Ligado no dois de agosto

por Frei Betto   ― Alô, deputado, aqui fala o presidente.   ― Presidente?!   ― Sim, o Michel.   ― Como vai, excelência?   ― Felizmente bem.   ― A que devo a honra de seu telefonema?   ― É sobre a votação do dia 2 de agosto. Como o senhor sabe, sofro uma acusação improcedente. Por isso, fui absolvido pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. ― Mas vossa excelência não recebeu o dono da Friboi na calada da noite nos porões do Palácio Jaburu, e não avalizou junto a ele o ex-deputado Rocha Loures como homem de sua inteira confiança?   ― Ora, como eu poderia deixar de receber quem fez generosas doações às campanhas do PMDB?   ― E o Rocha Loures, o homem da mala?   ― Não era dinheiro que havia naquela mala. Eram pizzas. O deputado comprou setenta pizzas e, por isso, preferiu transportá-las numa mala de rodinhas.   ― Mas ele saiu correndo pela rua, afobado.   ― Sim, para evitar que as pizzas esfriassem. Como é um homem de bom coração, pretendia distribuí-las para moradores de rua.   ― E em que posso lhe ser útil, excelência?   ― Como o senhor anda de emendas?   ― Ora, presidente, emendo daqui, emendo dali, e não consigo tapar o buraco de minhas promessas eleitorais.   ― De quanto anda precisando?   O deputado faz o cálculo, diz ao presidente e pergunta:   ― De onde vossa excelência vai tirar o dinheiro se está cortando gastos até de programas sociais?   ― Do aumento dos impostos, evidentemente.   ― Bem que vi este adesivo em um carro: “Encha o tanque e salve o Temer”, data venia presidente.   ― Não quero pressioná-lo, deputado. Sei que o senhor votará pela estabilidade política do país. Quero é premiá-lo. Sua atividade parlamentar é digna de meu apreço.   ― Presidente, votarei com o meu partido.   ― Com todo respeito, deputado, partido já nada significa. Veja o Jucá, já foi do PSDB, do PDS, do PFL, do PPR e agora está no PMDB. O que importa é o homem, não a agremiação.   ― Presidente, se o senhor está tão convencido de sua inocência, por que teme o julgamento do STF?   A ligação é abruptamente interrompida.   Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Elis, o meu coração e a PEC do Temer Temer, o presidente-fantasma O governo tucano de Michel Temer