Zona Curva

povos originários

Os Yanomami

As imagens que circulam do povo Yanomami abandonado à própria sorte na sua terra invadida por garimpeiros ilegais, causam comoção nas redes. E elas são mesmo indignantes. Mas, há que dizer, o grito indígena não é de hoje. Desde o primeiro dia de governo de Jair Bolsonaro, em 2019, ele elegeu os povos originários para inimigo principal. Um de seus primeiros atos foi tirar a Funai do Ministério da Justiça e depois, sistematicamente, foi destruindo todos os órgãos de cuidado com os indígenas. Havia prometido aos seus apoiadores, mineradores, fazendeiros, grileiros, que as terras originárias seriam exploradas e que os indígenas expulsos para formarem exército de reserva nas periferias das cidades. “Índio tem de trabalhar”, dizia o presidente. E assim foi durante quatro anos. Cada ataque, cada avanço do garimpo, dos latifundiários, dos bandidos armados, era denunciado pelas entidades indígenas. Nenhum eco nas grandes redes de TV e o tema só circulava em pequenos círculos de apoiadores. Assassinatos, estupros, desaparecimentos, violências, tudo acontecendo sem repercussão. Nem mesmo durante os dois desastrosos anos da pandemia do coronavírus, os povos originários conseguiram dar visibilidade aos seus dramas. Perdidos no meio da floresta ou nas comunidades eles resistiram como puderam. Não sem luta. Não sem luta. Quase todos os dias uma denúncia, mas nenhum meio de comunicação de massa lhes ouviu o grito. Como sempre acontece, fizeram marchas, acampamentos, atos, e nada. Então, lá foram eles para o estrangeiro, buscar apoio, porque aqui dentro era pouco e insuficiente. Viajaram para a Europa, para os Estados Unidos, tentando encontrar aliados para fazer parar a máquina de morte montada contra eles. Chegaram – ingenuamente ou não – a pedir ajuda ao presidente Joe Biden, que de certa forma também ignorou, porque Bolsonaro tampouco lhe dava bola. E assim foram caindo os indígenas nos cantões do Brasil. Agora, com o novo governo, o grito escapou da floresta. De repente, como o presidente da nação decidiu ele mesmo ir ver de perto o horror, os meios de comunicação de massa, que são concessões públicas, decidiram ver. E as imagens aparecem, mostrando crianças desnutridas, velhinhos em último estágio de magreza, e aparecem também os números dos mortos: centenas… Pessoas envenenadas pelo mercúrio do garimpo ilegal, pessoas famintas, crianças mortas. Os Yanomami são uma comunidade de mais de 30 mil almas que vivem na maior área de terra indígena do país. Uma área cobiçada, desejada, e que foi aberta para os ladrões. Invasores protegidos pelo estado, que abandonou a fiscalização deliberadamente. Então, tudo isso que se vê hoje poderia ter sido evitado. Se a imprense tivesse escutado o grito. Se os governantes tivessem escutado o grito. Se deputados e senadores tivessem escutado o grito. Se a sociedade organizada tivesse escutado o grito. Com a chegada das equipes do SUS, o estado da comunidade Yanomami veio à tona. E o governo agiu com rapidez. É fato que os mortos, caídos nos últimos quatro anos, não voltarão. Mas, os que já estavam na beira da grande travessia poderão escapar. Já chegaram os médicos, a comida, o apoio necessário. Isso é bom. Ocorre que o garimpo segue lá, em outros espaços da floresta, em outras terras indígenas, matando, estuprando, violentando. Sendo assim, há que fazer mais. Há que parar os invasores, os grileiros, assassinos e bandidos que continuam sugando a terra e a vida dos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Há que ir a essas comunidades todas porque lá, eles sabem o nome e o sobrenome dos algozes. E essa gente precisa ser parada. Assim como não aceitamos anistia para os governantes que permitiram esses crimes, também não pode haver condescendência para os que seguem burlando a lei e destruindo vidas. Segue o massacre aos povos indígenas O Ministério dos Povos Originários        

