos métodos de verificação estão submetidos a questionamentos. Os Estados Unidos são hoje o cenário do mais sofisticado uso de estratégias políticas baseadas em fake news. O presidente Donald Trump diz o que bem entende partindo do princípio de que a repetição de uma notícia falsa e da desinformação acabará por tornar socialmente verdadeira uma afirmação. Por outro lado, tudo aquilo que contradiz a versão presidencial é taxado como notícia falsa, o que atinge a credibilidade da imprensa. Os posicionamentos e interesses políticos atropelaram a preocupação com a checagem dos fatos porque tanto o governo como a imprensa norte-americana têm estratégias sobre como manipular o debate público na questão das fake news. Isto leva o eleitor a ter que decidir sozinho o que pode ser mais ou menos verdadeiro. É uma tarefa difícil, mas de certa maneira benéfica porque nos leva a vivenciar concretamente as dúvidas e incertezas da era digital. LEIA OUTROS TEXTOS DE CARLOS CASTILHO EM SUA PÁGINA NO MEDIUM

Como as novas tecnologias e as notícias falsas impactam o jornalismo

por Elaine Tavares As novas tecnologias e a criação das redes sociais colocaram uma novidade na vida cotidiana de bilhões de pessoas: o acesso rápido às informações e também a possibilidade de produzi-las e distribuí-las. Assim, o que era até bem pouco tempo quase que exclusividade dos jornalistas ou formadores de opinião ligados aos meios de comunicação, passou a ser comum para qualquer pessoa no planeta que tenha acesso à rede mundial de computadores. Mas, o que parecia ser uma vitória da democracia tem mostrado que, no sistema capitalista de produção, nada mais é do que mais do mesmo. Isso porque nos últimos tempos o que se percebeu foi que as informações  que circulam na internet também estão dentro da forma-mercadoria geradora de mais-valia ideológica. A enxurrada de notícias falsas, fabricadas por empresas especializadas nesse fazer, tem servido para produzir “verdades” que servem aos interesses do capital e das forças que conformam o poder político e econômico do sistema. Conforme dados divulgados pelas Nações Unidas, nos países desenvolvidos 81% da população já tem acesso à internet, conformando 2,5 bilhões de usuários. Os países considerados em desenvolvimento têm 40% de conectados e nos empobrecidos 15%, somando juntos apenas um bilhão.  Já os que estão fora da bolha internética somam 3,7 bilhões, sendo que a maioria dos “desconectados” se encontra na África. Mas, apesar de tantos ainda estarem fora da rede, a possibilidade de entrarem está dada visto que a cobertura de celular já está disponível para 95% da população global. E também avançam os planos de internet para pobres no celular, que inclui apenas a possibilidade de acesso ao facebook e uatizapi, o que significa uma única empresa no controle do que as pessoas recebem de informação. Mesmo assim, ainda conforme as Nações Unidas, houve uma desaceleração do uso da internet, possivelmente provocada pelos altos preços do serviço. Já o acesso da internet nos domicílios tem outra geografia. No momento existem um bilhão de lares conectados, sendo que desse total 230 milhões estão na China, 60 milhões na Índia e 20 milhões nos 48 países menos desenvolvidos do mundo. Ou seja, a desigualdade é visível. Enquanto 84% das casas europeias têm internet, no continente africano apenas 15,4% possuem acesso em casa. Mas, apesar de a rede estar distribuída de maneira desigual, claramente conforme as possibilidades econômicas de cada país, a repercussão do que circula nas famosas “redes sociais” acaba chegando também nas pessoas que não tem acesso, visto que os meios de comunicação massivos tais como o rádio e a televisão estão tendo de subordinar-se ao que “bomba” na rede, reproduzindo assim os conteúdos mais compartilhados. Basta uma tarde de domingo na frente da TV aberta brasileira, por exemplo, e isso fica patente. Os programas de auditório das principais redes trazem as figuras e os temas que mais tiveram repercussão nas redes sociais. Esse é um dado importante porque tanto para a mídia eletrônica aberta, que é a que chega nos “desconectados”, quanto nas redes internéticas, o que vale é o que “bomba”, o que tem mais curtidas e comentários, mesmo que a informação ali contida não seja verdadeira ou não passem de bobagens. E é justamente nesse nicho que estão concentradas as notícias falsas, geralmente fabricadas por empresas especializadas a serviço de políticos ou de redes de poder. No Brasil, recentemente, a Câmara de Deputados promoveu um debate sobre esse tema visto que já existem na casa mais de vinte projetos de lei buscando regular ou coibir as notícias falsas na internet.  