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Um dia na Ocupação Manoel Aleixo, em Mauá

A repórter Zonacurva, Letícia Coimbra, visitou a Ocupação Manoel Aleixo, na Vila Bocaina, em Mauá, e conversou com Selma Neila, coordenadora desta e da Ocupação Antônio Conselheiro Selma diz que muitas pessoas escolhem priorizar a alimentação ou o aluguel, tal como ela precisou. “Tive que escolher, ou pagava água ou pagava luz, ou comia ou pagava o aluguel. E a gente sempre pagava o aluguel porque senão a gente ia para debaixo da ponte, então a gente passava fome pagando aluguel”. Ela lembra da fala do presidente Jair Bolsonaro (PL) no debate entre os presidenciáveis na TV Bandeirantes e ironiza: “você vê o presidente falar ‘não existe fome no país’. Onde ele anda não tem fome: ele anda no meio dos latifundiários do agronegócio, só anda de jet ski”. “Ele não governa para nós, governa para quem anda de jatinho e come picanha”, diz Selma, fazendo alusão ao churrasco realizado pelo presidente no Palácio da Alvorada no ano passado que contou com peças cujo quilo custava R$1.800 enquanto o restante dos brasileiros precisa buscar alternativas para consumir a necessidade diária de proteína. Segundo dados divulgados pelo IBGE (Índice Brasileiro de Geografia e Estatística), em junho deste ano, a média do rendimento domiciliar de 2021 foi de R$1.353, o menor desde 2012. Já a cesta básica, de acordo com pesquisa realizada pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o valor da cesta básica em maio deste ano equivale a R$1.226. Além disso, a coordenadora da ocupação afirmou que, apesar do governo possuir programas sociais, eles não resolvem o problema, sendo apenas medidas paliativas. “Mesmo que, às vezes, eles ajudem, isso não é o central. ‘Vou dar um auxílio de 400 reais’, a gente não precisa de um auxílio de 400 reais, a gente precisa de oportunidade de emprego, a juventude precisa de emprego, precisa acabar com a fome, então são coisas muito mais profundas do que simplesmente dar um auxílio de 400 reais”. Selma alega que os políticos usam os mais pobres para se autopromover e teceu críticas ao capitalismo, afirmando que trabalhamos apenas para conseguir o básico para sobreviver. “Ninguém ataca o capitalismo, por exemplo, ninguém diz que a razão de todos os nossos males, da miséria, dessa falta de moradia e da fome é o capitalismo, que transformou tudo em mercadoria e dinheiro”. Ela conta que alguns moradores da ocupação conseguiram receber o Auxílio Brasil, mas que por serem em sua maioria mães, o dinheiro não dá conta de despesas básicas. “A maioria não consegue comprar essas coisas – só o arroz, feijão e a fralda para a criança ou leite, que tá um absurdo de caro”. Selma questiona o fato do governo utilizar a repressão em vez do diálogo. “Quando a gente faz uma ocupação, por exemplo, a polícia vem nos reprimir, mas não vem um secretário de governo conversar sobre os motivos que levam a gente àquela situação porque estamos ocupando ali ou sugerir quais as soluções que podem ser dadas para que a ocupação não ocorra, mas não, eles mandam a polícia para descer o cassetete e gás lacrimogêneo, jogar tudo na rua, apontar arma na cara de mãe de família e de criança: é para isso que eles usam o Estado”, revolta-se. “Quem tem direito ao país é quem constrói ele, quem constrói esse país são os trabalhadores. Eles usam o estado, a polícia e a política para nos manter na linha… nos dão uma migalha lá e quer que a gente fique quietinho e não fale nada, que a gente não reivindique…” – Selma Neila, coordenadora da Ocupação Manoel Aleixo A ativista afirma também que não adianta se dizer a favor dos pobres e formar alianças com pessoas que ocupam claramente o lado oposto: “Eles querem dizer que tem um salvador da pátria, uma personalidade que vai vir e resolver tudo, só que não vai. Porque eles se aliam justamente com quem oprime, com quem tira direito de trabalhador, com quem gosta de privatizar o patrimônio público, então isso mais uma vez mostra que eles não estão do nosso lado.    