O histórico Ministério dos Povos Originários

A posse de Sônia Guajajara como ministra do Ministério dos Povos Originários foi recheada de emoção e simbolismo. Não por acaso, feita junto com a posse de Anielle Franco no Ministério da Igualdade racial. Por isso mesmo, reuniu negros, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e toda essa gente que sempre esteve fora dos círculos de mando no país. Foi bonito de ver. No caso dos povos originários é importante lembrar que o Brasil tem o maior número de etnias. São 305 etnias e 274 diferentes línguas. Segundo os últimos números do IBGE são quase um milhão de indígenas que ocupam 13% das terras brasileiras. Observando a população geral, o número parece pequeno, mas há que observar a importância destas comunidades na proteção do ambiente. Os povos originários carregam na sua cosmovivência a ideia de que não há separação entre o homem e a natureza, daí o cuidado que têm com o espaço geográfico no qual habitam. E esta é uma prática que favorece toda a população. Foram os povos originários os primeiros a serem atingidos pelo governo de Jair Bolsonaro quando assumiu o mando em 2019. Sua proposta era acabar com a proteção das comunidades e integrar os indígenas ao mundo do trabalho, expulsando-os de suas terras e jogando-os nas cidades para engrossar o cordão de misérias. E desde o primeiro dia os povos originários lutaram contra isso, sofrendo as mais duras violências. A prática da invasão de terras por grileiros, fazendeiros, madeireiros e mineradores, incentivada pelo governo, garantiu mortes, estupros e outras violências de todo o tipo. Foram suspensas as demarcações de terras indígenas e começou uma campanha para anular as que já haviam sido feitas. Uma luta sem trégua foi travada e por isso mesmo foi extremamente simbólico ver toda aquela festa no centro do poder político. Além do Ministério dos Povos Originários dirigido por Sônia Guajajara, a Funai – desmantelada durante o último governo – também será comandada por uma indígena, a deputada Joênia Wapichana, e a partir de agora passará a se chamar Fundação Nacional dos Povos Originários, saindo do Ministério da Justiça e integrando-se ao dos Povos Originários. É a primeira vez na história que os povos indígenas formularão eles mesmos as políticas para suas comunidades. Este é um desafio importante para os povos originários que precisarão dar contas de seus dramas e problemas cotidianos – tais como as demarcações de terra, saúde, educação e outros – bem como da necessária compreensão de que o grande inimigo é o sistema capitalista de produção. É fato que foi o homem branco que aqui pisou em 1500, trazendo a violência e a opressão, mas também é fato que este invasor foi a ponta de lança para a instalação das bases do capital nas terras de Pindorama. E, hoje, é o capital aquele que avança sobre as terras, buscando mais e mais acumulação. A unidade dos povos originários com os trabalhadores que lutam por outra maneira de organizar a vida é fundamental para construir esse novo Brasil, do qual falou Sônia na sua posse. “Nunca mais o Brasil sem a gente”, ressaltou, mas também reverenciou pessoas não-indígenas, como o jornalista Dom Phillips e Bruno Pereira, assassinados na Amazônia, por fazerem parte desse grupo que luta junto com os povos originários, atentos às suas particularidades, mas sem perder a relação com o todo. Anielle Franco, irmã da vereadora Marielle Franco, assassinada por milicianos no Rio de Janeiro, que assumiu o Ministério da Igualdade Racial também fez um discurso forte sobre a situação da população negra no Brasil, sempre excluída e massacrada desde a chamada abolição, e como Sônia também convidou os não-negros a caminharem juntos na construção de um país sem racismo e bom de viver. Uma caminhada de trabalhadores e trabalhadoras capazes de mudar o sistema, e não de apenas amansá-lo. Porque o capitalismo tem seus hábitos alimentares inamovíveis, o que inclui destruir a vida daqueles que têm apenas o seu corpo e a sua força de trabalho para vender, e dos que ainda conseguem viver de maneira solidária e cooperativa. São hábitos que não mudam, ainda que o discurso pareça domesticado. Não dá para se enganar. Não há “inclusão boa” no capitalismo. Não dá para negar que esse é um momento importantíssimo para os indígenas e para os negros, historicamente apartados do centro das decisões, e é preciso celebrar. Mas, não pode ser unicamente um espetáculo cheio de emoções. Ele é um momento tático de uma estratégia maior, que é a construção do chamado mundo novo, e por isso precisa ser também o fortalecimento de uma aliança inquebrantável do povo trabalhador, dos pequenos camponeses, quilombolas, ribeirinhos, indígenas, ciganos e toda a gente que enfrenta a sanha do capital avançando sobre suas terras e sobre suas vidas. O inimigo é o capital. E é tempo de destruí-lo. O Ministério dos Povos Originários Os trabalhadores e os indígenas Terras indígenas são estratégicas contra mudanças climáticas, defende deputada Joenia Wapichana

O Ministério dos Povos Originários

A proposta do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva de criar um ministério para os assuntos indígenas pode cumprir um importante papel na politização do tema indígena no Brasil, trazendo as demandas para o centro da luta de classes, articuladas também com as exigências dos trabalhadores. O governo de Jair Bolsonaro, já nos primeiros dias de mandato em 2019, tomou para si a defesa de que era chegada a hora de “incluir” os povos originários na vida brasileira. Mas, a inclusão de que falava era a de que os indígenas deveriam deixar suas aldeias e se transformar em trabalhadores nas cidades, deixando para trás suas terras que poderiam então ser incorporadas ao agronegócio ou à mineração. Um discurso torto, como todos no seu mandato, mas que chegou a agregar algumas lideranças indígenas já cooptadas pela ideia de usar seu território para ganhar dinheiro. Por outro lado, a maioria das comunidades decidiu se posicionar contra isso e foi o movimento de luta indígena o primeiro a se levantar em luta contra o novo governo que começava. A batalha teve início já no primeiro dia quando Bolsonaro iniciou o desmonte da Funai e se seguiu pelos quatro anos afora com marchas, acampamentos e atos públicos. Ao longo desse tempo, o governo foi totalmente conivente com as invasões de terra indígena levadas a cabo por fazendeiros e mineradores e também lento nas ações envolvendo os incêndios na Amazônia e no Pantanal. Além disso, Bolsonaro foi omisso nos casos de assassinatos e violências contra os indígenas e completamente relapso durante à pandemia no que tocou aos povos originários. Todas essas não-ações estavam completamente dentro de sua proposta de extinguir as comunidades para o bem do capital. Ainda assim, mesmo com toda essa campanha contra os indígenas, o movimento articulado e organizado se manteve firme na luta e decidiu inclusive entrar de cabeça no jogo das eleições, buscando colocar representantes indígenas em todas as instâncias, tais como prefeituras, assembleias legislativas e Congresso Nacional. Obviamente, o processo foi eivado de contradições, com um grande número de indígenas disputando as eleições por partidos marcadamente de direita, portanto, completamente vinculados ao projeto de Bolsonaro. Isso coloca uma questão que deveria sulear o debate agora no próximo governo: as questões indígenas ficarão no gueto – restritas aos originários – ou vão realmente ser vistas como uma parte significativa da realidade brasileira? Ainda que os povos originários brasileiros ocupem apenas 13% do território com uma população de quase um milhão de almas, eles conformam 305 etnias diferentes falando mais de 274 línguas e com 724 áreas definidas como terras indígenas. Um universo diverso nos quais ainda se travam muitas batalhas por demarcação legal. O inédito protagonismo da luta indígena no governo Um ministério voltado às questões indígenas deverá se preocupar com as mais diversas demandas que ainda perduram na pauta de luta do movimento, desde o território até questões como saúde, educação, segurança. Mas, também precisará mergulhar na política geral, entendendo que os povos originários que aqui vivem fazem parte do chamado povo brasileiro e, como tal, precisam também estar vinculados às lutas da maioria dos trabalhadores não-indígenas pela construção de um modo de produção no qual todos possam ter vida em abundância. Afinal, no capitalismo, por mais que as comunidades indígenas conquistem autonomia, elas sempre estarão na mira da exploração, pois é da natureza do capital se expandir e isso significa se apropriar de tudo o que há, seja do território ou do modo de vida indígena como mercadoria exótica para “inglês ver”. A sociedade organizada brasileira como sindicatos, centrais, movimentos do mais diversos, costuma se aliar às causas indígenas em lutas pontuais, mas não se percebe no interior de cada um deles um acompanhamento sistemático desses temas. Do mesmo modo, o movimento indígena muito raramente se integra nas lutas mais gerais dos trabalhadores ou na defesa de outra forma de organizar a vida tal como o socialismo. Ainda assim, as demandas dos povos originários têm muitas coincidências com os da maioria dos trabalhadores. A existência de um ministério que cuide das questões indígenas pode ser um grande passo para que essa aliança entre as comunidades originárias e os trabalhadores não-indígenas se faça e se fortaleça. Vai depender muito de como o governo vai encaminhar o processo. É fato que as comunidades indígenas têm suas especificidades, mas também é fato que se estiverem junto com os demais trabalhadores na luta por outra forma de organizar a vida, pode ficar bom para toda a gente. O modo capitalista de produção é um grande sanguessuga da força dos trabalhadores e cobiça sistematicamente as terras originárias, bem como abomina o modo de vida dos indígenas que não vivem para a produção de mercadorias. Logo, essa aliança é necessária e urgente. Só fora do capitalismo, indígenas e trabalhadores podem constituir uma sociedade justa. Oportunidade de reparação É bom lembrar que os povos originários já travaram uma grande batalha contra o governo de Lula durante seus dois mandatos, quando ele decidiu construir Belo Monte no meio da Amazônia para gerar energia que seria vendida aos Estados Unidos e o tempo mostrou que os indígenas estavam certos. Foi causado um grande estrago no território, com remoção de famílias, sem real necessidade. A questão que se põe é: estará o Lula de agora realmente disposto a ouvir as comunidades? Esta é a primeira vez no Brasil que a questão indígena será tratada com esse destaque dentro de um governo, tendo inclusive um ministério. Que seja uma estrada segura para a construção de um país capaz de articular, com sabedoria e participação direta, a política geral, a luta dos trabalhadores e as especificidades indígenas. Um desafio. Os Yanomami Os trabalhadores e os indígenas   Segue o massacre aos povos indígenas Indigenista Ricardo Rao conta como escrachou Marcelo Xavier

