Zona Curva

Rubem Fonseca

Dez desabafos do escritor João Antônio

Escritor João Antônio – O jornalista Mylton Severiano foi grande amigo do escritor João Antônio. Durante anos, os dois se corresponderam. Com base em seus arquivos e lembranças, Myltainho, como era conhecido o jornalista que morreu em maio do ano passado, publicou em 2005 o livro “A Paixão de João Antônio”. O livro é um verdadeiro mergulho na alma do genial João Antônio, compre-o, vale a pena. De lá, separei dez petardos do escritor:   “A situação dos meus livros é vexatória, escrota e perversa. Imita o País: deixou Noel morreu tuberculoso, matou Lima Barreto aos 41 anos, fez Mário de Andrade, nosso maior trabalhador intelectual do século, passar tais humilhações que ele bebeu e fumou até estourar antes do tempo, liquidou Glauber Rocha… Assassinatos culturais dos governos inculturais” (1993).   “Literatura? Mas, minha querida senhora, a literatura não existe. O que há é a vida, de que a política e arte participam” (1977).   “Investimentos brutais na educação, saúde e saneamento. Noções e renoções de cidadania. Este é o grande país do planeta. Não podemos admitir que calhordas nos desgovernem e nos roubem. Patriotismo já. Sem nacionalismos, sem machezas, sem radicalismos. Educação, ética, brasilidade sem xenofobias: com senso. E amor. Onde entra o amor, as leis são dispensáveis. Dignidade — louvores à dignidade, à ética. Sou utópico? Não, sou realista. Temos um povo bom, cordato, criativo e sempre a fim de colaborar” (1993). O escritor João Antônio nasceu em São Paulo em 27 de janeiro de 1937 no mais paulistano dos bairros: o Bixiga. Ele morreu no Rio de Janeiro em 31 de outubro de 1996. “Rubem Fonseca está rico, meu velho. É um policial mui vitorioso. Rachel de Queiroz está na Academia Brasileira de Letras. Gumercindo Rocha Dórea continua vivo e vivaço cá no Rio editando seus apaniguados ou apadrinhados de direita. Todos são dedo-duros, alcaguetes, fascistas. E daí? Não há informação neste país porque o jornalismo não cava informações. As maiores devassas sobre o nosso golpismo político têm sido feitas por intelectuais estrangeiros. Isso não causa espécie?” (1981).   “Olha, quero paz para escrever. Esse negócio de jornalismo está me deixando louco. E o único jeito de eu escrever vai ser num hospício”.   “Aqui me roubam, me usam, me desrespeitam e até se impacientam com a minha independência, pois, não pertenço a curriolas de nenhuma natureza, não aceito emprego público nem particular, xingo a direita de burra e sanguinolenta, xingo a esquerda de bêbada e intolerante, de festeira e faladeira, de omissa e impopular” (1979).   “São Mané Garrincha, o Generoso, a Alegria da Gente, aquele que, passando por débil mental, entendeu, sem retóricas e sem palavras vãs, a nossa carência gigantesca de alegria coletiva. Santo, puro santo: o Brasil em pessoa. Ele se doava todo. Pelé, a gente admira; Garrincha, a gente ama” (1994). “Ando brigando com a cachaça. Já cachacei demais, irmão. Ao invés de tomar novos, agora prefiro escrever sobre os porres (v. é testemunha) que já tomei” (1982).  “Não pretendo morrer antes de declarar algumas verdades. Estou há anos para lhe dizer isso. Não conheço nenhuma profissão de gente tão otária quanto os jornalistas. É gente que joga no escuro, joga por jogar, joga para conhecer as regras do jogo. Tirantes alguns raros e bem topados jornalistas cooperativados que conheço, o restolho, ou melhor, o grande resto não passa de uma maciça cambada de otários” (1981). “Este país está mergulhado num obscurantismo sem par. Melhor sucessor para a ditadura do que Collor, impossível. Nem que os militares quisessem. O homem é completo: política de liquidação total e capilar à cultura e à educação.. . A cultura e a educação que deveriam ser comuns como o feijão-e-arroz, tornou-se alto luxo para gentes sofisticadas” (1992). A classe mérdea

Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado

Como o escritor Rubem Fonseca sente verdadeira ojeriza por entrevistas, sempre pairou a desconfiança de que a causa dessa aversão advém da tentativa de esconder seu convívio nos anos 60 com algumas figuras de destaque da ditadura militar. Fonseca participou da direção do IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), que organizou a base ideológica para o golpe de 64, e foi próximo do general Golbery do Couto e Silva, uma espécie de eminência parda do regime de exceção. Em entrevista a revista Bravo! em 2009, o jurista Candido Mendes declarou: “Eu me lembro do fascínio do general Golbery com o José Rubem… Ele admirava o José Rubem por sua capacidade, sua implacabilidade de raciocínio”. Através de Golbery, Fonseca conheceu seu primeiro editor, o ex-camisa verde (apelido dos integralistas), Gumercindo Rocha Dorea, diretor da Editora GRD, que publicou os dois primeiros livros de Rubem: Os Prisioneiros (1963) e Coleira do Cão (1965). Não é possível mais defender o silêncio do escritor que, sem dúvida, teve papel primordial na literatura brasileira das últimas décadas, como apenas uma característica de sua personalidade. Alguns até comparam o silêncio de Rubem ao de outro escritor que também influenciou toda uma geração de escribas, o vampiro de Curitiba Dalton Trevisan, que também rechaça qualquer investida da imprensa. No caso de Trevisan, talvez aí sim seja uma característica pessoal como até indica seu apelido. Já Rubem, nos últimos anos, tem falado e mostrado sua verve em eventos tanto no exterior como em algumas ainda raras ocasiões no país. Assista aos dois vídeos de aparições públicas do escritor no texto Zonacurva sobre seu último livro, Amálgama. Rubem Fonseca no IPÊS O IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) surgiu em novembro de 1961, apenas dois meses após a renúncia de Jânio Quadros, pelas mãos de Golbery e Figueiredo, entre outros militares, empresários e políticos. O instituto apresentava-se como uma “agremiação apartidária com objetivos essencialmente educacionais e cívicos e orientado por dirigentes de empresas que participam com convicção democrática e como patriotas”. De acordo com o historiador uruguaio René Armand Dreifuss em seu livro 1964: a conquista do Estado, Ação Política, Poder e Golpe de Classe, Rubem Fonseca teve como sua principal função no IPÊS a de supervisionar a unificação ideológica e editorial dos materiais de divulgação do instituto. Ao seu lado, trabalhavam o poeta e jornalista Odylo Costa Filho, a escritora Raquel de Queiroz e o jornalista Wilson Figueiredo. O material produzido pelo IPÊS, em especial seus curtos filmes que eram exibidos em cinemas e na televisão, foi um dos responsáveis por criar um clima de pânico, principalmente entre a classe média, do “verdadeiro descalabro que ameaçava nossa democracia“. Em conjunto com o IPÊS, atuava o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que também reunia em seus quadros intelectuais orgânicos que representavam os interesses do grande empresariado e, em especial, do capital norte-americano. Podemos dizer que ambos constituíram uma verdadeira organização composta por intelectuais, empresários e militares em defesa dos interesses da elite brasileira e seus aliados. Segundo o livro A ditadura envergonhada, do jornalista Elio Gaspari, o IPÊS funcionava no 27º andar do moderno edifício Avenida Central, no centro da capital fluminense. Em incrível coincidência, por lá também atuava o escritório da agência de notícias cubana Prensa Latina. O  democrático prédio ainda abrigava duas bases de operações clandestinas: uma do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e outra de radicais de direita. O documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, lançado no ano passado, coloca de forma muito clara a participação dos Estados Unidos na criação do IBAD e do IPÊS. Lincoln Gordon, embaixador norte-americano no Brasil no período pré-golpe, aconselha o presidente John Kennedy a ajudar com alguns milhões de dólares os institutos. Kennedy questiona se isso seria realmente necessário. Gordon é categórico: “nós não podemos correr riscos”. Plínio de Arruda Sampaio, deputado federal no período que precedeu o golpe, lembra no filme que foi procurado por uma pessoa ligada ao IPÊS, que lhe ofereceu certa quantia para que ele defendesse a democracia, Plínio refutou: “mas eu já defendo a democracia, para isso, não preciso de dinheiro”. Leia texto sobre o documentário O dia que durou 21 anos A jornalista Regina Coelho abordou a relação de Rubem Fonseca com o IPÊS na matéria O homem em questão publicada no jornal Correio da Manhã no final dos anos 60. O telefonema da jornalista irritou Rubem Fonseca, que se negou a responder qualquer pergunta. O papo acabou se tornando um áspero diálogo entre os dois: “Se você entrevistasse o Carlos Drummond de Andrade seria importante o que ele faz ou o que ele é”. Regina Coelho rebate: “segundo Sartre, o homem é aquilo que ele faz”. “E nós somos esta espécie de conjunto desorganizado em termos de função na vida, não tenho nada a dizer”. Silêncio. Regina pergunta: “Isto vai atrapalhar o seu trabalho?” “Claro que vai, mas profissionalmente a gente se vira, não precisa ficar com complexo de culpa, bem, você estragou o meu dia, não quero ser rude, não devia ter atendido o telefone, interprete como quiser, arranje outro entrevistado”.  Em 1994, José Rubem publicou um artigo no jornal Folha de São Paulo em que afirma que sua participação no IPÊS foi uma decorrência de sua atividade empresarial como executivo da Light e nega ter colaborado com a ditadura. Leia trecho: “No ato de fundação do IPÊS a Assembleia Geral me escolheu como um dos diretores do Instituto. Toda a direção era composta de empresários que continuavam trabalhando em suas companhias e não recebiam remuneração pela sua colaboração. À medida em que crescia a rejeição ao governo João Goulart na classe média, em setores empresariais, eclesiásticos, militares e também na mídia, no IPÊS se desenvolveram duas tendências. Uma, fiel aos princípios que haviam inspirado a fundação do Instituto, manteve-se favorável a que as reformas de base por ele defendidas fossem implantadas através de ampla discussão com a sociedade civil, o governo e o parlamento; a outra passou a julgar a derrubada do governo João Goulart como única solução para os problemas

