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política latino-americana

Os pobres que se lasquem, só que não

por Elaine Tavares Desde o princípio dos tempos da história humana tem vigorado a luta de classes. Há os que detêm o poder e há os que estão subjugados. A forma de garantir o poder muda conforme o tempo histórico, ou é pela força das armas, ou é pela força econômica, mas, no geral, é sempre um pequeno grupo que se arroga o direito de definir a vida da maioria a partir de mecanismos de controle e repressão. Nunca é fácil, para um povo, constituir uma consciência de que a maioria pode inventar outro jeito de ser estado, ou outra forma de viver. E, assim, mesmo sendo maioria, se sujeita à repressão e ao domínio. Um dos elementos para manter essa maioria – ou em silêncio reverente, ou cooptada – é o poder econômico. Através do “mundo das coisas”, os grupos de poder vão minando os desejos e as possibilidades de vida boa para todos. A explicação para isso é simples: no mundo capitalista, para que um viva, outro tem de morrer. Assim, se um pequeno grupo consegue viver na opulência, é porque existe o seu contrário: aquele que afunda na miséria. E, apesar de serem irmãos siameses – o rico e o empobrecido – aquele que desfruta da riqueza está pouco se lixando para o que acontece àqueles que garantem a sua saciedade. No mais das vezes, essas pessoas são vistas como um atrapalho ou como um monte de lixo no chão, que pode ser varrido, enterrado, desaparecido, que não fará falta alguma. A única condição que a classe dominante permite à maioria que lhe serve é o silêncio e a passividade. Se os grupos subalternos aceitam o domínio, quietinhos e em reverência, até lhes é permitido sobre/viver, sempre no limite, vigiados. Mas, se os empobrecidos começam a exigir direitos, novas formas de organização, espaços de poder, aí a coisa muda de figura. Sobre eles desce o braço forte da lei, da repressão, da violência. Alguns há que resistem, em comunhão. E outros há que, incapazes de compreender os grilhões, aceitam a servidão voluntária em nome de algumas migalhas. Essa é a história humana, que se repete a cada tanto.   Nossa América Latina No início do século XXI a América Latina viu um florescer de luta desses que chamamos de “os de baixo”, os empobrecidos, os sem poder. Primeiro, foram os indígenas do Equador, ocupando igrejas e exigindo atendimento as suas demandas. Depois, quando todos diziam que o socialismo estava morto, e com ele todas as narrativas de esquerda e de emancipação popular, das entranhas do México chegam os zapatistas, armados de fuzis e de tecnologia a mostrar que a utopia seguia firme, porque afinal, sempre há os que não aceitam o domínio de uns poucos. E quando os Estados Unidos tentavam seu golpe final de dominação econômica e política sobre o continente, com a imposição da Área de Livre Comércio, aparece na Venezuela um militar revolucionário que encanta seu povo e assume a presidência do país com a promessa de governar com os empobrecidos. Hugo Chávez estende a espada de Bolívar e oferece, outra vez, o sonho da Pátria Grande: a América Latina unida, soberana, com poder popular. Era a mais completa das heresias. Ainda assim, a promessa bolivariana de riquezas repartidas foi avançando pelo continente. Desde a Venezuela partiam as ideias comunitárias, de democracia participativa, de construção de outras formas de viver. Uma proposta que se ancorava no povo que sempre estivera excluído das instâncias de decisão. De repente, os trabalhadores, os desempregados, as prostitutas, os negros, os pescadores, as mulheres, os sem-casa, os sem-terra e toda a gente que sempre estivera à margem começa a dizer sua palavra, e ser levado em conta. Mas, da mesma forma em que esse outro jeito de ser governo incendiava a vida popular, provocava tremores na classe que sempre dominara o processo de poder nos países periféricos de uma América Latina quase totalmente ajoelhada, com a exceção de Cuba. Foi aí que começou a luta sem quartel para a retomada do poder, que agora escorregava para as gentes comuns. E, assim, acostumados a observarem a vida desde o alto de seus casarões, os endinheirados tiveram que descer para as ruas e fazer passeatas, se apropriando agora também das formas de luta do mundo popular. Foi assim na Venezuela, quando os “esquálidos” (a oposição) tiveram que disputar as mentes dos venezuelanos. E aquela não era uma batalha singular. Se era da Venezuela que partia o vento fresco da proposta de poder popular, era ali que a questão teria de ser resolvida, para que não contaminasse o continente inteiro. Por conta disso que Hugo Chávez e o bolivarianismo passaram a ser os inimigos mortais da elite latino-americana. Era preciso destruir o cancro, o câncer, a doença. E a campanha foi dura. Por mais de 12 anos os braços armados da ideologia – os meios de comunicação de massa – disseminaram à exaustão mentiras e terrores. Hugo Chávez era o próprio demônio e a Venezuela o antro de todo mal. Afinal, onde já se viu, desdentados e favelados participarem do processo de decisão de uma nação? Isso era inconcebível. Não foi por acaso que, durante os 12 anos de governo de Hugo Chávez, ele teve de submeter cada passo dado à população. Foram 18 eleições, e que não eram só uma consulta ritual. Eram decisões discutidas com antecedência, por toda a comunidade viva, ou seja, a que se organizava politicamente. Teve uma nova Constituição, eleições presidenciais, parlamentárias, plebiscitos. E, em 2002, teve também um golpe de estado, protagonizado pelos empresários da comunicação em parceria com a velha direita. Com toda essa movimentação de defesa e ataque, pode-se até considerar um feito monumental o que Chávez conseguiu. Organizar comunidades, criar espaços de produção de conhecimento, criar espaços de poder para a população. Foi coisa demais, num estado de guerra permanente. Ainda com Chávez eram apontados os limites do processo. Um país ancorado no petróleo, que não conseguia criar uma planta produtiva, nem