Gabriel Boric e a questão mapuche

Boric – O governo de Gabriel Boric, através da ministra do Interior do Chile, Izkia Siches, baixou recentemente decreto impondo “estado de exceção” em toda a região da Araucanía e em duas regiões de Biobío (áreas tradicionalmente mapuches). Isso significa que está autorizado o uso das Forças Armadas para enfrentar os protestos, sabotagens e paralisações de estradas que tem acontecido na região e que tem causado conflitos com os caminhoneiros. O estado de exceção tinha sido decretado ainda em setembro do ano passado pelo governo de Sebastián Piñera e foi bastante criticado pela esquerda chilena. Boric chegou a declarar que não iria estender o decreto, buscando outras formas de resolver os conflitos com as comunidades mapuches. Mas, com essa medida, acabou surpreendendo seus aliados. Segundo a ministra, a medida foi necessária para que pudesse “garantir a segurança dos cidadãos, resguardas as estradas. Permitir o abastecimento e a livre circulação das pessoas”. Ou seja, nada mais do que o mesmo discurso do antigo presidente. A região do sul do Chile vive há anos um processo duro de confronto entre a população mapuche e empresas florestais que exploram terras consideradas sagradas e ancestrais pelos mapuches. Por conta dessa reivindicação de território, comunidades mapuches têm, sistematicamente, realizado mobilizações, sabotagens, queima de máquinas, prédios e greves de fome. Essa luta já levou muitos mapuches para a cadeia e também já causou muitas mortes e havia a expectativa de que o novo governo pudesse encontrar uma saída para o conflito. A população mapuche tem uma história muito sólida de luta na região da Araucanía. Durante a conquista espanhola, foi a única etnia que se manteve livre de ocupação, negociando diretamente com o rei de Espanha e seu território só começou a ser recortado com as guerras de independência do século 19. A balcanização da América baixa inclusive dividiu as comunidades, ficando uma parte no Chile e outra parte na Argentina. Desde aí, a invasão das terras mapuches segue sem parada, mas também a luta tem sido implacável. O novo governo chileno, que se elegeu sob certa aura de “esquerda”, causou espanto ao adotar a mesma medida de Piñera. Boric havia decidido não renovar a medida de exceção, apontando que iria trabalhar com uma “estratégia de diálogo” com os mapuches. Mas, a proposta, muito vaga, não encontrou eco junto aos grupos mais radicais que continuaram trancando estradas, queimando máquinas e sabotando as visitas do executivo. Por outro lado, as forças de centro e de direita, estavam pressionando o governo para dar fim aos conflitos e às manifestações, acusando o presidente de ser cúmplice da violência vivida no sul do país. O fato é que para os mapuches, a violência não tem origem nas comunidades. Ela emana justamente dos invasores das terras, das empresas que hoje usam e abusam do território que é considerado mapuche. Também há na região grupos de narcotráfico e ladrões de madeira que impõem dinâmicas de controle por fora do Estado. Existe ali uma complexidade que não pode ser resolvida assim, na força das armas estatais. Esse tem sido o recurso desde a independência do Chile e nunca deu certo. Por que daria agora? O governo, juntamente com a decretação do estado de exceção, também anunciou a indicação de um fiscal para acompanhar os crimes relacionados ao narco e ao roubo de madeira, a criação de um Ministério dos Povos Indígenas e um investimento de 460 milhões de dólares para melhorar a estrutura e os serviços na região sul. Muito provavelmente essas ações não darão conta do problema visto que nas comunidades mapuches, a decisão do decreto caiu como uma bomba. A Coordinadora Arauco-Malleco (CAM), uma das organizações que têm realizado importantes manifestações, lutas e sabotagens desde a década de 1990 já está convocando para uma resistência armada, caso o exército chegue à sua área. E seus dirigentes também estão ameaçados pelo governo de juízos ou prisões. O mesmo enredo desta triste ópera. Analistas de várias cores no Chile, discutindo o tema nos jornais locais, são unânimes em afirmar que o sistemático problema da violência na região da Araucanía e do Biobío é algo que tem inclusive gerado lucros para muita gente, virou negócio e tem gente graúda metida nisso. Portanto, não é insuflando mais conflito que as coisas vão se resolver. pelo contrário. A presença dos militares no território mapuche, desde sempre foi marcada por uma ação extremamente racializada. Ser um mapuche já coloca o sujeito numa condição de “suspeito”, “criminoso”, “baderneiro”. As ações contra as comunidades acontecem sem que se leve em conta que mesmo entre os mapuches há diferentes grupos e diferentes formas de atuar. A decisão de Boric agora, apenas dá continuidade ao que sempre foi. Discutir as demandas das comunidades indígenas é sempre um desafio para os governos, mesmo os de esquerda. Falta conhecimento da realidade originária e falta capacidade para encontrar soluções fora da caixa. Além do mais, qualquer discussão nesse âmbito significa discutir território e esse é um nó difícil de desatar porque mexe na classe dominante e dita proprietária. No caso do governo de Boric, que nem é de esquerda, mas de centro e vinculado a muitas alianças, já era esperado que não haveria muita novidade no trato das reivindicações da população mapuche. Mas, claro, não se imaginava que a primeira saída fosse militar. Agora, é esperar e ver o desastre. Provavelmente nenhuma proposta que venha do governo será ouvida enquanto houver militares na região fazendo o que sempre fizeram. Nem recursos, nem ministério serão recebidos se não houver uma clara disposição em discutir o território e a autonomia. Espera-se que a esquerda chilena também se levante junto com as comunidades, afinal, quando é para lotar as manifestações “callejeras” os mapuches são bem-vindos, mas quando o tema é terra e propriedade, o mar encrespa. Pedro Castillo e os dramas da política Colômbia se prepara para a eleição de domingo Eleição de Gabriel Boric no Chile traz esperança para a esquerda da América Latina