A volta de Rubem Fonseca ao mundo embrutecido

Em Amálgama, novo livro de contos de Rubem Fonseca, o freak show é composto por uma vasta galeria de figuras perturbadas: mãe que joga o bebê aleijado no lixo, o assassino profissional que poupa anões, outro que tem medo de anões, homem feio apreciador de bocetas, o matador de gatos, um que tira a vida de corretores de imóveis e, por aí vai. No último livro, José, de 2011, Fonseca deixou um pouco de lado a violência e a revolta ao relembrar sua infância em uma capital carioca idílica que não existe mais. Leia post sobre o livro José aqui.  No didático Brasil urgente do Rubão, o ser humano depara-se com um festival de torpezas e vilezas, acorda entorpecido, enxuga as remelas e, no mínimo, reflete “como podemos melhorar esse negócio de sociedade”. Ou não. A escolha é só nossa. Nos 34 contos curtos de Amálgama, Rubem Fonseca expõe um festival de perversões e insanidade. Ninguém escapa, muito menos eu e você:  “sei que ninguém é inocente, todo mundo cometeu alguma transgressão, alguma maldade, ou crueldade,: se eu fosse religioso diria cometeu algum, ou vários, dos pecados capitais: avareza, gula, inveja, ira, luxúria, orgulho e preguiça” A violência e os problemas sociais apresentados em seus parágrafos não são criações do artista, e sim parte de seu mundo, de seu universo criativo, servindo-lhe de “inspiração”. Se são feios os seus quadros, a culpa não é dele, mas de todos nós, da sociedade que não soube ainda se liberar de suas mazelas.  O cobrador versão bike No conto O Ciclista, Rubem Fonseca recicla um de seus textos mais conhecidos, O Cobrador (do livro homônimo, de 1979). No conto anterior, o narrador vinga-se dos exploradores bem integrados ao mercado. Segundo ele, estão lhe “devendo comida, boceta, cobertor, sapato, casa, automóvel, relógio, dentes … Odeio dentistas, comerciantes, advogados, industriais, funcionários, médicos, executivos, essa canalha inteira. Todos eles estão me devendo muito”. Na nova versão, o ciclista atropela os que identifica como maus: “todo dia fico procurando em cima da minha bicicleta alguma pessoa má para punir”. O trio sexo, violência e miséria (humana e social) permeia boa parte da obra do escritor. Isso não quer dizer que ele as aprove ou desaprove. O autor utiliza sua sensibilidade aguçada para testemunhar e descrever o cenário de maneira particular. O mundo exterior apresenta-se a cada dia mais cruel e violento e a cidade desumana, o homem (in)comum (ou os Josés, nome de vários protagonistas dos contos de Amálgama) é representado por Fonseca em seu convívio diário com o caos. Ao agir desta forma, Fonseca joga para a sociedade a culpa pela brutalização do mundo. Uma vez que ele não a criou, ela faz parte do mundo e das relações humanas, cabe a ele, o papel de captá-lo sem máscaras, devolvê-lo na sua forma original: violento e desumano. O próprio escritor explica em uma de suas raríssimas entrevistas para o Jornal da Tarde em 12 de setembro de 1970 como enxerga seu ofício:  “o escritor não é um intelectual, é um historiador da condição humana… é um cara que está aí, vendo, testemunhando as coisas. Acho muito chato o cara que é escritor ditar regras. Ele não precisa disto” Inovador da linguagem ao adotar uma forma de contar histórias unindo dimensões da linguagem como a jornalística e a cinematográfica, podemos encontrar em muitos de seus contos uma relação direta com um roteiro de cinema. Na entrevista ao JT, afirmou: “antes de aprender a ler, eu já ia muito ao cinema e já fazia filmes na cabeça. A sintaxe cinematográfica, usada na literatura, permite muitos macetes. Quando eu bolo uma história, ao mesmo tempo ela já se realiza na minha cabeça”. Apesar de sua proximidade como o cinema, a literatura de Rubem Fonseca foi pouco aproveitada pelo cinema. O destaque vai para a adaptação de A Grande Arte pelo jovem diretor Walter Salles Jr, em 1991. Rubem Fonseca adaptou o livro O Matador, de sua amiga e escritora Patrícia Melo, para o cinema. O longa, de 2003, contou com a direção de seu filho, José Henrique Fonseca. Já na televisão, o romance Agosto, ambientado no fatídico agosto de 1954 em que Vargas mete uma bala na cabeça, virou minissérie na Rede Globo. Na pele do protagonista, o inspetor Mattos, atua o canastrão José Mayer. Impagável está Toni Tornado como chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas, Gregório Fortunato. A HBO produziu recentemente a série Mandrake baseada em dois livros do escritor: A Grande Arte e Mandrake, a Bíblia e a Bengala.   Cinco décadas de literatura O ano é 1963 (há exatos 50 anos): um executivo da Light de 38 anos lança no Rio de Janeiro seu primeiro livro de contos, “Os Prisioneiros”. Aparentemente, fica difícil acreditar que este episódio iria revolucionar a temática e a narrativa da literatura brasileira da época. Mas Rubem Fonseca chegou carregando uma visão particular do cotidiano das cidades e demonstrando através de uma escrita sem rodeios o homem desesperado inserido em um modo de vida selvagem. Arredio com a imprensa brasileira, Rubem tem participado de eventos literários no exterior, esse foi em Lima, no Peru: As cidades em todas as suas contradições sofrem uma dissecação em suas mãos. O escritor Ítalo Calvino, em seu livro As Cidades Invisíveis, nos ajuda a entender a literatura de Fonseca: “as cidades como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam outra coisa”. José Rubem Fonseca nasceu em Juiz de Fora, em 1925. Residente no Rio de Janeiro e formado em Direito e Administração, talvez tenha nessa sua distância dos meios acadêmicos, literários e jornalísticos, a origem de sua escolha por uma visão particular e pragmática da função literária. Fugindo do isolamento, Rubem Fonseca saiu da toca no Rio de Janeiro  e discursou com veemência para um grupo de operários na inauguração de uma biblioteca no início de outubro:  O crítico Antônio Cândido