O dia a dia na Ocupação Manoel Aleixo Em setembro de 2020, surgiu a Ocupação Manoel Aleixo, organizada pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), movimento nacional que luta pelo direito de morar de forma digna. No local, onde inicialmente moravam 40 famílias, que fizeram a mesma escolha que Selma, tiveram que se acostumar com essa nova realidade de moradia.  A organização da ocupação é feita em uma escala semanal e depende da cooperação de todos. As tarefas domésticas como as da cozinha e a lavagem de roupas são divididas entre todos e existe, inclusive, uma creche para ajudar as mães solteiras ou separadas. Essa dinâmica da Ocupação foi idealizada e realizada pelos próprios moradores, quando tais ações deveriam ser proporcionadas pelo governo, considerando o Art. 6o da Constituição de 1988, que garante, entre outros, o direito à moradia e à saúde. Entretanto, esses direitos foram negados pelo Estado, deixando essas pessoas vulneráveis.  Selma destaca que um dos maiores problemas relacionados aos moradores da ocupação é o do acesso a direitos básicos como educação e saúde. Isso porque para que as pessoas façam cadastro em escolas ou Unidades Básicas de Saúde, é necessária a comprovação de endereço. Ela conta que, para isso, assinaram um plano de internet/wi-fi no local para que o comprovante pudesse ser utilizado nessas situações, mas alega que mesmo assim há relutância quando mostrado. “Todas as vezes que eles pedem comprovante de endereço é uma briga, a gente mostra, mas sempre é uma briga. ‘Não, a gente precisa de um comprovante no seu nome’. Como alguém que não tem moradia vai ter um comprovante? Isso levanta também a questão dos moradores de rua, por exemplo, que com certeza não tem atendimento. É um problema muito sério na nossa cidade que muitas vezes não é abordado, mas existe”. O prédio por eles ocupado é uma antiga escola, que ficou sem uso por oito anos antes

Sobre a democracia e o voto

Democracia e voto – A democracia, já sabemos com Lenin, não pode ser um termo abstrato. Ela precisa ser adjetivada. Por isso que falar em democracia serve a todos. Como se só ao pronunciar essa palavra mágica já se compreendesse liberdade, participação etc… Não é assim. Basta a gente ver o que entende por democracia o governo dos EUA, por exemplo: para ele, democracia é o que está alinhado com seus interesses, aos interesses de sua classe dominante. O mesmo acontece no Brasil. Quando a gente ouve os políticos falarem em democracia é preciso perguntar: que democracia? A que serve ao capital? Aos grandes empresários? Às transnacionais? Ao agronegócio? Aqui no nosso país as pessoas entendem a democracia como sinônimo de votar. Ora, essa é uma das facetas da democracia. Mas não é só isso. Votar a cada dois anos em pessoas que nos representarão nos espaços legislativos e executivos não significa liberdade e participação. E por que eu digo isso? Porque o resultado é nítido na formação das bancadas e dos governos. O que temos por aqui é a ditadura do capital. É o poder econômico que determina a formação desses espaços. E isso fica bem claro quando a gente reconhece, por exemplo, que existe uma Bancada do Boi (que representa o agronegócio), ou uma Bancada da Bíblia (que representa os interesses dos pastores das igrejas neopentecostais) e assim por diante. Cadê a bancada dos trabalhadores? Não tem. É um ou outro lá dentro do Congresso que defende os interesses da maioria da população. O restante