Governo Bolsonaro agrava a violência contra ativistas

Brasil ocupa o terceiro lugar entre os países mais letais para ativistas ambientais e de direitos humanos O informe anual de 2021 da Anistia Internacional revela que três em cada quatro ataques letais sofridos por ativistas ambientais ocorreram na América Latina. O Brasil ocupa a terceira posição na região, atrás apenas de Colômbia e México. O relatório também aponta que cerca de 30% dos ataques estão ligados à extração de recursos naturais como o agronegócio e a venda de madeira. A região amazônica foi registrada como a mais perigosa, onde ocorreu 75% dos casos de homicídio no país. O Governo Bolsonaro com sua política antiambiental em prol dos interesses de garimpeiros ilegais e do lado mais violento do agronegócio estão entre as causas do agravamento dessa violência contra ativistas. Um caso que ganhou repercussão foi o do líder indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, assassinado em abril de 2020, no município de Jaru, em Rondônia. Ele era responsável pelo registro e denúncia de retiradas ilegais de madeira na aldeia Uru-Eu-Wau-Wau . Ainda em 2021, foram espalhados outdoors por municípios de Rondônia com a pergunta: “Quem matou Ari Uru-Eu-Wau-Wau?. Dois anos após a morte do ativista, parentes, amigos e ambientalistas lutam pela federalização do caso, na esperança de que a polícia encontre o o assassino. O caso mais emblemático continua sendo o assassinato de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. A vereadora do Rio de Janeiro militava a favor de pautas como a feminista, antirracista e LGBTQIA+.  Apesar de o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) ter acusado Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz como os responsáveis pelo homicídio, ainda falta o MPRJ e a Polícia Civil responderem quem é o mandante e qual foi a motivação do crime. O caso de Marielle expôs a violência presente na política brasileira, e escancarou a impunidade dos grupos paramilitares presentes no estado do Rio de Janeiro, visto que os acusados têm ligação com as milícias cariocas. https://urutaurpg.com.br/siteluis/nos-jornalistas-temos-uma-divida-com-bruno-e-dom/ Segue o massacre aos povos indígenas O jornalismo é uma forma de ativismo? As mil mortes de Marielle  

Segue o massacre aos povos indígenas

Em Roraima, bem no meio da floresta amazônica, garimpeiros estupraram uma menina de 12 anos. Ela morreu. Também jogaram uma criança de três anos num rio, provavelmente também morta, enquanto a tia da criança resistia a mais uma violência. Ameaçaram uma comunidade inteira e obrigaram essa comunidade a sumir do seu território. A aldeia Aracaçá onde viviam cerca de 30 pessoas foi encontrada queimada e abandonada. A denúncia foi feita no dia 25 de abril por Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Condisi-YY, que encaminhou ofício à Polícia Federal, Ministério Público Federal, Funai e Ministério da Saúde pedindo investigação do caso na aldeia Yanomami. Dois dias depois, a polícia chegou ao local e encontrou a aldeia queimada. Segundo informações colhidas pelos agentes foram os próprios indígenas que queimaram a área e, por conta disso, nenhuma evidência do crime foi encontrada. Alegam ainda que há um pacto de silêncio entre os indígenas, para que nada seja relatado. Pode ser que eles tenham sido ameaçados ou que tenham recebido algum dinheiro para não denunciar o caso. O fato é que todos saíram de suas casas. Mas, esse não é um caso isolado no Brasil. Já não são de hoje as denúncias de ação ilegal e criminosa de garimpeiros nas terras indígenas, com violências e estupros contra as mulheres. A Hutukara Associação Yanomami divulgou em um relatório chamado de “Yanomami Sob Ataque: Garimpo Ilegal na Terra Indígena Yanomami e Propostas para Combatê-lo”, que entre 2020 e 2021 o garimpo ilegal avançou mais de 46% no território. Comparando com o período de 2016 a 2020, houve um aumento de 3.350%, o que é tremendamente assustador. Ainda segundo a associação, a extração ilegal de ouro e cassiterita na terra indígena tem provocado uma explosão dos casos de malária, de outras doenças infectocontagiosas e um aumento da contaminação por mercúrio dos rios. Conforme dados da Fundação Oswaldo Cruz, 92% da comunidade de Aracaçá têm elevados índices de mercúrio no sangue. É um processo brutal de destruição que traz no seu bojo toda essa carga da violência contras as mulheres, que são abusadas e embriagadas com a promessa de comida. As comunidades denunciam que desde maio de 2021 a violência cresceu no território Yanomami, com a circulação de mais de 20 mil garimpeiros que, inclusive, entregam armas de fogo aos indígenas e fomentam as rixas internas entre eles. Uma criança foi sequestrada e levada embora por um garimpeiro que alegava ser o pai. E fica tudo por isso mesmo. O estado simplesmente se omite e deixa que a violência siga sem freio nos territórios. É sempre bom lembrar que, desde o começo do governo de Jair Bolsonaro, os indígenas têm sido atacados como gente preguiçosa que precisa entrar para o mercado de trabalho capitalista e ajudar o progresso da nação. Sua cultura é desqualificada e suas terras têm sido sistematicamente invadidas, com vistas grossas para os grileiros e mineradores ilegais. Há também a tentativa de reverter o processo de demarcação de terras já demarcadas e paralisar outros processos de demarcação. As terras indígenas são espaços extremamente preservados, são férteis e ricas em minerais. Por conta disso, a cobiça. A tática é a mesma desde a invasão. Armas, violência, cooptação, promessas de bem viver e o sistemático processo de divisão. Os noticiários da televisão noticiam os casos de violência, mas não geram comoção. São notas curtas, sem contexto, como se não tivesse aí toda uma história de terror, morte e destruição. Também não se faz qualquer menção à política de arraso claramente implantada pelo governo federal que inviabiliza a fiscalização e não dá muita importância para a investigação dos crimes contra os indígenas. A cena de uma garota indígena, de 12 anos, sendo violada por garimpeiros, parece tocar o coração de muito poucos. É só uma índia, uma maria-ninguém. A polícia disse que não encontrou evidências. Então, tá. Em 2019, 113 indígenas foram assassinados, em 2020 o número pulou para 182. Tudo isso passa batido no cotidiano do jornalismo brasileiro. Os que gritam são os de sempre, as entidades indígenas, o Conselho Indigenista Missionário, as instituições de Direitos Humanos. Gritos ao vento enquanto crescem os Clubes de Tiro e avançam os caçadores de ouro e outros minérios sob a proteção de grandes fazendeiros, empresas multinacionais e governantes. Uma Yanomami foi violada e morta em Roraima. Uma menina. Não é primeira e não será a última se a sociedade não se levantar em luta junto com as comunidades indígenas. Essa não é uma batalha dos Yanomamis, ou dos povos indígenas. Essa é uma batalha de todos nós. Isso tem de acabar. https://urutaurpg.com.br/siteluis/indigenista-exilado-conversa-ao-vivo-com-ricardo-rao/ Os trabalhadores e os indígenas Abril indígena ocupa Brasília   Câmara aprova urgência para projeto de destruição das terras indígenas