Raduan abandona os 3 mil leitores

Depois de publicar dois livros (“Lavoura Arcaica” e “Um Copo de Cólera”) na segunda metade dos anos 70, com direito a prêmio Jabuti e boas críticas, o escritor Raduan Nassar abandonou o palco e a seleta plateia de três mil leitores e foi cuidar de uma fazenda de 640 hectares na pequena Buri, 250 quilômetros ao sul de São Paulo. A plateia de três milhares é como se refere o também escritor Marçal Aquino ao público que compra os livros de escritores brazucas. Em bela reportagem da revista Piauí deste mês, a história do ‘ex-escritor’ e fazendeiro de 76 anos é contada pelo jornalista Rafael Cariello sem a sua participação, arredio às entrevistas como seus colegas de ofício Rubem Fonseca e Dalton Trevisan. A matéria conta como Raduan enfurnou-se no campo há cerca de 30 anos sem mais escrever (ele lançou em 1997 uma coletânea de contos, “Menina a caminho”, com textos escritos nos anos 60 e um conto esparso). Raduan ainda doou a fazenda de sua propriedade para a Universidade Federal de São Carlos, vendeu uma parte dela a preços subsidiados aos agricultores locais e presenteou lotes a funcionários e ex-funcionários da fazenda. O isolamento e desprendimento de Raduan surpreende ainda mais no momento em que muitos escritores assumem sua persona pública e cada vez mais ocupam espaço na aldeia midiática. A positiva proliferação de eventos, feiras e oficinas literárias têm transformado alguns escribas em oráculos e produtores de aforismos e frases de efeito. O isolamento da escrita agora é quebrado com uma atitude de ‘colocar a cara para bater’, com o escritor fazendo bico como palestrante, ator ou showman. Como existe demanda de parte do público por charme intelectual fast food,  já não me espantaria de ver escritores ‘de literatura’ em sessões de treinamento corporativo. Sugestões não faltam: Kafka praticando coaching para funcionários públicos, Rubem Fonseca oferece dicas para a Polícia Federal ou Bukowski como consultor na indústria de bebidas. O escritor norte-americano de origem russa, Gary Shteyngart, presente na última edição da Flip, ironiza os vídeos de divulgação literária com a participação de amigos e de seus alunos de oficina de escrita criativa (veja em http://tinyurl.com/cqsqz9a) no lançamento de seu último livro. Segundo ele, muitas pessoas pararam de ler livros, mas todo mundo gosta de ver pequenos vídeos no YouTube. “Percebi que, se quisesse vender algum livro, tinha que fazer isso”. Como a dedicação exclusiva à literatura raramente sustenta alguém no Brasil, o escritor sempre se viu obrigado a batalhar o pão de cada dia em outras searas. As mais comuns são o magistério, o jornalismo e a publicidade. No texto Bloqueios e desbloqueios (http://tinyurl.com/88maz4r), o escritor Michel Laub investiga essa relação. “Um publicitário acostumado a agradar e/ou mentir para vender um produto ou comportamento só poderá ser bom escritor se entender que literatura é o contrário disso. É o velho paradoxo: a ficção mente para dizer a verdade, enquanto o jornalismo, por exemplo, muitas vezes diz uma suposta verdade para no fundo mentir”. Em entrevista à Folha de São