Para os representantes das entidades populares que participaram da reunião, esse é um tema que não pode ficar relegado a um parlamentar. Seria necessário um amplo debate público para que a sociedade pudesse participar e sugerir coisas. Isso porque a maioria dos projetos em tramitação trata de criminalizar os usuários ou as plataformas pela prática de compartilhamento das notícias falsas. Ora, isso não tem sentido algum. É preciso controlar aquelas empresas ou mesmo entidades que são as geradoras das mentiras. O fantasma da censura também aparece em muitas das falas dos representantes de entidades civis que discutem o tema porque muitos projetos apontam para saídas bastante complicadas como, por exemplo, tipificar criminalmente informações sem aprofundamento, sem deixar claro quem julgaria o que é sem aprofundamento ou qual nível de aprofundamento seria necessário para que fosse uma notícia veraz. Igualmente criminalizar as plataformas poderia gerar uma censura prévia, algo também muito complicado de se aceitar. Bia Barbosa, do Intervozes, acredita que a única lei em tramitação no Congresso que pode trazer contribuição de fato para o debate é a lei de proteção de dados pessoais, pois, segundo ela, é justamente a partir da coleta e do tratamento massivo de dados que se promove a construção de perfis individualizados de cidadãos na rede e é para esses perfis que as chamadas notícias falsas são disseminadas. Esse é, inclusive, o debate que acontece em nível mundial, tendo sido desatado pelas revelações de Edward Snowden, ao tornar público os programas de vigilância global efetuado por agências estadunidenses. Não por acaso ele está ameaçado de morte. Ele tocou no centro da questão: o controle dos dados pessoais. O mais sério de tudo isso é que a maior das redes sociais, o facebook, deixa bastante claro nas regras que apresenta para o usuário que todos os dados sobre ele estarão coletados e já se sabe que essas informações são usadas para oferecer produtos e ideias políticas. Tanto que o famoso “algoritmo” que define como a informação é distribuída na rede, cada dia mais se aperfeiçoa no sentido de criar guetos nos quais a pessoa é colocada, sem condições de receber outras informações divergentes. E a pessoa aceita isso. O tema é largo e ainda vai provocar muitos debates no campo da cidadania. Afinal, como já foi dito, qualquer pessoa pode produzir conteúdo. Mas, algo precisa ficar bem claro. Produção de conteúdo pessoal, feita por qualquer criatura no mundo, não é a mesma coisa que notícia. A notícia é um fazer específico do jornalista

Além do fact checking

por Carlos Castilho O esforço de jornalistas e pesquisadores do jornalismo em combater a proliferação das notícias falsas pela internet deu origem a um outro desafio também relacionado à qualidade da informação levada ao público. É a questão da idoneidade do discurso público, o principal condicionante na formação das opiniões e comportamentos das audiências dos veículos de comunicação. O discurso público é uma expressão genérica usada, principalmente por sociólogos, para definir o conjunto de mensagens produzidas e distribuídas por diferentes instituições, movimentos e comunidades sociais num determinado contexto social. O discurso público sobre combate à corrupção, aqui no Brasil, por exemplo, envolve o conjunto das ideias, posicionamentos e opiniões sobre as investigações da Lava Jato. Para cada problema em discussão na imprensa e na sociedade existe um tipo de discurso público, dentro do qual