Câmara aprova urgência para projeto de destruição das terras indígenas

Indígenas Brasil – O governo brasileiro segue firme no seu intuito de entregar as terras indígenas, que conformam 12% do território brasileiro, para mãos privadas, preferencialmente o agronegócio e a mineração. Ou seja: não basta pegar, tem que destruir. Desde que assumiu o mando do país, Jair Bolsonaro ataca os povos indígenas com o argumento de que não dão lucro para a sociedade e que, por isso, precisam ser “integrados” para se transformarem em trabalhadores. Com essa lógica, o governo desmontou a Funai (órgão que deveria proteger os indígenas) e tem feito vistas grossas para todos os ataques de grileiros, jagunços e fazendeiros nas terras indígenas. A mineração clandestina segue a todo vapor e nem poderia mais ser chamada assim, já que se faz sem pejo, à luz do dia. O número de ataques às comunidades aumenta, bem como os registros de assassinatos e violências de todo o tipo contra os indígenas, sem que haja uma política para coibir. A presença de igrejas neopentecostais nas aldeias e comunidades também tem sido uma grande aliada do governo no processo de desagregação dos povos indígenas, pois com a “evangelização”, as populações vão abandonando sua cultura e suas crenças. Em muitas comunidades, já não se cantam mais os cantos sagrados e as práticas de cura vão sendo esquecidas. Na última semana, no Mato Grosso do Sul, numa aldeia Guarani, registrou-se o sequestro de uma mulher acusada pelo chefe da comunidade, de nome Antônio, de feitiçaria. As cenas registradas em vídeo mostram o homem ofendendo, acusando, cortando o cabelo da mulher e ameaçando de colocar fogo nela, coisa que teria sido feita caso não tivesse outro grupo resgatado a curandeira. Um momento dramático da nossa história recente, mostrando o tanto de mal que essas igrejas, carregadas de intolerância, fazem na vida dos povos indígenas. Mas, se o presidente quer acabar com a vida indígena, ele não está sozinho nessa empreitada. A Câmara de Deputados, que conta com 513 membros, está majoritariamente na parceria. Nesse dia 9 de março, por exemplo, aprovou regime de urgência para o PL 191, de autoria do Executivo, que regulamenta a mineração em terras indígenas, inclusive onde vivem povos isolados, sem que as comunidades originárias tenham direito a veto. Com a urgência, o projeto não passará por comissões ou debates e será levado imediatamente ao plenário. No mesmo momento em que um ato gigantesco contra o PL acontecia na frente do Congresso Nacional, reunindo indígenas, movimentos sociais e artistas, a proposta passou sem rugosidades, com 279 votos a favor, 108 contra e três abstenções. Apenas as bancadas do Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL) votaram em peso contra a urgência. Outros partidos como o PDT e Novo racharam e cederam votos para o governo. O argumento para a urgência não poderia ser mais hipócrita. O presidente diz que agora, com a guerra na Ucrânia, o Brasil precisa ficar mais independente da importação de potássio, daí a necessidade de liberar a mineração do potássio nas terras indígenas. Sim, esse é o argumento. E foi acatado sem críticas por 279 deputados. Agora, o PL deverá ser votado até o dia 14 de abril e, a considerar o perfil do legislativo, provavelmente será aprovado. A mobilização contra o PL 191, que levou milhares de pessoas a Brasília no “Ato pela Terra contra o Pacote da Destruição”, foi pacífica e tranquila, não conseguindo tocar o coração dos deputados. O que não foi nenhuma novidade visto que não é por aí – o coração – que eles se movem. São os interesses financeiros dos grupos que os elegeram que definem os votos. E, no Congresso Nacional, há apenas uma indígena no universo de 513 membros. A deputada Joenia Wapichana se manifestou em plenário dizendo que o projeto em questão representa o sonho de Bolsonaro que é de destruir completamente os povos indígenas no Brasil. Mas, também lembrou que as comunidades estão organizadas e vão lutar. Esse processo não vai se dar na paz. Até porque desde o primeiro dia de governo de Jair Bolsonaro, quando uma de suas primeiras medidas foi tirar a Funai do Ministério da Justiça, jogando-a para o Ministério da Agricultura, os povos indígenas têm se levantado em protesto e vêm realizando marchas, atos e manifestações no país e fora dele, pedindo ajuda da sociedade para que atuem em comunhão visando proteger as comunidades que mais protegem a biodiversidade e as florestas. Num país tão grande como o Brasil, não serão os 12% do território que irão empobrecer a nação caso não estejam produzindo soja ou minerais. O que as pesquisas mostram é que são justamente esses 12% nas mãos indígenas que têm garantido a proteção da natureza, tão necessária para evitar tragédias ditas “naturais”. Agora, com o pedido de urgência do projeto de lei aprovado, os povos indígenas terão menos de um mês para novas movimentações. Nesse sentido, é mais do que necessário o engajamento de entidades não-indígenas, dos sindicatos, dos movimentos sociais nessa batalha contra a mineração em terras indígenas. Afinal, esse processo grotesco não apenas destrói o lugar onde abre suas crateras, mas a mineração também mata os rios, a fauna e as pessoas.  Pode parecer que está distante da maioria, mas não está. É justamente essa destruição sistemática dos ambientes que provoca tantos desastres nas cidades e nos campos, como enchentes, secas, temporais fora de época e tudo mais. A regra é clara: não se toca na asa de uma borboleta sem que estremeça o planeta inteiro. Todos à luta contra o PL da morte e da destruição. Mineração ameaça terras indígenas Terras indígenas são estratégicas contra mudanças climáticas, defende deputada Joenia Wapichana Mulheres indígenas lutam pelo futuro em Brasília Terras indígenas são estratégicas contra mudanças climáticas, defende deputada Joenia Wapichana  