Paulo do dia 19 de julho, o escritor português Lobo Antunes, ao ser questionado se o fato de ter sido médico influenciou sua literatura, respondeu: “se tivesse sido engenheiro ou outra coisa teria sido igual”. Retirar do escritor a aura mistificadora do ser ilhado e atormentado em busca da inspiração redentora aproxima-o do público. A literatura sobrevive e sobreviverá sempre. E a boa literatura se eterniza. Claro que a falta de leitores preocupa e as centenas de lançamentos desorienta o leitor comum mas os blogs, a facilidade de publicar e a proliferação de aspirantes a escritor indicam um futuro promissor.

Fonseca romântico

Garoto idiossincrático esse José. Do mundo dos livros tira o alimento para sua realidade. A Paris de vielas estreitas transforma-se no mundo ‘real’ em que vive seus primeiros oito anos de vida, a lembrança da rotina na pequena e ‘irreal’ cidade mineira é nebulosa e episódica. Em tenra idade, lá pelos 9, já no Rio de Janeiro, José começa a deliciar-se com o footing das elegantes ladies da confeitaria Colombo e das mulheres de vida fácil da Lapa. Sem UPPs e capitão Nascimento, José delicia-se com a atmosfera dos cafés, os encantos das ruas de João do Rio e seus carnavais ingênuos. Mesmo assim, vaticina, ao contrário de muitos escritores inspirados na observação cotidiana: “a melhor inspiração do escritor é sempre encontrada nos livros.” Cafetões munidos de navalhas e o assustador Madame Satã, que peitava a polícia em míticas brigas, compunham o lado B da cidade. Talvez aí o único momento em que Fonseca visita a fauna de desajustados que povoa seus outros livros. Em José, o livro, não há espaço para violência e revolta, nele encontramos um Fonseca romântico e passadista do alto de seus 86 anos. Já em Axilas e outras histórias indecorosas, livro lançado em 2011 junto com José, personagens característicos de Fonseca dão vida a contos curtos e diretos. Em um misto de autobiografia velada (“todo relato autobiográfico é um amontoado de mentiras”) e Bildungsroman, Fonseca amolece e canta o Rio de Janeiro como um Tom Jobim. Outras épocas em que as drogas praticamente inexistiam. O único cocainômano era uma lenda apontada nas ruas. Mais, a cocaína e a maconha não eram proibidas. Sem luxos, José trabalhou a partir dos 12 anos, refrigerante era água com pasta de dente diluída. A imaginação do menino o leva a ser escritor quando adulto. Apesar que José prefere ser entregador, “entre as muitas ocupações que José teve em sua vida essa de entregador foi a mais agradável de todas, certamente mais prazerosa que a de escritor”. Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado Vizinho da Biblioteca Nacional, José lia e lia e os pockets books policiais que a tia Natália comprava nos sebos podem ter levado o José escritor a escrever seus contos repletos de crimes e figuras detetivescas como Mandrake. Se é Rubem Fonseca inteiro ou em partes o que lemos nas páginas de José, não saberemos já que o autor recluso não tolera entrevistas. O que surpreende é o autor de contos crus e perversos como O Cobrador desnudar-se em sua porção leve e poética. Relatos sobre o amor extremo e seus avessos