está a serviço da classe dominante e seus interesses. Hoje, ouvindo a propaganda política no rádio ouvi um candidato a senador dizer: “Eu vou representar os interesses do Estado de Santa Catarina”. Eu pensei. Bom, esse, pelo menos não mente. Diz logo que vai representar os interesses do Estado e não das pessoas. E o que é o Estado? É o balcão de negócios da burguesia! Logo, ele não vai para Brasília defender os nossos interesses, de trabalhadores. Não. Vai defender os interesses dos empresários, dos fazendeiros, dos ricos. E há os que falam em defender os interesses da família. Esses também são honestos. Defendem os interesses de suas famílias. Vocês devem conhecer bem os tipos aí… Por isso que nessa hora de votar – que é só um dos momentos dessa nossa democracia manca – a gente deveria ter mais cuidado. Observar as promessas. A pessoa vai defender o quê mesmo? Qual é a sua prática cotidiana? Se já foi parlamentar ou governante, o que defendeu e o que fez? E vejam bem, não basta terem feito grandes obras. Há que ver o que fizeram para tornar a vida da maioria dos trabalhadores melhor. O que fizeram pela educação das massas, pela saúde, pela segurança, pelo direito de morar dignamente, pelos direitos dos trabalhadores? Hoje, com a internet, as informações estão bem aí. Basta dar um tempinho do tiktok e procurar no google. Existem palavras que escondem outros sentidos, tais como a democracia, por exemplo. Mas os atos são limpos como a água da fonte. A pessoa votou como na hora de defender os direitos dos trabalhadores? E votou como na hora de defender o patrimônio público nacional? E votou como na hora de decidir sobre o pagamento da dívida externa?  Os atos gritam. Siga o grito… Não é sem razão que os chamados “democratas” têm tanto medo da ditadura do proletariado. Porque ela significa que quem manda é a maioria trabalhadora, 99% da população. Enquanto que na ditadura do capital, quem manda é o 1%, uma fatia muito pequena da população que se apropria da riqueza e joga a maioria na escassez.  Vejam que aí a ditadura também precisa ser problematizada. Então, o que podemos fazer nessa nossa democracia fraca, que só nos permite o voto a cada dois anos, e ainda totalmente comandado pelo poder financeiro, é prestar bem atenção em quem vamos colocar nos espaços de poder. Alguém que vai defender o estado? Os grupos tradicionais de poder, a classe dominante? Os empresários? Os fazendeiros? Os pastores? Ou vamos votar em quem está verdadeiramente do lado da maioria, dos trabalhadores, dos oprimidos, dos desvalidos, dos 99%? A democracia participativa é mais do que votar. É participar de tudo o que diz respeito à vida das cidades, dos estados, do país, com poder de decisão. Isso, claro, só se consegue com luta, com revolução. Mas, enquanto ela não chega, o mínimo que podemos fazer é garantir que dentro dos atuais espaços de poder – onde mandam os interesses da classe dominante – tenha uma grande bancada nossa, dos trabalhadores, para fazer barulho, para fazer pender a balança a nosso favor.  Hoje,  tanto nas Câmaras de Vereadores, quanto nas Assembleias, Câmara de Deputados e Senado, estamos muito fracos. Mas muito fracos mesmo. Sem qualquer chance de fazer estremecer o poder dos grandotes. Isso tem de mudar. Então pensa bem na hora de colocar seu voto na urna. Vais votar em quem te ferra? Ou vais votar em quem realmente te representa e defende os teus interesses? Seria bonito ver os trabalhadores tendo uma poderosa bancada. Já basta de defender patrão. Já basta de defender fazendeiro, banqueiro, pastor.  É hora de virar o leme na direção de uma vida digna para a maioria dos trabalhadores. Breve crítica da democracia louvada As eleições e as opções dos trabalhadores Por que tanto medo?