Ecocídio & genocídio

Ecocídio – A política antiindigenista adotada pelo atual governo federal se baseia no tripé: desconstitucionalização dos direitos; desterritorialização; e tentativa de integração dos indígenas à sociedade majoritária. Essa antipolítica inviabiliza os procedimentos de regularização fundiária dos territórios indígenas; não coíbe invasões, exploração ilegal dos recursos naturais, desmatamento (que, em 2021, ultrapassou 8 mil km2 na Amazônia), queimadas, grilagem, loteamentos e arrendamentos de terras. De acordo com o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), houve 263 casos de invasões, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio registrados em 2020. Isso representa um número maior do que o de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, quando houve 256 registros. Há, por parte do governo federal, uma premeditada ação de extermínio. Enquanto isso, o STF faz vista grossa ao protelar a votação sobre o Marco Temporal, em que um ‘não’ asseguraria aos povos indígenas a defesa e os direitos previstos na Constituição de 1988, sem subterfúgios jurídicos que visam a restringir o alcance dos preceitos constitucionais. Ruralistas, madeireiros, mineradoras e garimpeiros se unem para legitimar a especulação criminosa dos recursos ambientais e legalizar o ecocídio e o genocídio que afetam as florestas e as nações indígenas. Enquanto isso, o presidente mente descaradamente. Afirmou, em Dubai, que a floresta amazônica está “exatamente igual quando o Brasil foi descoberto em 1500”. E que “mais de 90% daquela área estão (sic) preservados”. Indígenas de três aldeias Munduruku no Pará estão sendo intoxicados por mercúrio que contamina os rios, devido ao garimpo. Segundo pesquisa da Fiocruz, mais de 200 indígenas têm mercúrio no organismo acima dos níveis tolerados pela OMS. Crianças Munduruku de 12 a 14 anos, que comiam peixes três vezes por semana, apresentam problemas de visão, tremores e perda de memória. O corpo humano não consegue eliminar o mercúrio quando o ingere através de animais e água contaminados. O metal tóxico causa malformação de bebês e doenças neurológicas como demência, tonturas, tremores, problemas de audição e visão. O peixe deixou de ser uma alimentação segura na Amazônia. Naquela vasta região, as maiores áreas de garimpo estão em terras Munduruku e Kayapó, no Pará, e Yanomami, no Amazonas e em Roraima. Entre 2010 e 2020, segundo o InfoAmazônia, a atividade garimpeira cresceu 495% em terras indígenas e 301% em parques nacionais e outras unidades de conservação da maior floresta tropical do mundo. Segundo Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace Brasil, “infelizmente, em relação aos alertas de desmatamento, o novo ano (2022) começa como foram os últimos três. A destruição da Amazônia e outros ecossistemas naturais não só não é combatida pelo governo, como impulsionada por atos, omissões e conluios com os setores mais retrógrados da nossa sociedade, que priorizam o lucro e a economia da destruição, agravando cada vez mais a crise climática em que vivemos na atualidade.” Os movimentos sociais, os partidos progressistas e os candidatos de 2022 não podem ignorar a devastação de nossas florestas (ecocídio) e o extermínio dos povos indígenas (genocídio). Eles não representam um número significativo de eleitores, mas são os únicos capazes de assegurar às gerações futuras um planeta habitável, sustentável, no qual haja harmonia entre a natureza e os seres humanos, que são também filhos e filhas da Mãe Terra. Para o professor José Ribamar Bessa Freire, coordenador, na UERJ, do Programa de Estudos dos Povos Indígenas, precisamos extirpar de nossas cabeças cinco equívocos em relação aos povos originários: Primeiro equívoco: o indígena genérico. Hoje, vivem no Brasil, mais de 200 etnias, falando 188 línguas diferentes. Cada povo tem sua língua, sua religião, sua arte, sua ciência, sua dinâmica histórica própria, diferentes de um povo para outro. Por essa razão, o padre Antônio Vieira denominou o rio Amazonas de “rio Babel”. Segundo equívoco: considerar as culturas indígenas atrasadas e primitivas. Elas produzem saberes, ciências, arte refinada, literatura, poesia, música, religião. Suas culturas não são atrasadas, como durante muito tempo pensaram os colonizadores e ainda pensa muita gente ignorante. As línguas indígenas, por exemplo, foram consideradas pelo colonizador, equivocadamente, “inferiores”, “pobres”, “atrasadas”. Ora, os linguistas sustentam que qualquer língua é capaz de expressar qualquer ideia, pensamento, sentimento e, portanto, não existe uma língua melhor que a outra, nem língua inferior ou mais pobre que outra. As religiões indígenas também foram consideradas, no passado, pelo catolicismo colonizador um conjunto de superstições, o que é uma estupidez. Basta entrar em contato com as formas de expressão religiosa de qualquer grupo indígena, para verificar que essa visão é etnocêntrica e preconceituosa. Os Guarani foram classificados, por alguns estudiosos, como “os teólogos da América”, devido à sua profunda religiosidade, que se manifesta em todo momento, no cotidiano, penetrando nas diversas esferas da vida. Em qualquer aldeia Guarani, a maior construção é sempre a Opy – a Casa de Reza. Nas atuais aldeias do Rio de Janeiro, a reza ou porahêi é feita diariamente, todas as noites, durante os 365 dias do ano, de forma comunitária, contando com a participação de quase toda a aldeia. Começa por volta das 19 horas e vai até meia-noite, podendo algumas vezes estender-se até de manhã. O cacique toca maracá e dirige as rezas, acompanhadas de cantos e danças. Não conheço nenhum grupo da população brasileira que reze mais do que os Guarani. Acho que eles rezam mais do que todos os bispos reunidos numa assembleia geral da CNBB. Um desses erros foi percebido no início de 1985, durante o sério acidente sofrido pela usina nuclear de Angra dos Reis, construída num lugar que os índios Tupinambá haviam denominado de Itaorna e que, até hoje, é conhecido por este nome. Nesta área, na década de 1970, a ditadura militar começou a construir a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto. Os engenheiros responsáveis pela construção não sabiam que o nome dado pelos indígenas podia conter informação sobre a estrutura do solo, minado por águas pluviais, que provocavam deslizamentos de terra das encostas da Serra do Mar. Só descobriram que Itaorna quer dizer “pedra podre”, em fevereiro de 1985, quando fortes chuvas destruíram o Laboratório de Radioecologia que mede a contaminação do ar