algumas posições ganham mais importância que outras. A imprensa tem um papel determinante na definição das opiniões predominantes pelo simples fato de serem as mais divulgadas. O conteúdo do discurso público é, por natureza, complexo, contraditório e multidisciplinar. A veracidade, objeto do fact checking é um dos seus componentes, mas não o único na determinação da confiabilidade de um dado, fato ou evento. Fatos considerados verdadeiros podem ser agrupados de forma a produzir um resultado não confiável. Outro desafio é a falsificação de vídeos usando tecnologias sofisticadas, os chamados deepfakes, e que só podem identificados por técnicos capacitados. É o caso do vídeo que viralizou na internet com um pronunciamento falso do ex-presidente Barack Obama. Uma série de recursos altamente sofisticados foram usados para adulterar a voz, movimentos faciais e gestos para transmitir uma mensagem fora do contexto político do antecessor de Donald Trump. Veja e julgue (na segunda metade do vídeo é mostrada a voz do dublador e você pode acompanhar como foi obtida uma sincronia quase perfeita): Diante de tantos complicadores, ganha corpo a proposta de desconstrução do discurso público como um elemento adicional na busca de um ambiente informativo menos sujeito à desinformação, na era digital. O termo desconstrução pode ser comparado ao ato de destrinchar interesses, motivações, estratégias e objetivos das principais propostas, percepções e opiniões dos envolvidos nos debates da agenda da imprensa. O tema ainda está restrito a centros de pesquisas em jornalismo, como da Universidade de Lund, na Suécia, onde jornalistas, sociólogos e antropólogos testam técnicas de desconstrução de notícias com base nas teorias sobre análise de discurso, onde a principal referência é o pensador francês Michel Foucault. Uma primeira etapa no desenvolvimento do processo de desconstrução do discurso público é o que faz, por exemplo, o blog brasileiro Meio ao publicar lado a lado artigos de diferentes analistas políticos e econômicos, oferecendo aos leitores algumas das várias perspectivas integrantes do discurso público sobre eleições presidenciais, dar um exemplo atual. Avalancha informativa Nos anos 90, do século passado, o sociólogo italiano Alberto Menucci foi um dos primeiros a sugerir, em seu livro Challenging Codes, que a imprensa incluísse a desconstrução do discurso público entre suas funções prioritárias na era digital. Mas o próprio Menucci alertou que diante da fluidez e complexidade das informações na internet, seria impossível regulamentar e normatizar integralmente a atividade desconstrutora , o que tornaria indispensável uma parceria entre jornalistas e o público para filtrar e destrinchar a enorme quantidade de informações publicadas diariamente. Um exemplo desta avalancha noticiosa contemporânea, foi dado pelo autor inglês Richard Wurman em seu livro Information Anxiety II, onde ele mostra que uma edição dominical do jornal The New York Times publica atualmente mais informações do que as disponíveis por um cidadão inglês, ao longo de toda a sua vida, no século XVII. Já está provado que a isenção e objetividade absolutas não existem, porque qualquer ser humano tem uma percepção própria dos dados, fatos e eventos que o cercam. Assim, qualquer iniciativa de desconstrução do discurso público terá que tornar transparente o currículo, vínculos políticos, econômicos e profissionais dos jornalistas envolvidos no projeto. Apesar de tudo isto, o jornalismo ainda é a atividade mais capacitada para promover, rotineiramente, a desconstrução do discurso público por sua longa experiência no trato com a informação. Como é inevitável o crescimento da demanda popular por dados que permitam chegar ao DNA das notícias, estão criadas as condições, a médio e longo prazo, para a sustentabilidade financeira de projetos voltados para a desconstrução do discurso público. LEIA OUTROS TEXTOS DO AUTOR EM SUA PÁGINA NO MEDIUM Karl Marx e a Liberdade de Imprensa https://urutaurpg.com.br/siteluis/nao-ha-direito-a-comunicacao-e-a-informacao-veraz-no-capitalismo/