Sobre o que somos no capitalismo

Não há novidades na vida daqueles que não são proprietários, que não pertencem à classe dominante. Seu cotidiano é o do não-ser. Eles não existem como pessoas, que têm nome, sobrenome, filhos, sonhos. Não. O que não faz parte do 1% que domina é considerado um número, uma estatística, um receptáculo de força de trabalho. Nada mais. Mesmo os alto executivos, que dependem de salários, ainda que polpudos, estão na mesma condição. Um belo dia o patrão cansa, e adeus. Quando o capitalismo começou a se firmar, a riqueza de poucos proprietários de terra e fábricas se fez em cima do trabalho duro da maioria das pessoas que eram arrancadas de suas terras, recebendo como prêmio a liberdade. Não mais prisioneiros do feudo, mas livres para trabalhar onde quisessem. Essa era a promessa, mas a toada era de fato outra. Marx, no livro “O Capital” conta como tudo aconteceu na Inglaterra. Ele diz: “Os recém-libertados só se convertem em vendedores de si mesmos depois de lhes terem sido roubados todos os seus meios de produção, assim como todas as garantias de sua existência que as velhas instituições feudais lhes ofereciam”. Ou seja, não era uma escolha. A terra ficara para trás e só restava o trabalho pesado nas fábricas. Mas, como empregar toda aquela multidão que estava sendo expulsa do campo? Impossível. Muita gente ficava pelo caminho, amargando a mendicância. E o que faziam as pessoas de bem daquela época? Ajudavam, sentiam compaixão? Não! Aplicavam leis perversas. Em 1530, na Inglaterra, a miséria era tanta entre os velhos que eles recebiam licença para mendigar. Isso era o máximo que se fazia por eles. Já os adultos que não conseguiam trabalho tinham como punição o açoitamento e a prisão. E se ao sair da prisão não encontrasse um emprego a pessoa podia ser escravizada. E quem escravizava a criatura desafortunada? Aquele que o denunciava como vadio. Era a lei. No reinado de Elizabeth os mendigos que eram pego sem licença, mesmo se velhos, eram açoitados e os que com mais de 14 andassem na “vadiagem” podiam ser surrados e ter a orelha esquerda marcada a ferro. E caso ninguém quisesse dar emprego ao cristão, ele poderia ser executado. Eis a liberdade do capital no início dos seus tempos. “Assim, a população rural, depois de ter sua terra violentamente expropriada, sendo dela expulsa e entregue a vagabundagem, viu-se obrigada a se submeter por meio de leis grotescas e terroristas e por força de açoites, ferros em brasa e torturas, a uma disciplina necessária ao sistema de trabalho assalariado”. Olhando para hoje, o que mudou? Façam o exercício de pensar. Nos dias que correm os “vagabundos” seguem sendo marcados a ferro, sem chance de se erguer. E são denunciados pelos seus iguais, que só se diferem um pouco pelo fato de terem conseguido um emprego para ser explorado. Mas, no fundo, fazem parte do mesmo grupo, daqueles que precisam vender sua força de trabalho para poder comer ou sustentar seus pequenos luxos. Os empobrecidos pelo sistema capitalista nunca estarão empoderados, em nenhuma situação. Sobre eles pesa a realidade concreta. Se não tem trabalho, não come. E não há trabalho para todos. Se o vivente cai na droga, na bandidagem, no vazio, não há quem lhe estenda a mão. O sistema organiza e impõe a concorrência, a disputa. É matar ou morrer. No Brasil, o presidente falastrão é só um gerente desse sistema de morte. Por isso não há novidade no grotesco do discurso. O que ele diz é o que diria um lord inglês no século XVI, XVII ou XVIII. O que ele diz é o que dizem os megaempresários nas suas mesas de negócio. O que ele diz é o que dizem os banqueiros que desalojam gente de suas casas. Morte, tortura, açoite, bala. É o normal da classe dominante e dos seus cães de guarda. A sua volta, voejam as moscas, os que riem dos torturados, dos assassinados, dos desaparecidos. Os que pensam que seu dia nunca chegará. Ele chega irmão. Por que se a pessoa não é dona dos meios que garantem a produção do que vai lhe gerar a vida ela está em permanente risco. Mesmo o maior puxa saco do planeta pode cair em desgraça. Porque que os poderosos são assim. Não veem pessoas. Eles veem coisas. E coisa se chuta. Resumindo a ópera. O inimigo é o sistema que torna a maioria das gentes uma coisa. Os gerentes vêm e vão, são melhores ou piores, mas a desgraça permanece. Então, quando um cão de guarda rosna, há que avançar para além dele, destruindo aquilo que ele guarda. É tempo de ir à fonte. Tio Sam, ajuda aí… Um dia na Ocupação Manoel Aleixo, em Mauá No capitalismo, o governo é dos ricos