Floresta em pé, o fascismo e o PL 490 no chão

“Não havia mais ninguém lá. Dera tangolomângolo na tribo Tapanhumas e os filhos dela se acabaram de um em um. Não havia mais ninguém lá”. (Mario de Andrade no livro Macunaíma) Jaider Esbell vive!  – Na noite do último dia 2 de novembro, soube da morte do artista plástico e ativista indígena Jaider Esbell, 41 anos, encontrado sem vida numa pousada em Juquehy, litoral norte de São Paulo. Fiquei consternado: primeiramente pelo pesar que representa o suicídio indígena e o sentimento de perda de um jovem artista tão brilhante, inovador e especial. Ainda amparado pela tristeza, a primeira imagem que me veio de Jaider foi a beleza da sua presença no extraordinário documentário “Por onde anda Makunaíma?”, do diretor Rodrigo Séllos. O filme se concentra na encarnação modernista do personagem de Mario de Andrade e conduz o espectador ao seu mito de origem, “Makunaíma”, que salta dos escritos e registros do etnólogo alemão Koch-Grünberg, feitos em 1910, durante a convivência com povos indígenas da tríplice fronteira Brasil-Venezuela-Guiana onde está localizado o Monte Roraima, também chamada “tepuy” na línguagem indígena Macuxi, de grande significado espiritual, sendo referido como a “Casa de Macunaíma”, ao largo dos rios Uraricoera e Waikás. Jaider Esbell era um guerreiro da nação Macuxi, da região hoje demarcada como a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, entre as cabeceiras dos rios Branco e Rupununi. As altas taxas de suicídios entre os povos indígenas –  Em seu Boletim Epidemiológico (set/2020) o Ministério da Saúde publicou os dados referentes ao suicídio da população indígena no Brasil durante os anos de 2015 a 2018. O suicídio, na definição da pasta, é um alarmante problema de saúde pública para a população.  Os povos indígenas possuem maior risco de morte por suicídio, representando uma taxa de 17,5 óbitos a cada 100 mil habitantes. Segundo o relatório 2018 do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), foram registrados 782 suicídios nas comunidades indígenas brasileiras nos últimos 16 anos , o que significa uma “variação” de 30 a 73 casos por ano. Informa, ainda, que o quadro de suicídios entre os Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul não se alterou em quatro décadas, sugerindo que esse fenômeno não é restrito apenas a essas comunidades, já que em 2016 houve 30 casos de suicídios no Alto Solimões. Walelasoetxeige, Txai Suruí –  A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), em Glasgow/Escócia, recebeu 40 lideranças indígenas brasileiras, o maior grupo da história do evento, com destaque para o discurso da jovem ativista Txai Surui, coordenadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, denunciando o desmatamento e invasão das terras indígenas pela grilagem oficial de garimpeiros, madeireiros e do agronegócio, o genocídio indígena e o “ecocídio”. As lideranças indígenas apresentaram à COP 26 a “Carta de Tarumã”, uma declaração dos povos da Amazônia frente às mudanças climáticas, explicitando que “não há solução para crise climática sem nós”, destacando quem está diretamente ligada à exploração dos povos e das terras indígenas da Amazônia e que a meta de emissões apresentada pelo governo Bolsonaro é um “compromisso vazio”. O genocídio indígena  – Os assassinatos de indígenas cresceram 61% em 2020, segundo o Conselho Missionário Indigenista (Cimi), onde as maiores ameaças de ataques a territórios e indígenas recaem sobre as nações Yanomami, Uru-Eu-Wau-Wau e Mundurucu, de Roraima (RR). Há uma verdadeira escalada de conflitos, em razão do aumento das invasões nas terras indígenas, ameaçando gravemente a vida, a integridade física e a saúde dos povos indígenas, além de danos ao meio ambiente. Nas terras indígenas Yanomami e Mundurucu, a situação é ainda mais grave: há risco iminente de massacres de indígenas. Os invasores (madeireiros, mineradores, garimpeiros e o agronegócio) estão ampliando as áreas ocupadas, atacando, assassinando e ameaçando indígenas, contaminando-os com Covid-19 e malária, poluindo seu território com mercúrio e desmatando a Floresta Amazônica. ] A comunidade de Korekorema e o relatório de viagem de um grupo de Ye’kwana de junho de 2020 informam que, nas margens do rio Uraricoera (RO), desde o início de abril, um grupo de 50 garimpeiros havia montado um acampamento, levantado barracões e preparado balsas de raspa terra nas proximidades da comunidade rio acima. O relatório registra, entre outros, a cobrança de pedágio no porto de Arame, a intensa circulação de embarcações e aeronaves, a degradação florestal e poluição das águas e ameaças à segurança para a circulação dos indígenas em sua própria terra. Em 14 de junho de 2020, duas lideranças yanomamis foram assassinadas na comunidade Xaruna, Serra do Parima (Alto Alegre), devido ao conflito com garimpeiros. Em junho de 2020, a agência britânica Reuters em “The threatened tribe”, publicou imagens impressionantes da destruição do garimpo na terra Indígena yanomami. (O link pode ser encontrado em  https://graphics.reuters.com/BRAZIL-INDIGENOUS/MINING/rlgvdllonvo/index.html) . OS YANOMAMIS –  Desmatamento:Segundo o PRODES/INPE (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), 2019 teve a maior taxa de desmatamento nas terras yanomamis nos últimos 13 anos (totalizando 3.463 hectares), acumulando mais de 30 mil hectares em desmatamentos. Em 2020, a terra indígena yanomami ainda registrou 216 hectares desmatados e foi a vigésima primeira mais devastada no país nesse ano. Os dados mensais do sistema DETER (Sistema de Detecção de Desmatamento em tempo Real) revelam que as invasões e desmatamentos continuam após o último período de medição do sistema PRODES, com desmatamento, degradação florestal, mineração e queimadas desde o início da pandemia em 2020. O garimpo – Os garimpos de ouro representam a principal fonte de contaminação ambiental por mercúrio na Amazônia. O metilmercúrio é reconhecido como uma das apresentações mais tóxicas do mercúrio afetando o sistema nervoso central, urinário, cardiovascular e, particularmente, as mulheres em idade reprodutiva, fetos e crianças menores de dois anos. A contaminação por metilmercúrio em gestantes é capaz de atingir o cérebro do feto ainda em formação, causando danos irreversíveis, incluindo perda de audição, déficit cognitivo, retardo no desenvolvimento e malformação congênita em crianças expostas durante o período intrauterino. Na terra Indígena yanomami, a mineração de ouro começou a se estabelecer a partir da década de 1980, ocasionando além de contaminação ambiental, a desestruturação de