“Obama é uma víbora”

  Crítico frequente da política externa norte-americana, o diretor Oliver Stone declarou em entrevista recente no Japão: “Obama é uma víbora e nós temos que nos voltar contra ele”, referindo-se aos escândalos de espionagem do governo norte-americano. Na última semana, o jornal britânico The Guardian revelou que 35 líderes mundiais foram alvos de escutas do governo norte-americano. A fonte mais uma vez foi o ex-agente da inteligência dos Estados Unidos, Edward Snowden. Ao jornal uruguaio El País, Stone declarou que “Snowden é um heroi que se sacrificou para o bem dos Estados Unidos”. O interesse do diretor norte-americano pela política internacional, em particular a latino-americana, vem de longa data. O seu primeiro longa-metragem, Salvador, o martírio de um povo (1986) discute a ingerência de los gringos na sangrenta guerra civil salvadorenha. A política interna dos States foi abordada em filmes como Nixon (1995) e JFK (1991). O seu maior sucesso de bilheteria, Platoon (1986), reflete sua experiência como combatente no Vietnã. Com Platoon, Stone ganhou o Oscar em 1987 derrotando cineastas como David Lynch e Woody Allen, que concorriam com Veludo Azul e Hannah e suas Irmãs, respectivamente. Na entrega do prêmio, apresentado por Elizabeth Taylor, o cineasta dá a letra em discurso antibelicista. Veja: Salvador inspira-se na história de Richard Boyle, fotojornalista e roteirista que cobriu os conflitos salvadorenhos na década de 80 e assina o roteiro do filme com Stone. Interpretado pelo ator James Wood, Boyle pertence à estirpe dos correspondentes de guerra que não se refugiam em hotéis cinco estrelas. O fotógrafo cobre a guerra no meio do povo salvadorenho em uma das mais sangrentas guerras civis da História das Américas (75 mil mortos). Stone retrata com realismo e sem cortes o conflito entre o governo de direita e o movimento guerrilheiro Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN). Boyle conta com dois parceiros no filme, o fotógrafo John Cassady (interpretado por John Savage), o personagem foi baseado no experiente fotógrafo em zona conflagradas como Líbano e Nicarágua, John Hoagland. O alcoólatra Doutor Rock, em magistral interpretação de James Belushi, também acompanha Richard Boyle na dura rotina salvadorenha. Acusado de comunista e amigo dos guerrilheiros por um funcionário do governo americano, Boyle assume que é de esquerda. Em uma das cenas antológicas do filme, Rock dopa antes de uma entrada ao vivo a arrogante repórter de TV, loira e WASP, que cobre a guerra segundo as versões oficiais da CIA. Stone filma também sua versão do assassinato do arcebispo de San Salvador, Óscar Romero. Romero só foi aceito como arcebispo pelo governo por seu perfil conservador. Com o tempo, passou a ser um intransigente defensor dos Direitos Humanos. Romero foi assassinado durante uma missa por um atirador do exército salvadorenho. O fato recrudesceu o conflito. A política latinoamericana em South of a border O interesse de Oliver Stone pelo novo cenário político latino-americano o levou a filmar o documentário South of the border, lançado em 2009. Nele, o cineasta entrevista vários líderes da região: o venezuelano Hugo Chávez, o paraguaio Fernando Lugo, os argentinos Néstor e Cristina Kirchner, o equatoriano Rafael Correa, o boliviano Evo Morales, o cubano Raúl Castro e Lula. A ironia do documentário é como na época das filmagens de South of the border, Oliver Stone tinha reais esperanças em mudanças substanciais na política externa norte-americana com a eleição de Barack Obama para a Casa Branca. Com duras críticas à mídia norte-americana: o reacionarismo e ignorância ianque de âncoras e ‘jornalistas’ de redes de TV como CNN e FOX News beira o tragicômico. O filme retrata o ódio uterino de parte dos norte-americanos aos presidentes de esquerda da América do Sul. Stone explica o que o motivou na realização do documentário em 2009: “acho Hugo Chávez uma figura extremamente dinâmica e carismática, um personagem fascinante. Mas quando volto aos Estados Unidos não paro de escutar essas histórias de terror sobre o ditador, o cara mau, a ameaça à sociedade americana. Acho que o projeto começou a partir da demonização de líderes latinos pela mídia americana”. O escritor e cientista social paquistanês Tariq Ali, voz crítica às políticas neoliberais e estrela das edições do Fórum Social Mundial de 2003 e 2005, serve de guia ao espectador em meio aos depoimentos dos governantes latino-americanos. Kirchner lembra de sua luta contra as políticas neoliberais do FMI e confessa uma estarrecedora conversa que teve com George Bush em uma reunião em Monterey, no México. Segundo o argentino, Bush disse que as guerras historicamente sempre fizeram bem aos Estados Unidos e impulsionaram o crescimento econômico daquele país. Veja Salvador, o martírio de um povo dividido em 8 partes: parte 1 parte 2 parte 3 parte 4 parte 5 parte 6 parte 7 parte 8