O vexame brasileiro na COP26

Ecossocialista Mariana Martins comenta sobre a inexistência e defasagem de propostas climáticas pelo governo federal   Com colaboração de Isabela Gama O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA recebeu na última sexta-feira (dia 5), a ecossocialista Mariana Martins para comentar sobre o vexame brasileiro na COP 26, reunião organizada pela ONU na cidade escocesa de Glasgow, onde líderes de mais de 200 países discutem o caos climático.  Às vésperas da reunião, o presidente Jair Bolsonaro anunciou o Programa Nacional de Crescimento Verde, alegando que pretende estimular a sustentabilidade, mas não comenta como irá fazer isso. Para a ativista, o Plano Verde deve levar esse nome por não estar maduro. A falta de propostas eficientes e claras dificultam o olhar otimista sobre o tema, afirma a entrevistada para o editor Zonacurva Fernando do Valle, o advogado Roberto Lamari e o editor do Vishows Luís Lopes. Martins explica que o ecossocialismo é uma forma de entender o marxismo respeitando os limites do planeta, revisando o consumo exagerado. “Para o sistema, tirar o lucro como o objetivo principal da sociedade e almejar o bem-estar comunitário é incompatível. Não dá para continuar vivendo no capitalismo achando que também dá para cuidar do meio ambiente”  A COP 26 veio com o objetivo de atualizar e reorganizar as propostas vigentes no Acordo de Paris, assinado por vários líderes mundiais em 2015. Dentre os diversos desafios ambientais que as nações do mundo enfrentam encontramos a política ambiental do atual governo brasileiro que agravou os problemas ambientais, tanto nacionais como mundiais. O Brasil saiu de vítima em 2015 para se tornar o vilão climático em 2021. Os problemas ambientais do país não se limitam apenas às queimadas frequentes na floresta amazônica, mas também às práticas antiambientais de boa parte do agronegócio, que é o grande emissor de metano do país.  Para a ativista, o caráter exploratório do agronegócio o impossibilita de viver em harmonia com a sustentabilidade, afinal seu objetivo é lucrar com a exportação, e não o de alimentar pessoas. Na verdade, os brasileiros dependem da agricultura familiar para seu sustento. O acordo firmado entre o estado e as empresas de exportação de alimentos gerou esses problemas. E, nitidamente, ambos vêm aplicando uma política de desmonte dos órgãos de defesa do meio ambiente como Ibama e Icmbio, deste modo, ambientalistas, indígenas e a sociedade civil que se revoltam ao ver o governo “passando a boiada”, se tornam inimigos do governo. Martins explica que o ataque de Bolsonaro aos povos originários é uma tentativa de cumprir os acordos com o agronegócio. “Bolsonaro fala que os povos originários querem terra, mas quem quer terra é grileiro”, diz a ecossocialista. Ela completa que, para os povos indígenas, a terra não é deles, a terra é a natureza. Inclusive dentro das aldeias, há compostagem e cada um tem responsabilidade com seu próprio lixo. A catástrofe climática que o mundo enfrenta já tem dado seus sinais. Em julho deste ano, ondas de calor jamais vistas anteriormente atingiram a costa oeste do Canadá e dos EUA. Segundo a polícia de Vancouver, mais de 130 óbitos ocorreram por mal súbito na cidade em apenas um dia.  Já nos EUA, o calor foi tão intenso que chegou a derreter os cabos elétricos em Portland. Para a ativista, caso situações extremas como essas ocorram no Brasil, safras de alimentos serão comprometidas. Mariana afirma que a crise de abastecimento poderá se intensificar, afetando as populações mais carentes. Geração Z sofre com eco-ansiedade, medo da destruição ambiental Mil noites no Brasil